28 de junho de 2011

A retificação de registro civil, o haicai e a imigração

2ª Vara Judicial da Comarca de Registro
Autos nº 386/2010
Interessado:            M Hakaru M

 S  E  N  T  E  N  Ç  A

Vistos, etc.
1. Relatório:
Cuida-se de pedido de retificação de registros civis (fls. 3-4). Pretende o requerente a correção de seu assento de nascimento (para que conste M Hakaru M em vez de M Kaharu M) e do assento de óbito de seu irmão (para correção do nome de P para N). 
O Ministério Público do Estado de São Paulo apresentou pronunciamento contrário à pretensão (fls. 25-26).   
É o relatório. Decido.
2. Fundamentação:
O assento de óbito já se encontra corrigido, pois consta na escrituração original a ressalva de que o nome correto é N (fl. 23).     
O nome N, por seu turno, foi constado de forma equivocada na certidão de nascimento, eis que na escrituração original a grafia está correta, anotada como sendo “M” (fl. 21).
Logo, não há retificações a proceder quanto a esses correlatos pedidos, sendo suficiente a expedição de novas e corretas certidões.
Todavia, sorte diversa ocorre com o nome “Hakaru”, que na escrituração original de nascimento constou como “Kaharu”.
Não se pode olvidar a ocorrência e as peculiaridades da imigração japonesa, a qual se fez fortemente presente nesta Região do Estado de São Paulo.
Com o caráter nacionalista da Era Vargas, que teve auge na década de 40 (justamente a década de nascimento do requerente), surgiu olhar intolerante para com as colônias japonesas, o que era corroborado pela imprensa e pela pseudo-intelectualidade. Em 1942 o Japão chegou a ser considerado “país inimigo” do Brasil e os imigrantes japoneses foram lançados a severas dificuldades. Por exemplo, houve proibição de falar japonês em público, de alfabetizar ou ensinar línguas estrangeiras, de publicar jornais, revistas e panfletos em japonês, dentre outras medidas restritivas.
Em meio a esse turbilhão social e político foi que os japoneses passaram a dar aos filhos nomes sob a seguinte fórmula: nome brasileiro, nome japonês, sobrenome familiar.   
Tal fórmula tinha duplo condão: atender ao anseio político sem deixar de lado as raízes japonesas e também homenagear as duas terras (a de origem e a de acolhimento), mesclando a cultura ocidental e a oriental. Em haicai:
“Os laços de união
Do Brasil e Japão
Se fortalecem no céu zul”
(Mitoshi)
Daí se infere a importância do segundo nome (japonês), na identificação da pessoa descendente de imigrantes.
Aliás, situação semelhante ocorreu com tantos outros imigrantes de diversas origens que vieram para este país e com o suor de seus rostos o tornaram próspero e abundante de vida. Tiveram eles seus nomes e sobrenomes modificados da intenção original principalmente em função da incompreensão das diferenças fonéticas pelos responsáveis pelos registros públicos da época.
Não são de conhecimento do juízo os significados em japonês de “Hakaru” e “Kaharu”, mas certamente são distintos. E, sendo distintos, não há dúvidas de que tendo o requerente sido por toda a sua vida identificado como “Hakaru”, é este o nome que o individualiza na sociedade e que é inerente à sua personalidade, devendo, pois, prevalecer.       
Com efeito, observa Eduardo de Oliveira Leite que:
“O nome, como símbolo de identidade, não é apenas exigência objetiva de convívio humano, ou síntese documental dos elementos que atribuem a cada pessoa organização singular e permanente, capaz de a distinguir das outras. No registro subjetivo, constitui predicado que, aderido à personalidade, integra a auto-imagem pela qual a pessoa se percebe e identifica-se perante si mesma e, neste sentido, é parte do projeto histórico em que consiste a realização fluente de cada vida humana”.
O direito da personalidade, no caso, merece proteção, máxime por decorrer da própria dignidade da pessoa humana (CRFB, art. 1º, inciso III). Como leciona Fábio de Mattia “os direitos humanos são em princípio, os mesmos da personalidade; mas deve-se entender que quando se fala dos direitos humanos, referimo-nos aos direitos essenciais do indivíduo em relação ao direito público, quando desejamos protegê-los contra as arbitrariedades do Estado. Quando examinamos os direitos da personalidade, sem dúvida nos encontramos diante dos mesmos direitos, porém sob o ângulo do direito privado, ou seja, relações entre particulares, devendo-se, pois, defendê-los frentes aos atentados perpetrados por outras pessoas”.
Soma-se à conclusão de procedência que a retificação nenhum prejuízo trará a terceiros, pois todos os demais documentos pessoais do requerente sempre constaram com o nome que lhe identifica (fls. 5 e 11).
3. Dispositivo
Diante do exposto:
(a) indefiro as retificações quanto aos nomes “M” e “N”, que já estão grafadas corretamente nas escriturações originais; e  
(b) com fundamento no artigo 57 da Lei nº 6.015/73 (Lei de Registros Públicos), defiro a retificação quanto ao nome de origem japonesa, para o fim de alterar o nome de M Kaharu M para M Hakaru M, substituindo, portanto, o nome Kaharu por Hakaru. 
Sem custas por se tratar de processo necessário.
Após o trânsito em julgado, expeça-se mandado de retificação ao serviço de Registro Civil das Pessoas Naturais.
Oportunamente, arquive-se.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Cumpram-se as Normas de Serviço da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de São Paulo.
Registro, data.
 AYRTON VIDOLIN MARQUES JÚNIOR
Juiz Substituto

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