3 de abril de 2012

Ofensa mortal à moralidade administrativa


2ª Vara Judicial da Comarca de Jacupiranga
Autos nº 141/2012
Autor:                       Ministério Público do Estado de São Paulo
Réus:                        A
                                 B Limpeza e Conservação Ltda.
                                 C e
                                 D

Vistos.
1. Processe-se sem custas e sem a incidência de despesas processuais para o pólo ativo (JTJSP 213/90 e 219/109). Anote-se.
2. O Ministério Público do Estado de São Paulo propôs ação de improbidade administrativa contra A (Prefeita do Município de XXX), B Limpeza e Conservação Ltda. e os sócios da empresa, C e D.  
3. No presente momento examino a pretensão liminar (artigo 12 da Lei nº 7.347/1985 e artigo 7º da Lei nº 8.429/1992).
A dimensão do perigo na demora decorre da própria natureza da demanda, pois o interesse público subjacente tem prevalência sobre interesses particulares. De todo modo, a manutenção do atual estado traria sério risco ao patrimônio público e à instrução processual. Com efeito, a conduta dos réus teria sido de tal modo abusiva e ímproba que chega a traduzir a ausência de freios morais, sendo altamente provável que se não houver o deferimento da integralidade da pretensão liminar ocorrerá desfazimento de bens que pudessem ser submetidos à excussão para ressarcimento dos danos e dilapidação do patrimônio público com vistas ao enriquecimento ilícito. O modo de operar dos réus também torna provável que a manutenção da ré à frente da chefia do Poder Executivo Municipal poderia ensejar prejuízo à instrução do processo, pois possibilitaria a criação de documentos inexistentes e outros artifícios que viessem a tentar maquiar as condutas irregulares. O uso da máquina administrativa em prol de interesses particulares também seria de todo nefasto. Soma-se a isso que o Município de XXX é um dos mais pobres do Estado de São Paulo, de modo que qualquer malversação de dinheiro púbico traz em seu bojo um enorme prejuízo para a já sofrida população de tal Município. Aliás, o patrimônio em nome da ré A já se encontra com restrições de excussão em outros processos que tramitam nesta Comarca de Jacupiranga.

A aparência do direito vindicado está estampada na documentação encartada ao inquérito civil público que instrui a petição inicial. Dele se extraem veementes elementos de convicção indicativos de que teria sido entabulado um esquema de corrupção e desvio de dinheiro público. É que: (a) a contratação para locação de automóveis ocorrera sem observância à necessidade de licitação e nem mesmo seguira o procedimento legalmente exigido para casos de dispensa de licitação (artigo 26 da Lei n. 8.666/93); (b) a empresa ré e contratada para a locação de serviços tem aparência de ser “fantasma” (ou seja, de não existir na realidade), pois no local em que deveria funcionar a sua sede existe um imóvel que em nada se parece com uma empresa de limpeza e tampouco de locação de veículos; (c) houve utilização do nome “B Locadora de Veículos Ltda.”, quando o CNPJ se refere a empresa com nome e ramo diversos (“B Conservação e Limpeza Ltda.”); (d) as prestações de contas relacionadas às locações de automóveis são manifestamente absurdas, pois existem placas idênticas mencionadas para veículos distintos; (e) a pesquisa de veículos revela que nenhum deles se encontra registrado administrativamente em nome da empresa contratada, sendo que as placas mencionadas se referem a alguns veículos de modelos diferentes daqueles apontados nas prestações de contas (um deles – pasme-se! – é inclusive uma motocicleta) e cadastrados em pluralidade de municípios; (f) as notas fiscais sequenciais lançadas entre 26.2.2009 e 27.5.2009 traduzem a também curiosa situação de que a empresa num prazo de noventa dias somente teria prestado serviços para o Município de XXX; (g) há notícias oriundas dos vereadores representantes de que somente dois dos veículos teriam aparecido por apenas duas semanas por XXX e depois nunca mais foram vistos; e (h) mesmo sem recebimento formal dos serviços foram realizados pagamentos.
Logo, estão sobejamente preenchidos os requisitos intrínsecos ao deferimento da liminar.
E as medidas pretendidas pelo autor são admissíveis. Nesse aspecto, é oportuno notar o afastamento cautelar da ré do cargo de Prefeita do Município de XXX se faz necessário porque se está diante de situação excepcional e na qual existe elevadíssima probabilidade de que do contrário haveria prejuízo à instrução processual. Mais. A conduta ímproba teria sido escancarada de tal modo que mantê-la no cargo seria ofender de morte o mais caro valor de um Estado de Direito e o principal dever de alguém que se dispõe à vida pública: a moralidade.
Destarte, está atraída a incidência não apenas do disposto no artigo 20, parágrafo único, da Lei n. 8.429/92, como a necessidade de atuação jurisdicional positiva decorre diretamente da concretização do princípio da moralidade administrativa (artigo 37, caput, da Constituição) e do poder geral de cautela atribuído ao Poder Judiciário (artigo 5º, XXXV, da Constituição).
Diante do exposto, concedo as medidas liminares para os efeitos de:
(a) Determinar o afastamento imediato da ré A do cargo de Prefeita do Município de XXX (sem prejuízo dos vencimentos). E
(b) Decreto a indisponibilidade dos bens dos réus A (CPF n. XXX), B Limpeza e Conservação Ltda. (CNPJ XXX), C (CPF n. XXX) e D (CPF n. XXX), até o limite de R$ 278.400,00 (valor esse que decorre da soma dos montantes integrantes das potenciais condenações).
4. Para cumprimento da liminar de afastamento da ré do cargo de Prefeita, expeça-se mandado de intimação a ser cumprido com urgência, do qual deverão ser intimados a Prefeita e o atual Vice-Prefeito, a quem competirá assumir as funções respectivas. Oficie-se à Câmara Municipal de XXX para ciência acerca do afastamento liminar.
5. Para cumprimento da indisponibilidade de bens: (a) Oficie-se à Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Paraná e à do Estado de São Paulo solicitando a comunicação aos serviços de Registros de Imóveis. (b) Providenciei bloqueios via BACENJUD e RENAJUD (conforme impressões em anexo); em dez dias, efetuem-se pesquisas acerca dos resultados do bloqueio via BACENJUD.
6. Por estar a inicial em forma, notifiquem-se os réus para que ofereçam manifestação por escrito, no prazo de 15 (quinze) dias, podendo instruí-la com documentos e justificações (art. 17, § 7º, da Lei nº 8.429/1992).
7. Depois de cumprida a liminar de afastamento, notifique-se o Município de XXX (por intermédio da pessoa que vier a assumir as funções de Chefe do Poder Executivo) para que, querendo, intervenha no feito.    
Intimem-se. Diligências necessárias.
Ciência ao Ministério Público.
Jacupiranga, 14 de março de 2012.

AYRTON VIDOLIN MARQUES JÚNIOR
Juiz Substituto

Nenhum comentário:

Postar um comentário