29 de junho de 2011

Os professores...

2ª Vara Judicial da Comarca de Registro
Autos nº 170/2011
Impetrante:                       S
Impetrado:                        Dirigente Regional de Ensino
Litisconsorte Passivo:      Estado de São Paulo
                                

S  E  N  T  E  N  Ç  A

Vistos, etc.
1. Relatório:
S impetrou mandado de segurança contra ato praticado pelo Dirigente Regional de Ensino. Alegou ser professora contratada para lecionar na rede estadual de ensino público, sendo que por ocasião do procedimento de atribuição de aulas acabou tendo atribuídas duas aulas de sociologia em período matutino, o que ocasionou conflito de horários com as atribuições que desempenha lecionando para a rede pública de ensino do Município de Pariquera-Açu. Narrou que manifestou sua impossibilidade quanto a esse específico acúmulo, restando seu requerimento indeferido pela autoridade impetrada. Concluiu pedindo a concessão da segurança com o intuito de ver validada sua desistência em ministrar as aulas do período matutino, com a consequente anulação das suas faltas às respectivas aulas (fls. 2-8).
A liminar foi indeferida (fls. 59-60).
Informações foram prestadas pela autoridade impetrada (fls. 63-66).
O Estado de São Paulo ingressou no pólo passivo e pediu a denegação da segurança (fls. 71-72).
Houve oportunidade de intervenção do Ministério Público (fls. 74-76).
É o relatório. Decido.
2. Fundamentação:
A segurança merece ser concedida.
Atua a impetrante como professora contratada, tida como ocupante de função-atividade (fl. 18). Está, por isso, submetida a uma sistemática distinta quanto à jornada de trabalho e que consiste em ser retribuída financeiramente de acordo com a carga horária que efetivamente cumprir (art. 11 da Lei Complementar Estadual n. 836/97).
A única limitação prevista em caráter normativo era a de que a atribuição de aulas não ocorresse em quantidade inferior à Jornada Reduzida de Trabalho Docente (art. 9º, § 3º, da Resolução SE 77/2010) e que consiste em dez horas semanais.
Todavia, como se infere do documento de fl. 18, a impetrante teve atribuídas aulas em patamar inferior à Jornada Reduzida de Trabalho Docente (sete horas semanais), o que torna certo que no processo de atribuição de aulas ocorreu a exceção prevista pelo art. 9º, § 4º, da Resolução SE 77/2010. Ou seja, quando da atribuição de aulas à impetrante já estavam esgotadas as possibilidades de atribuição de aulas na quantidade mínima de dez horas semanais, de modo que estava chancelada a atribuição de aulas em patamar de horas inferior ao equivalente à Jornada Reduzida de Trabalho Docente.
Por conseguinte, não era caso de se aplicar a única restrição à atribuição de aulas, o que tornava perfeitamente possível o fracionamento das aulas de sociologia entre as do período matutino e as do noturno, máxime porque, logicamente, entre elas sequer há identidade entre as turmas, de modo que não haveria prejuízo aos alunos. Assim, era possível o acolhimento da pretensão da professora impetrante, o que se afigurava necessário até como forma de compatibilizar o desempenho das funções junto aos ensinos estadual e municipal.
Obviamente que se houvesse alguma outra razão de conveniência ou oportunidade poderia haver recusa da desistência manifestada pela professora quanto às aulas do período matutino. Todavia, para que isso fosse válido precisava o ato administrativo estar motivado, indicando precisamente os motivos de conveniência ou oportunidade, o que não ocorreu na espécie.
Aliás, oportuno observar que a impetrante desempenha nobre profissão.  Lastimavelmente, o país tem passado por situação de nefasta inversão de valores e a classe dos professores está dentre aquelas que sofreram maiores revezes, sob todos os aspectos. Atualmente não é segredo que professores não são tratados com o respeito que merecem (muitas vezes chegando até a sofrer agressões físicas e psicológicas por parte até mesmo de alunos) e que são remunerados de modo não condizente com a importância e relevância de suas atribuições. Daí que para poderem sobreviver com um mínimo de dignidade financeira precisam se desdobrar e lecionar em diversos locais distintos. Os demonstrativos de pagamento da impetrante (fls. 13 e 14) revelam que ela enfrenta essa dura e triste realidade que é lecionar nos dias de hoje.
E é irrefutável que o ato administrativo impugnado teve o viés de lançar a impetrante em uma situação draconiana: optar por perder um dos trabalhos (reduzindo drasticamente a sua renda e sendo lançada a situação de ainda maior penúria) ou faltar parcela das aulas atribuídas (ficando sujeita a sanções administrativas).
Nesse diapasão, até mesmo razões humanas, de bom senso e de razoabilidade recomendam que a pretensão da impetrante seja concedida, o que encontra sustentáculo no artigo 1º, inciso III, da Constituição da República Federativa do Brasil.
Isso não bastasse, é certo que as funções de ensino (como outras de tamanha importância, como a magistratura e a advocacia pública) exigem que para serem desempenhadas com excelência esteja o profissional com as coisas em ordem em seu íntimo, sem perturbações externas. Assim, não tenho dúvidas de que sem a preocupação ocasionada pelos fatos que ensejam o presente feito a impetrante estará lecionando de modo ainda melhor e mais sereno, o que vai ao encontro dos interesses dos alunos, jovens em especial de fase de formação e cujos interesses devem ser prestigiados com prioridade (inteligência ao artigo 227 da Constituição da República).  
3. Dispositivo:
Diante do exposto, extinguindo o feito com resolução do mérito (CPC, art. 269, inciso I, primeira parte), CONCEDO a segurança para os fins de: (a) validar a desistência manifestada pela impetrante quanto às aulas que lhe foram atribuídas no período matutino; e (b) anular as faltas da impetrante em relação às respectivas aulas (de sociologia no período matutino).
Embora sucumbente, é isento de custas o Estado de São Paulo.
Sem condenação em honorários advocatícios (Súmula nº 105 do STJ).
Em atenção ao art. 13, caput, da Lei nº 12.016/2009 transmita-se por ofício o inteiro teor da sentença à autoridade impetrada e à pessoa jurídica interessada.
Anoto que a sentença produz efeitos desde logo e a fase recursal se processa exclusivamente com efeito devolutivo (interpretação ao art. 14, § 3º, da Lei n. 12.016/2009).
Decorrido o prazo para recurso voluntário, remetam-se os autos ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo para fins de reexame necessário (art. 14, § 1º, da Lei nº 12.016/2009).
Ciência ao Ministério Público.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Cumpra-se.
Registro, data.
AYRTON VIDOLIN MARQUES JÚNIOR
Juiz Substituto

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