30 de junho de 2011

Antes mesmo do STF...






AVOCO OS AUTOS.

I) Conquanto suspenso o trâmite deste feito por força do ajuizamento da exceção de incompetência em apenso, cuja decisão reconhecendo a competência deste Juízo ainda não se tornou definitiva, passo a reavaliar o pedido de tutela antecipada deduzido (art. 266 do CPC).

II) Narra a autora ser genitora de O, atualmente com 6 anos de idade (fl. 10), e manter relacionamento homoafetivo com F, com quem divide a criação de seu filho. Disse que o infante foi entregue ao seu genitor para passar metade das férias escolares, período em que estava de mudança para esta Comarca. Todavia, após o encerramento do interregno, o genitor se recusou a devolver a criança.

É o breve relato.

De antemão, impõe-se reconhecer que o presente feito não se trata de regulamentação de guarda, onde é possível franquear plena dilação probatória para se perquirir qual genitor efetivamente possui melhores condições de manter a guarda de seu filho.

A cautelar em apreço apresenta-se como instrumento adequado para o genitor que tenha a guarda exclusiva de sua prole reavê-la na hipótese de recusa injustificada do outro ascendente. Nada mais.

Na ausência de guarda judicial preteritamente definida, entende a melhor doutrina e jurisprudência que basta a prova da permanência fática do filho com um dos genitores para se justificar o pedido.

Pois bem, se num momento limiar as provas produzidas não foram suficientes para justificar o deferimento da tutela almejada (fls. 25/27 e 36), a dúvida que havia acerca da guarda fática desempenhada pela demandante restou suprida pelo teor da contestação oferecida (fls. 43/65).

Na oportunidade, logrou o requerido reconhecer que a autora sempre “deteve a guarda de fato do menor O, desde seu nascimento” (fl. 44). O mesmo fora repetido à fl. 45, onde declinou que “(...) início do mês de julho do corrente ano, a autora ligou para o réu e disse que era para ele ficar com o menor uma vez que a criança estava em férias escolares. O requerido aceitou de plano eis que era a grande oportunidade para ter seu filho junto de si (...).”

É claro que para justificar seu comportamento, imputou à demandante inúmeros devaneios. Todavia, não fez qualquer prova documental a respeito. A única questão que poderia se entender “contra” a autora, neste juízo sumário, seria sua opção sexual, tecla reiteradamente batida pelo réu em sua peça de bloqueio.

Sendo esta a hipótese, observo que o raciocínio encerra odiosa discriminação contra o ser humano e que em nada pode ser interpretado como fator desabonador da conduta da autora em relação ao seu filho. 

Já se passou o tempo de considerar que pessoas do mesmo sexo não podem manter relacionamento amoroso, pois contrário ao direito, costumes e religião. Já se passou o tempo, a meu ver, de colocar a união estável mantida por homossexuais entre aspas. Já se passou o tempo de evitar o neoconstitucionalismo e sua ramificação pós-positivista.

Se é bem verdade que a Constituição Federal em seu art. 226, §3º, registra que a união estável somente pode se dar entre homem e mulher, não menos verdade se reconhecer que a leitura gramatical do texto está longe de traduzir sua melhor interpretação.

O esforço que se faz para procurar levar o direito além da norma positivada em outros segmentos das relações humanas, não pode ser abrandado ao se dar à regra em questão um sentido mais amplo, transmutando-a para norma jurídica, cujos contornos transbordam a singela leitura gramatical.

Pensar o contrário – repito, a meu ver – é ignorar solenemente outros dispositivos de equivalente status. Pior, é desrespeitar não somente outras regras, mas efetivos princípios, sobre os quais foram erigidos toda a idéia de Estado e de respeito à dignidade da pessoa humana (art. 1º, III).

Em resumo, por ter sido a demandante a responsável pela guarda fática e criação do infante O desde seu nascimento (fato reconhecido pelo réu na sua contestação), independentemente de sua opção sexual, é com ela que deve estar a criança, ao menos até o desfecho da ação de guarda a ser apensada.

Diante do exposto, DEFIRO à autora o pedido liminar deduzido, autorizando a busca e apreensão de seu filho, O, com quem deverá permanecer até a conclusão da ação de guarda a ser apensada. Cumpra-se com urgência.

No mais, aguarde-se o decurso do prazo recursal em relação à decisão proferida no incidente em apenso e voltem cls., certificando-se.

Apiaí (SP), 03 de março de 2011.
  
Paulo Alexandre Rodrigues Coutinho
                Juiz de Direito

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