3 de setembro de 2011

Programa surrealista de contenção de danos




Resumo do pensamento:

Cada vez o Poder Judiciário tem menos estrutura e maior carga de trabalho. Além disso, a legislação e os posicionamentos jurisprudenciais (principalmente nos tribunais superiores) têm ficado mais lenientes.

Nesse contexto, a justiça criminal se tornou um verdadeiro teatro, sendo quase impossível processar e condenar definitivamente os criminosos, ainda que sejam muito graves os crimes.

Ou seja, embora o ordenamento jurídico apresente um interesse de agir abstrato (visando a punição de quem comete algum crime), nãointeresse de agir concreto, pois cada vez se dificulta mais o alcance de uma decisão final. Uma coisa é assegurar garantias processuais para um julgamento justo (com o que sou totalmente favorável); outra bem diferente é criar formas (inclusive o sucateamento do Poder Judiciário) e excessos para viabilizar impunidade.

Às vezes a sensação que dá é de que a justiça criminal se tornou um circo em que o juiz e o promotor são os "palhaços" que estão no picadeiro (sala de audiências) acreditando que estão mesmo realizando justiça, quando na verdade é o réu que está se divertindo ao ver os bobos (enquanto planeja o próximo crime que realizará).

Por isso acabei pensando em um programa de contenção de danos. É um programa para ser usado provisoriamente (ao menos enquanto não melhorar a estrutura ou se tornar mais sério o ordenamento jurídico e suas interpretações). A ideia é liquidar processos criminais que não reverterão em qualquer benefício efetivo à sociedade, para poder focar e deixar mais rápido o processamento daqueles crimes mais graves (crimes com violência ou grave ameaça; hediondos e equiparados; crimes praticados por pessoas com outros apontamentos criminais na vida pregressa (evidenciando habitualidade criminosa); e, principalmente, os crimes de colarinho branco). Ou seja, a intenção é viabilizar que se chegue ao final efetivo dos processos criminais que versam sobre situações mais relevantes para a sociedade.



Seguem os modelos das decisões sobre a ausência de interesse de agir concreto: 


Para processos criminais:
Autos n. __________
          Vistos, etc.
          Avoquei os presentes autos.
          É processo-crime que se encontra em fase de conhecimento, decorrente de denúncia formulada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo contra __________, em razão de fato ocorrido em __________.
          Decido.
          Não é possível deixar esquecida a realidade.
          Ainda que exista interesse de agir no plano abstrato (assim considerado na ação penal como o interesse do Estado-juiz na verificação do fato e no exercício do direito-dever de punir), fato é que a realidade do ordenamento jurídico e político brasileiro demonstram inequivocamente a inexistência de real e concreto interesse de agir.
          Mesmo com certa melhoria social e econômica experimentada pelas camadas mais pobres da população nos últimos anos, persiste em escala crescente a onda de criminalidade. Logo, a pobreza não constitui em fator preponderante para a explosão da criminalidade.
          Estou atualmente convencido de que o motivo principal para esse crescimento da quantidade de crimes é o clima de corrupção que predomina no setor político e que a partir disso se espraia para todos os demais ramos da sociedade.
          Tornou-se corrente no Brasil a adoção da popularmente chamada "filosofia do malandro", pois se entende que somente os mais espertos (na concepção negativa do termo) possuem maiores chances de “vencer” na vida. Os adeptos dessa "filosofia" não medem esforços para alcançar artificiosamente os seus objetivos. Não respeitam o próximo, praticam atos de corrupção, mentem, enganam, utilizam a violência como instrumento, etc.
          E infelizmente a vida quotidiana demonstra diariamente que inúmeras pessoas que deveriam dar à sociedade exemplos positivos estão a passar exemplos de que atitudes amorais compensam financeiramente.
          Apenas para ficar em exemplos recentes, menciono as notícias de corrupção em diversos Ministérios do Poder Executivo da União (Transporte, Turismo e Agricultura). E a sociedade assiste que o máximo que ocorre com tais pessoas é a perda provisória de um cargo político, sem que ocorra qualquer sanção criminal e, principalmente, sem que ocorra a necessária restituição aos cofres públicos (ao povo) do dinheiro subtraído.
          Ocorre que numa sociedade que está perdendo a capacidade crítica e a capacidade de se indignar com atos imorais (o que decorre diretamente da falência do sistema de ensino) o exemplo extraído desses episódios é o de que agir de modo ilícito no Brasil é compensador.
          Quem trabalha tentando melhorar o país vê suas forças se esvaírem em vão.
          Professores ficaram sujeitos a péssimos salários, à ausência de estrutura para apoio ao ensino, à ausência de material e recursos didáticos e até mesmo muitos acabam por sofrer física e psicologicamente com atos de barbárie praticados por alguns alunos. Os profissionais da saúde (médicos, enfermeiros, dentre outros) foram transformados em proletários da saúde, ficando sujeitos a remunerações indignas, horários de trabalho desumanos. Existem inúmeras pessoas trabalhando em condições análogas às de escravo, muitas vezes em decorrência de conduta abusiva de empresas que se constituem em gigantes de seus setores econômicos, sem que ocorra qualquer repressão efetiva pelo Estado. Os consumidores são diariamente aviltados por grandes e lucrativas empresas prestadoras de serviços públicos, sem que nenhuma atitude concreta e efetiva seja tomada pelos órgãos incumbidos da fiscalização (no máximo são aplicadas multas que se apresentam pífias diante da lucratividade proporcionada pela conduta irregular). Milhares de pessoas usuárias de serviços públicos ou conveniados morrem à espera de um atendimento médico ou de um remédio.
          Também os juízes e os servidores do Poder Judiciário sofrem diretamente com a malversação dos recursos públicos. Anos se passam sem reposição salarial de acordo com a inflação (e aqui se está apenas no plano da reposição da perda inflacionária, não se chegando sequer a cogitar de aumento real), o que faz com que o poder de compra vá ficando cada vez mais reduzido a cada dia que passa. O número de habitantes vem aumentando, o número de processos também e o quadro de servidores segue na contramão, ficando cada vez mais reduzido, pois não ocorre adequada e célere reposição sequer daqueles que se aposentam. Há também aqueles casos de condições desumanas de trabalho. Para ficar mais uma vez em um exemplo recente, este magistrado e os servidores lotados no fórum de Cananéia com as obras de reparos no telhado do prédio ficaram sujeitos a trabalhar em um ambiente insalubre, cheio de pó oriundo da obra, acumulados e empilhados em espaços reduzidos com as pilhas de processos (muitos dos quais bem antigos), desviando de goteiras nos dias de chuva, com todos os banheiros do fórum interditados pela necessidade de desligamento da caixa d’água. Para manter minimamente o atendimento dos casos urgentes, as audiências passaram a ser realizadas em um espaço cedido pela Câmara dos Vereadores, espaço que serve como ante-sala dos únicos banheiros do prédio (de modo que todos aqueles que estão no prédio ao precisar utilizar o banheiro precisam transitar pelo local em que se está realizando audiência).    
          E muitos outros exemplos poderiam ser dados.
          Diante desse quadro, é forçoso reconhecer que as coisas não andam bem no Brasil. Quase tudo está errado.
          Para piorar, as leis criminais (produzidas pelos Poderes Legislativo e Executivo) se orientam de forma a tornar cada vez mais difícil a atuação da Justiça Criminal. A cada alteração processual se torna mais complexo o processamento dos casos, ficando mais difícil que se alcance uma solução final. Essa dificuldade, somada à total falta de estrutura do Poder Judiciário, faz com que muitos crimes graves fiquem impunes. Alguns casos (notadamente os ligados à corrupção) se mostram quase impossíveis de se chegar ao final. Não é por acaso que nem mesmo o Supremo Tribunal Federal (instância máxima do Poder Judiciário) consegue alcançar termo final nos processos criminais contra políticos.
          Nesta Comarca a situação não é diferente. Tem-se uma estrutura funcional insuficiente para o atendimento do volume de processos, fazendo com que algumas vezes a justiça não chegue ou que quando chegue o seja de modo atrasado, fora do tempo em que teria tido algum resultado eficaz. Como já alertava Ruy Barbosa, “justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta”.  
          Bem que gostaria de poder atuar em todos os casos de modo eficaz, perquirindo a verdade material e chegando a um resultado final justo. Mas a realidade assim não o permite. E é preciso dar um basta no teatro (verdadeiro faz de conta em que várias pessoas trabalham em busca de um resultado que nunca chega) em que se está transformando a justiça criminal, eis que cada vez há menos estrutura e mais dificuldades sem se alcançar o fim dos processos.
          E é por isso que reputo não haver interesse de agir real e concreto, na medida em que a manutenção do atual estado de coisas apenas tem o condão de tornar a justiça criminal ineficiente e sem qualquer eficácia, deixando a sociedade concretamente desamparada.
          Como lastimavelmente não há a possibilidade de o juízo ampliar e de sequer melhorar a estrutura (pois isso depende de vontade política principalmente do Poder Executivo), resta apenas trabalhar com formas inovadoras de procurar dar à sociedade uma resposta efetiva para seus problemas mais urgentes.
          Urge, portanto, utilizar a parca estrutura atual de modo mais eficaz, priorizando os casos criminais mais graves, com os quais se confere melhor amparo à sociedade e, principalmente, se passa à comunidade local exemplo distinto daqueles dos noticiários. É preciso que o povo reconheça que a "filosofia do malandro" não mais compensa, perquirindo-se e alcançando-se termo final nos processos que tramitam por este juízo e que apuram atos de corrupção, de crimes hediondos e equiparados e de crimes praticados com violência à pessoa.
          Diante da lastimável realidade, é preciso fazer como na escolha de Sofia (uma mãe judia e polonesa que em um campo de concentração nazista precisou escolher entre seu filho e sua filha qual dos dois seriam mortos) ou como os médicos que diante da precariedade da estrutura de saúde precisam às vezes escolher quais doentes irão sobreviver.
          Esse modo realista de agir é necessário para que se confira efetivo cumprimento aos axiomas da celeridade, da economia processual, da razoável duração do processo e da máxima efetividade dos provimentos jurisdicionais, todos erigidos a status constitucional (art. 5º, inciso LXXVIII, da Constituição da República Federativa do Brasil), além de em última análise acabar por influir positivamente na satisfação dos direitos individuais e sociais, inclusive no direito à segurança (art. 5º, caput, da Constituição).  
          No presente caso o crime em apuração (___________) não se apresenta de excessiva gravidade, o acusado não ostenta outros apontamentos criminais (conforme se infere da atualizada folha de antecedentes, conforme impresso anexo extraído via INTINFO) e o fato já ocorreu há expressivo lapso temporal (de modo que qualquer resultado a que se chegue, em razão da demora não se teria qualquer eficácia, apenas traduzindo injustiça qualificada).
          Nesse contexto, reputo necessário reconhecer a ausência de concreto e real interesse de agir, implicando na extinção anômala da punibilidade, por inteligência do artigo 107 do Código Penal em conjugação com o artigo 3º do Código de Processo Penal e com o artigo 267, inciso VI, do Código de Processo Civil.
          Diante do exposto, e com esteio no artigo 107 do Código Penal, combinado com artigo 3º do Código de Processo Penal e com o artigo 267, inciso VI, do Código de Processo Civil, julgo extinto o feito e, por conseguinte, declaro extinta a punibilidade de _____________ quanto ao fato apurado nestes autos.
          Sem custas.
          Oportunamente, expeça-se certidão de honorários em prol do ilustre advogado que atuou em função do convênio da assistência judiciária (fl. ___).
          Em observância ao item 22, “d”, do Capítulo V das Normas de Serviço da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de São Paulo, e com a qualificação completa do denunciado, comunique-se o desfecho do feito ao serviço distribuidor e ao Instituto de Identificação Ricardo Gumbleton Daunt (IIRGD).
          Após tudo cumprido, arquive-se.
          Publique-se. Registre-se. Ciência ao Ministério Público e à defesa. 
          Local, autodata.

AYRTON VIDOLIN MARQUES JÚNIOR
Juiz Substituto

***
Para inquérito policial com indiciado:
Autos n. __________
          Vistos, etc.
          Avoquei os presentes autos.
          É inquérito policial que se encontra em fase de investigação, figurando como indiciado __________, em razão de fato ocorrido em __________.
          Decido.
          Não é possível deixar esquecida a realidade.
          Ainda que exista interesse de agir no plano abstrato (assim considerado na ação penal como o interesse do Estado-juiz na verificação do fato e no exercício do direito-dever de punir), fato é que a realidade do ordenamento jurídico e político brasileiro demonstram inequivocamente a inexistência de real e concreto interesse de agir.
          Mesmo com certa melhoria social e econômica experimentada pelas camadas mais pobres da população nos últimos anos, persiste em escala crescente a onda de criminalidade. Logo, a pobreza não constitui em fator preponderante para a explosão da criminalidade.
          Estou atualmente convencido de que o motivo principal para esse crescimento da quantidade de crimes é o clima de corrupção que predomina no setor político e que a partir disso se espraia para todos os demais ramos da sociedade.
          Tornou-se corrente no Brasil a adoção da popularmente chamada "filosofia do malandro", pois se entende que somente os mais espertos (na concepção negativa do termo) possuem maiores chances de “vencer” na vida. Os adeptos dessa "filosofia" não medem esforços para alcançar artificiosamente os seus objetivos. Não respeitam o próximo, praticam atos de corrupção, mentem, enganam, utilizam a violência como instrumento, etc.
          E infelizmente a vida quotidiana demonstra diariamente que inúmeras pessoas que deveriam dar à sociedade exemplos positivos estão a passar exemplos de que atitudes amorais compensam financeiramente.
          Apenas para ficar em exemplos recentes, menciono as notícias de corrupção em diversos Ministérios do Poder Executivo da União (Transporte, Turismo e Agricultura). E a sociedade assiste que o máximo que ocorre com tais pessoas é a perda provisória de um cargo político, sem que ocorra qualquer sanção criminal e, principalmente, sem que ocorra a necessária restituição aos cofres públicos (ao povo) do dinheiro subtraído.
          Ocorre que numa sociedade que está perdendo a capacidade crítica e a capacidade de se indignar com atos imorais (o que decorre diretamente da falência do sistema de ensino) o exemplo extraído desses episódios é o de que agir de modo ilícito no Brasil é compensador.
          Quem trabalha tentando melhorar o país vê suas forças se esvaírem em vão.
          Professores ficaram sujeitos a péssimos salários, à ausência de estrutura para apoio ao ensino, à ausência de material e recursos didáticos e até mesmo muitos acabam por sofrer física e psicologicamente com atos de barbárie praticados por alguns alunos. Os profissionais da saúde (médicos, enfermeiros, dentre outros) foram transformados em proletários da saúde, ficando sujeitos a remunerações indignas, horários de trabalho desumanos. Existem inúmeras pessoas trabalhando em condições análogas às de escravo, muitas vezes em decorrência de conduta abusiva de empresas que se constituem em gigantes de seus setores econômicos, sem que ocorra qualquer repressão efetiva pelo Estado. Os consumidores são diariamente aviltados por grandes e lucrativas empresas prestadoras de serviços públicos, sem que nenhuma atitude concreta e efetiva seja tomada pelos órgãos incumbidos da fiscalização (no máximo são aplicadas multas que se apresentam pífias diante da lucratividade proporcionada pela conduta irregular). Milhares de pessoas usuárias de serviços públicos ou conveniados morrem à espera de um atendimento médico ou de um remédio.
          Também os juízes e os servidores do Poder Judiciário sofrem diretamente com a malversação dos recursos públicos. Anos se passam sem reposição salarial de acordo com a inflação (e aqui se está apenas no plano da reposição da perda inflacionária, não se chegando sequer a cogitar de aumento real), o que faz com que o poder de compra vá ficando cada vez mais reduzido a cada dia que passa. O número de habitantes vem aumentando, o número de processos também e o quadro de servidores segue na contramão, ficando cada vez mais reduzido, pois não ocorre adequada e célere reposição sequer daqueles que se aposentam. Há também aqueles casos de condições desumanas de trabalho. Para ficar mais uma vez em um exemplo recente, este magistrado e os servidores lotados no fórum de Cananéia com as obras de reparos no telhado do prédio ficaram sujeitos a trabalhar em um ambiente insalubre, cheio de pó oriundo da obra, acumulados e empilhados em espaços reduzidos com as pilhas de processos (muitos dos quais bem antigos), desviando de goteiras nos dias de chuva, com todos os banheiros do fórum interditados pela necessidade de desligamento da caixa d’água. Para manter minimamente o atendimento dos casos urgentes, as audiências passaram a ser realizadas em um espaço cedido pela Câmara dos Vereadores, espaço que serve como ante-sala dos únicos banheiros do prédio (de modo que todos aqueles que estão no prédio ao precisar utilizar o banheiro precisam transitar pelo local em que se está realizando audiência).    
          E muitos outros exemplos poderiam ser dados.
          Diante desse quadro, é forçoso reconhecer que as coisas não andam bem no Brasil. Quase tudo está errado.
          Para piorar, as leis criminais (produzidas pelos Poderes Legislativo e Executivo) se orientam de forma a tornar cada vez mais difícil a atuação da Justiça Criminal. A cada alteração processual se torna mais complexo o processamento dos casos, ficando mais difícil que se alcance uma solução final. Essa dificuldade, somada à total falta de estrutura do Poder Judiciário, faz com que muitos crimes graves fiquem impunes. Alguns casos (notadamente os ligados à corrupção) se mostram quase impossíveis de se chegar ao final. Não é por acaso que nem mesmo o Supremo Tribunal Federal (instância máxima do Poder Judiciário) consegue alcançar termo final nos processos criminais contra políticos.
          Com a Polícia Civil a situação é idêntica. Poucos policiais, vencimentos incompatíveis com o risco e a importância das funções, sucateamento dos materiais, ausência concreta de equipamentos e meios de investigação e, para piorar, a polícia precisa ainda exercer funções extraordinárias e que os alçam à condição de pajens de presos e infratores (como a manutenção de carceragens, a fiscalização de medidas cautelares pessoais e o transporte de presos entre estabelecimentos penais e para atendimentos de saúde).
          Nesta Comarca a situação não é diferente. Tem-se uma estrutura funcional insuficiente para o atendimento do volume de feitos (tanto no Poder Judiciário quanto na Polícia Civil), fazendo com que algumas vezes a justiça não chegue ou que quando chegue o seja de modo atrasado, fora do tempo em que teria tido algum resultado eficaz. Como já alertava Ruy Barbosa, “justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta”.  
          Bem que seria bom ver todos os inquéritos policiais tramitando de modo eficaz, com investigações eficientes e céleres, viabilizando o alcance da verdade material e um resultado final justo. Mas a realidade assim não o permite. O que existe é uma infinidade de inquéritos policiais que apenas transitam entre o fórum e as delegacias de polícia, sem que a grande maioria deles atinja desfecho efetivo. E é preciso dar um basta no teatro (verdadeiro faz de conta em que várias pessoas trabalham em busca de um resultado que nunca chega) em que se está transformando a justiça criminal, eis que cada vez há menos estrutura e mais dificuldades sem se alcançar o fim dos procedimentos.
          E é por isso que reputo não haver interesse de agir real e concreto para o prosseguimento do presente feito, na medida em que a manutenção do atual estado de coisas apenas tem o condão de tornar a Polícia Civil e a justiça criminal ineficientes e sem qualquer eficácia, deixando a sociedade concretamente desamparada.
          Como lastimavelmente não há a possibilidade de o juízo ampliar e de sequer melhorar a estrutura do Poder Judiciário e da Polícia Civil (pois isso depende de vontade política principalmente do Poder Executivo), resta apenas trabalhar com formas inovadoras de procurar dar à sociedade uma resposta efetiva para seus problemas mais urgentes.
          Urge, portanto, utilizar a parca estrutura atual de modo mais eficaz, priorizando os casos criminais mais graves, com os quais se confere melhor amparo à sociedade e, principalmente, se passa à comunidade local exemplo distinto daqueles dos noticiários. É preciso que o povo reconheça que a "filosofia do malandro" não mais compensa, perquirindo-se e alcançando-se termo final nos feitos que tramitam e que apuram atos de corrupção, de crimes hediondos e equiparados e de crimes praticados com violência à pessoa.
          Diante da lastimável realidade, é preciso fazer como na escolha de Sofia (uma mãe judia e polonesa que em um campo de concentração nazista precisou escolher entre seu filho e sua filha qual dos dois seriam mortos) ou como os médicos que diante da precariedade da estrutura de saúde precisam às vezes escolher quais doentes irão sobreviver.
          Esse modo realista de agir é necessário para que se confira efetivo cumprimento aos axiomas da celeridade, da economia processual, da razoável duração do processo e da máxima efetividade dos provimentos jurisdicionais, todos erigidos a status constitucional (art. 5º, inciso LXXVIII, da Constituição da República Federativa do Brasil), além de em última análise acabar por influir positivamente na satisfação dos direitos individuais e sociais, inclusive no direito à segurança (art. 5º, caput, da Constituição).  
          No presente caso o crime em apuração (___________) não se apresenta de excessiva gravidade, o indiciado não ostenta outros apontamentos criminais (conforme se infere da atualizada folha de antecedentes, conforme impresso anexo extraído via INTINFO) e o fato já ocorreu há expressivo lapso temporal (de modo que qualquer resultado a que se chegue, em razão da demora não se teria qualquer eficácia, apenas traduzindo injustiça qualificada), o que também revela que não se alcançaria desfecho ao inquérito policial antes de operada a prescrição.
          Nesse contexto, reputo necessário reconhecer a ausência de concreto e real interesse de agir, implicando na extinção anômala da punibilidade, por inteligência do artigo 107 do Código Penal em conjugação com o artigo 3º do Código de Processo Penal e com o artigo 267, inciso VI, do Código de Processo Civil.
          Diante do exposto, e com esteio no artigo 107 do Código Penal, combinado com artigo 3º do Código de Processo Penal e com o artigo 267, inciso VI, do Código de Processo Civil, julgo extinto o feito e, por conseguinte, declaro extinta a punibilidade de _____________ quanto ao fato apurado nestes autos.
          Sem custas.
          Em observância ao item 22, “d”, do Capítulo V das Normas de Serviço da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de São Paulo, e com a qualificação completa do indiciado, comunique-se o desfecho do feito ao serviço distribuidor e ao Instituto de Identificação Ricardo Gumbleton Daunt (IIRGD).
          Após tudo cumprido, arquive-se.
          Publique-se. Registre-se. Ciência ao Ministério Público. 
          Local, autodata.

AYRTON VIDOLIN MARQUES JÚNIOR
Juiz Substituto
***
Para inquérito policial sem autoria suspeita ou conhecida:
Autos n. __________
          Vistos, etc.
          Avoquei os presentes autos.
          É inquérito policial que se encontra em fase de investigação, sem autoria conhecida até o momento, em razão de fato ocorrido em __________.
          Decido.
          Não é possível deixar esquecida a realidade.
          Ainda que exista interesse de agir no plano abstrato (assim considerado na ação penal como o interesse do Estado-juiz na verificação do fato e no exercício do direito-dever de punir), fato é que a realidade do ordenamento jurídico e político brasileiro demonstram inequivocamente a inexistência de real e concreto interesse de agir.
          Mesmo com certa melhoria social e econômica experimentada pelas camadas mais pobres da população nos últimos anos, persiste em escala crescente a onda de criminalidade. Logo, a pobreza não constitui em fator preponderante para a explosão da criminalidade.
          Estou atualmente convencido de que o motivo principal para esse crescimento da quantidade de crimes é o clima de corrupção que predomina no setor político e que a partir disso se espraia para todos os demais ramos da sociedade.
          Tornou-se corrente no Brasil a adoção da popularmente chamada "filosofia do malandro", pois se entende que somente os mais espertos (na concepção negativa do termo) possuem maiores chances de “vencer” na vida. Os adeptos dessa "filosofia" não medem esforços para alcançar artificiosamente os seus objetivos. Não respeitam o próximo, praticam atos de corrupção, mentem, enganam, utilizam a violência como instrumento, etc.
          E infelizmente a vida quotidiana demonstra diariamente que inúmeras pessoas que deveriam dar à sociedade exemplos positivos estão a passar exemplos de que atitudes amorais compensam financeiramente.
          Apenas para ficar em exemplos recentes, menciono as notícias de corrupção em diversos Ministérios do Poder Executivo da União (Transporte, Turismo e Agricultura). E a sociedade assiste que o máximo que ocorre com tais pessoas é a perda provisória de um cargo político, sem que ocorra qualquer sanção criminal e, principalmente, sem que ocorra a necessária restituição aos cofres públicos (ao povo) do dinheiro subtraído.
          Ocorre que numa sociedade que está perdendo a capacidade crítica e a capacidade de se indignar com atos imorais (o que decorre diretamente da falência do sistema de ensino) o exemplo extraído desses episódios é o de que agir de modo ilícito no Brasil é compensador.
          Quem trabalha tentando melhorar o país vê suas forças se esvaírem em vão.
          Professores ficaram sujeitos a péssimos salários, à ausência de estrutura para apoio ao ensino, à ausência de material e recursos didáticos e até mesmo muitos acabam por sofrer física e psicologicamente com atos de barbárie praticados por alguns alunos. Os profissionais da saúde (médicos, enfermeiros, dentre outros) foram transformados em proletários da saúde, ficando sujeitos a remunerações indignas, horários de trabalho desumanos. Existem inúmeras pessoas trabalhando em condições análogas às de escravo, muitas vezes em decorrência de conduta abusiva de empresas que se constituem em gigantes de seus setores econômicos, sem que ocorra qualquer repressão efetiva pelo Estado. Os consumidores são diariamente aviltados por grandes e lucrativas empresas prestadoras de serviços públicos, sem que nenhuma atitude concreta e efetiva seja tomada pelos órgãos incumbidos da fiscalização (no máximo são aplicadas multas que se apresentam pífias diante da lucratividade proporcionada pela conduta irregular). Milhares de pessoas usuárias de serviços públicos ou conveniados morrem à espera de um atendimento médico ou de um remédio.
          Também os juízes e os servidores do Poder Judiciário sofrem diretamente com a malversação dos recursos públicos. Anos se passam sem reposição salarial de acordo com a inflação (e aqui se está apenas no plano da reposição da perda inflacionária, não se chegando sequer a cogitar de aumento real), o que faz com que o poder de compra vá ficando cada vez mais reduzido a cada dia que passa. O número de habitantes vem aumentando, o número de processos também e o quadro de servidores segue na contramão, ficando cada vez mais reduzido, pois não ocorre adequada e célere reposição sequer daqueles que se aposentam. Há também aqueles casos de condições desumanas de trabalho. Para ficar mais uma vez em um exemplo recente, este magistrado e os servidores lotados no fórum de Cananéia com as obras de reparos no telhado do prédio ficaram sujeitos a trabalhar em um ambiente insalubre, cheio de pó oriundo da obra, acumulados e empilhados em espaços reduzidos com as pilhas de processos (muitos dos quais bem antigos), desviando de goteiras nos dias de chuva, com todos os banheiros do fórum interditados pela necessidade de desligamento da caixa d’água. Para manter minimamente o atendimento dos casos urgentes, as audiências passaram a ser realizadas em um espaço cedido pela Câmara dos Vereadores, espaço que serve como ante-sala dos únicos banheiros do prédio (de modo que todos aqueles que estão no prédio ao precisar utilizar o banheiro precisam transitar pelo local em que se está realizando audiência).    
          E muitos outros exemplos poderiam ser dados.
          Diante desse quadro, é forçoso reconhecer que as coisas não andam bem no Brasil. Quase tudo está errado.
          Para piorar, as leis criminais (produzidas pelos Poderes Legislativo e Executivo) se orientam de forma a tornar cada vez mais difícil a atuação da Justiça Criminal. A cada alteração processual se torna mais complexo o processamento dos casos, ficando mais difícil que se alcance uma solução final. Essa dificuldade, somada à total falta de estrutura do Poder Judiciário, faz com que muitos crimes graves fiquem impunes. Alguns casos (notadamente os ligados à corrupção) se mostram quase impossíveis de se chegar ao final. Não é por acaso que nem mesmo o Supremo Tribunal Federal (instância máxima do Poder Judiciário) consegue alcançar termo final nos processos criminais contra políticos.
          Com a Polícia Civil a situação é idêntica. Poucos policiais, vencimentos incompatíveis com o risco e a importância das funções, sucateamento dos materiais, ausência concreta de equipamentos e meios de investigação e, para piorar, a polícia precisa ainda exercer funções extraordinárias e que os alçam à condição de pajens de presos e infratores (como a manutenção de carceragens, a fiscalização de medidas cautelares pessoais e o transporte de presos entre estabelecimentos penais e para atendimentos de saúde).
          Nesta Comarca a situação não é diferente. Tem-se uma estrutura funcional insuficiente para o atendimento do volume de feitos (tanto no Poder Judiciário quanto na Polícia Civil), fazendo com que algumas vezes a justiça não chegue ou que quando chegue o seja de modo atrasado, fora do tempo em que teria tido algum resultado eficaz. Como já alertava Ruy Barbosa, “justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta”.  
          Bem que seria bom ver todos os inquéritos policiais tramitando de modo eficaz, com investigações eficientes e céleres, viabilizando o alcance da verdade material e um resultado final justo. Mas a realidade assim não o permite. O que existe é uma infinidade de inquéritos policiais que apenas transitam entre o fórum e as delegacias de polícia, sem que a grande maioria deles atinja desfecho efetivo. E é preciso dar um basta no teatro (verdadeiro faz de conta em que várias pessoas trabalham em busca de um resultado que nunca chega) em que se está transformando a justiça criminal, eis que cada vez há menos estrutura e mais dificuldades sem se alcançar o fim dos procedimentos.
          E é por isso que reputo não haver interesse de agir real e concreto para o prosseguimento do presente feito, na medida em que a manutenção do atual estado de coisas apenas tem o condão de tornar a Polícia Civil e a justiça criminal ineficientes e sem qualquer eficácia, deixando a sociedade concretamente desamparada.
          Como lastimavelmente não há a possibilidade de o juízo ampliar e de sequer melhorar a estrutura do Poder Judiciário e da Polícia Civil (pois isso depende de vontade política principalmente do Poder Executivo), resta apenas trabalhar com formas inovadoras de procurar dar à sociedade uma resposta efetiva para seus problemas mais urgentes.
          Urge, portanto, utilizar a parca estrutura atual de modo mais eficaz, priorizando os casos criminais mais graves, com os quais se confere melhor amparo à sociedade e, principalmente, se passa à comunidade local exemplo distinto daqueles dos noticiários. É preciso que o povo reconheça que a "filosofia do malandro" não mais compensa, perquirindo-se e alcançando-se termo final nos feitos que tramitam e que apuram atos de corrupção, de crimes hediondos e equiparados e de crimes praticados com violência à pessoa.
          Diante da lastimável realidade, é preciso fazer como na escolha de Sofia (uma mãe judia e polonesa que em um campo de concentração nazista precisou escolher entre seu filho e sua filha qual dos dois seriam mortos) ou como os médicos que diante da precariedade da estrutura de saúde precisam às vezes escolher quais doentes irão sobreviver.
          Esse modo realista de agir é necessário para que se confira efetivo cumprimento aos axiomas da celeridade, da economia processual, da razoável duração do processo e da máxima efetividade dos provimentos jurisdicionais, todos erigidos a status constitucional (art. 5º, inciso LXXVIII, da Constituição da República Federativa do Brasil), além de em última análise acabar por influir positivamente na satisfação dos direitos individuais e sociais, inclusive no direito à segurança (art. 5º, caput, da Constituição).  
          No presente caso o crime em apuração (___________) não se apresenta de excessiva gravidade, não houve até o momento descoberta da autoria e o fato já ocorreu há expressivo lapso temporal (de modo que qualquer resultado a que se chegue, em razão da demora não se teria qualquer eficácia, apenas traduzindo injustiça qualificada), o que também revela que não se alcançaria desfecho ao inquérito policial antes de operada a prescrição.
          Nesse contexto, reputo necessário reconhecer a ausência de concreto e real interesse de agir, implicando na extinção anômala da punibilidade, por inteligência do artigo 107 do Código Penal em conjugação com o artigo 3º do Código de Processo Penal e com o artigo 267, inciso VI, do Código de Processo Civil.
          Diante do exposto, e com esteio no artigo 107 do Código Penal, combinado com artigo 3º do Código de Processo Penal e com o artigo 267, inciso VI, do Código de Processo Civil, julgo extinto o feito e, por conseguinte, declaro extinta a punibilidade quanto ao fato apurado nestes autos.
          Sem custas.
          Providenciem-se as anotações e comunicações necessárias.
          Após tudo cumprido, arquive-se.
          Publique-se. Registre-se. Ciência ao Ministério Público. 
          Local, autodata.

AYRTON VIDOLIN MARQUES JÚNIOR
Juiz Substituto

6 comentários:

  1. RudolfVon Ihering, no seu clássico "A luta pelo Direito",nos oferece um texto que convida à reflexão:

    "...a sorte daqueles que têm a coragem de efetivar a aplicaçao da lei torna-se um verdadeiro martírio; o enérgico sentimento do direito, que lhe não permite ceder lugar ao arbítrio, transforma-se em verdadeira maldiçao."

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  2. Bacana Ayrton.

    Vou surrupiar. Posso?

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  3. Claro que pode Michele!

    Não precisa nem perguntar,
    vc sempre pode "surrupiar"
    o que quiser!!!!

    bjs

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  4. Excelente! Nessa linha, até tentei implementar a prescrição em perspectiva (prescrição virtual) no JEC de Contagem-MG, mas fui impedido pelos Juízes e colegas do MP de outras comarcas que discordaram veementemente... O que mais me incomoda é preferir levar um amontoado de processos para a prescrição (real) do que trabalhar apenas no que pode ter alguma eficácia... Grande abraço! Convido o Dr. Ayrton e os amigos leitores do Blog a dar uma conferida em meu "espaço virtual": http://marcelocunhadearaujo.blogspot.com/

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  5. Obrigado por visitar este espaço Marcelo!!!!!
    Sou admirador dos seus pensamentos, os quais conheci através das postagens da Michele.
    Já adicionei seu blog na lista de links de blogs interessantes.
    Concordo plenamente que é preferível trabalhar no que precisa e pode ter eficácia, do que fadar a grande maioria dos casos à total ausência de resultado útil à sociedade.
    Grande abraço!

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