27 de junho de 2011

Revisão eleitoral


O caso: A eleitora estava nos Estados Unidos da América para realizar tratamento de saúde em um filho e o companheiro precisava remeter dinheiro para que ela pudesse continuar sobrevivendo no exterior e prestando os cuidados necessários ao filho do casal. Porém, para que isso ocorresse era necessário providenciar a regularização do CPF dela na Receita Federal e, por isso, precisava da regularização também junto à Justiça Eleitoral.

A solução padrão: Que a revisão eleitoral somente seria possível mediante o comparecimento pessoal da eleitora e, portanto, caberia a ela comparecer perante órgão de representação brasileira no exterior para providenciar pessoalmente a revisão eleitoral.

A solução efetiva: No caso foi admitida a revisão eleitoral por procuração.

Vistos, etc.
1. P, na condição de procurador de M, pretende providenciar a revisão eleitoral para regularizar situação de inscrição cancelada. A inscrição foi cancelada por ausência às urnas por três pleitos consecutivos. Comprovou que a eleitora possui domicílio em Cananéia. Justificou a impossibilidade de comparecimento pessoal em razão de que a eleitora se encontra nos Estados Unidos da América por motivo de tratamento de saúde do filho, em condado distante de órgãos de representação brasileira, não possuindo condições financeiras para realizar tamanho deslocamento. Esclareceu que a regularização eleitoral é necessária para viabilizar a regularização também junto à Receita Federal do Brasil (o que se afigura imprescindível, pois o requerente precisa efetuar remessa de dinheiro para a eleitora, como forma de viabilizar sua sobrevivência). Esclareceu que a multa eleitoral foi quitada.  
Decido.
2. A Resolução n. 21.538/2003 do TSE efetivamente exige para a revisão eleitoral a presença física do eleitor perante a Justiça Eleitoral ou órgão de representação do Brasil no exterior. A medida é salutar, pois visa a evitar fraudes no processo eleitoral, protegendo o regime democrático constitucionalmente previsto.

Todavia, apesar da norma administrativa, compete ao juiz eleitoral determinar a regularização, cancelamento ou suspensão de inscrição que pertença à sua jurisdição (art. 42). Ou seja, a resolução não veda ao juiz eleitoral a adoção de soluções que se afigurarem necessárias para casos excepcionais e concretos que lhe sejam submetidos a apreciação.
Na situação concreta, o requerente apresenta situação excepcional: a eleitora enfrenta severas dificuldades financeiras, está no estrangeiro e geograficamente distante de órgãos de representação do Brasil, sendo a regularização necessária para que possa viabilizar a remessa de dinheiro que permita a sobrevivência dela. É compreensível a angústia do requerente e não pode ela ficar sem solução.
O caso representa a tensão entre dois valores constitucionais: a segurança do regime democrático (art. 1º, caput, da CRFB) e a dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III, da CRFB). O conflito, então, deve ser resolvido pela técnica de ponderação entre os valores envolvidos.
E, inegavelmente, na espécie merece ser prestigiada a dignidade da pessoa humana.
Isso porque o regime democrático protege o Estado, mas a única razão para a existência do Estado é a proteção do ser humano (ou seja, o ser humano existe naturalmente antes e em superioridade ao Estado, pois aqui não se está diante de qualquer questão ligada a coercitividade). Como já observou Ives Gandra da Silva Martins, "o ser humano é a única razão do Estado. O Estado está conformado para servi-lo, como instrumento por ele criado com tal finalidade. Nenhuma construção artificial, todavia, pode prevalecer sobre os seus inalienáveis direitos e liberdades, posto que o Estado é um meio de realização do ser humano e não um fim em si mesmo" (Caderno de Direito Natural - Lei Positiva e Lei Natural. n. 1, Centro de Estudos Jurídicos do Pará, 1985, p. 27).
Ademais: (a) não há qualquer indício de tentativa de fraude; (b) o requerente é pleno e público procurador da eleitora; (c) as multas eleitorais foram quitadas (segundo informado); e (d) a eleitora já não vota efetivamente desde 1998, o que traduz que a regularização seria irrelevante para abalar ou fraudar o regime democrático.
3. Diante do exposto, e tendo em vista a excepcionalidade do caso, defiro o pedido formulado para o efeito de autorizar que a revisão eleitoral quanto à eleitora M seja realizada por intermédio de seu procurador P.
Providencie-se o necessário. Intime-se. Ciência ao Ministério Público Eleitoral.
Cananéia, data.
AYRTON VIDOLIN MARQUES JÚNIOR
Juiz Eleitoral Substituto

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