12 de julho de 2011

Retificação de registro civil: os imigrantes italianos


2ª Vara - Ofício Cível da Comarca de Dracena
Processo nº 168.01.2009.000910-3/000000-000
130/09

SENTENÇA:
A ajuíza esta causa pretendendo, em síntese, a retificação de diversos registros civis de seus ascendentes, a fim de unificar a grafia do patronímico paterno, procedente da Itália, comprovando, dess’arte, sua ascendência europeia (fls. 2/9). Juntou documentos (fls. 10/20).
O Ministério Público opinou pela procedência do pedido (fls. 23).
Antes, foram ouvidos os Oficiais de Registro Civil de Novo Horizonte e Itajobi, a fim de evitar duplicidades de registros (fls. 24).
Os Oficiais se manifestaram a fls. 30 e 32.
A autora pugnou pelo acolhimento de seu pedido (fls. 34), no que foi secundada pelo Ministério Público (fls. 36).
É o relatório.
Fundamento e decido.
                                   Julgo a causa no estado em que se encontra, nos termos do artigo 109, § 2°, da Lei n° 6.015/73.
Como apontado pela autora e pelo Ministério Público, na certidão registraria de fls. 12 já se lê o correto nome do bisavô de A: GIUSEPPE PETRICCIOLI.
Esse patronímico vem repetido a fls. 13, quando o sr. Giuseppe se casou com a sra. MARIA TERESA CUCCOLINI.
Depois, em terras tupiniquins, misturou-se “tutti, à la Juó Bananére”: Giuseppe virou José e Petriccioli transmudou-se para Petrochelli. Maria Teresa tornou-se, respeitosamente, Dona Thereza e seu sobrenome abriu-se sonoramente: de Cuccolini virou Cocoline.
Mais brasileiro impossível. Quem conhece a história dos imigrantes italianos bem sabe da veracidade do que consta nos autos; quantos Gaetanos viraram Caetanos; Paolas, Paulas; Francescos, Franciscos e por aí afora.
Narram-nos, com maestria, António de Alcântara Machado, Menotti Del Picchia, Oswald de Andrade, Emílio de Menezes e tantos outros literatos, que transpuseram para a escrita o modo de falar dos italianos.
Nesse sentido, basta lembrar duas blagues de Juó Bananere, pseudônimo de Alexandre Marcondes Machado, que, propositadamente em português macarrônico, declama:
OS MEUS OTTO ANNO
O chi sodades che io tegno
D’aquele gustoso tempigno
Ch’io stava o tempo intirigno
Brincando c’oas mulecada.
Che brutta insgugliambaçó
Che troça, che bringadera
Imbaxo das bananera
Na sombra dus bambuzá.
Che sbornia, che pagodera,
Che pandiga, che arrelia,
A genti sempre afazia
No largo d’Abaxo o Piques
Passava os dia i as notte
Brincando di scondi-scondi,
I atrepáno nus bondi,
Bulino c’os conduttore.” (Parodiando famoso verso de Casimiro de Abreu)
SUNETTO CRÁSSICO
Sette anno di pastore, Giacó servia Labó,
padre da Raffaela, serrana bella,
ma non servia o pai, che illo non era troxa nó!
servia a Raffaela p’ra si gaza co’ella.

I os dias, na esperanza di um dia só,
apassava spiáno na gianella;
ma o paio, fugino da gumbinaçó,
deu a Lia inveiz da Raffaela.

Quano o Giacó adiscobri o ingano,
e che tigna caído na sparrella,
fico c’un brutto d’un garó di arara.

I incominció di servi otros sette anno
dizeno: Si o Labó non fossi o pai della
io pigava elli i li quibrava a gara [Paródia do soneto de Camões, que, por sua vez, inspira-se em texto do Antigo Testamento. Eis o soneto original, cujo confronto com a paródia dá bem a noção da alteração fonética procedida pelos italianos: “Sete anos de pastor Jacó servia/ Labão, pai de Raquel, serrana bela;/ mas não servia ao pai, servia a ela,/ que a ela só por prêmio pretendia.// Os dias na esperança de um só dia/ passava, contentando-se com vê-la;/ porém o pai, usando de cautela, em lugar de Raquel lhe deu a Lia.// Vendo o triste pastor que com enganos/ assim lhe era negada a sua pastora/ como se não a tivesse merecida,/ começou a servir outros sete anos,/ dizendo: - Mais servira, se não fora/ para tão longo amor, tão curta a vida.”]
Percebe-se, pois, que o erro mencionado na inicial não é novo, nem inédito e tampouco de má-fé. Vem até mesmo literariamente registrado na História de nosso País, de nossa Nação – o que o Judiciário não ignora.
E, na presente causa, tudo acrescendo, o já errado PETROCHELLI alterou-se, quando junto de Aurora, para PETRICHOLLI numa bruzundanga sem fim, quiçá na vã tentativa de corrigir, então, aquilo que estava errado.
Mas num país em que a tradição oral se impõe, o PETRICCIOLI, desde já se adverte, não tem longo futuro; logo, sua musicalidade se imporá sobre a escrita, acaso não redobrem a atenção os atuais descendentes e as gerações futuras desta família. 
De toda forma, como diriam os doutos, o que está correto é o certo! Nesse caso, é Petriccioli; Cuccolini; Giuseppe e Maria Teresa.
Afinal, conforme mais que sabido, é do assento de nascimento que sobrevém os demais registros civis, emblemando a genealogia do cidadão.
Assim, inexistindo má-fé ou qualquer escuso interesse por parte da requerente, que conta com a aprovação do Ministério Público, torna-se imperioso o deferimento do pedido.
Não há nos autos, porém, mínimos elementos comprobatórios do óbito de S, nos termos em que se deseja lavrar. Note-se, aliás, que até mesmo a data de seu falecimento é incerta (“falecido provavelmente”, cf. fls. 08, sic), inexistindo outros dados indispensáveis para esse registro, como sua causa mortis, o local e a constituição de sua família à época do óbito, bens deixados etc.
Dessa forma, ante o exposto e o mais que dos autos consta, JULGO PROCEDENTE, na maior parte, a pretensão ajuizada por A, razão pela qual determino:
a)      Ao Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais de Novo Horizonte (SP):
·         a lavratura de assento de nascimento de B, nascida aos dez (10) dias do mês de outubro (10) de mil novecentos e dez (1910), na cidade de Novo Horizonte (SP);
·         a retificação do registro de casamento de E e B, corrigindo-se o patronímico de B para PETRICCIOLI, bem como sua data de nascimento, que é 10.10.1910. Ainda: corrijam-se os nomes dos pais de B, passando a constar, ao invés de José Petrochelli e D. Thereza Cocoline, GIUSEPPE PETRICCIOLI e MARIA TERESA CUCCOLINI;
·         a retificação do assento de nascimento de R, para que nele constem, corretamente, os nomes de B PETRICCIOLI, GIUSEPPE PETRICCIOLI e MARIA TERESA CUCCOLINI;
·         a retificação do registro de óbito de Thereza Cocoline, para que conste corretamente seu nome como sendo MARIA TERESA CUCCOLINI.
b)      ao Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais de Penápolis (SP):
·         a retificação do registro de casamento de R e N, para que, onde conste o nome BPS ou simplesmente BS, passe a constar o nome B PETRICCIOLI.
c)       ao Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais de Dracena:
·         a retificação do assento de nascimento de A, passando a constar o correto nome de sua avó paterna, qual seja: B PETRICCIOLI;
·         a retificação do registro de óbito de B Petrochelli, corrigindo-se seu patronímico para PETRICCIOLI, bem como corrigindo-se os nomes de seus pais, que são, em verdade: GIUSEPPE PETRICCIOLI (e não José Petrochelli) e MARIA TERESA CUCCOLINI (e não Thereza Cocoline).
IMPROCEDE, porém, o pedido de lavratura do registro de óbito de S, junto ao Cartório do Registro Civil das Pessoas Naturais de Itajobi (SP).
Expeçam-se, para tais retificações e lavraturas, os necessários mandados, nos termos do artigo 109, §§ 5° e 6° da Lei n° 6.015/73, a serem submetidos aos MM. Juízes Corregedores dos Cartórios Extrajudiciais de respectivas Comarcas, a fim de exararem, depois de aferida a regularidade formal do instrumento, seus respeitáveis ‘cumpra-se’.
O pagamento das custas e despesas processuais fica condicionado ao preceito contido no art. 12 da Lei 1.060/50, pois a requerente é beneficiária da gratuidade judiciária.
Ciência ao Ministério Público.
PUBLIQUE-SE.
REGISTRE-SE.
INTIMEM-SE.
Dracena, 13 de julho de 2009

Bruno Machado Miano
Juiz de Direito

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