21 de abril de 2012

Seguro de vida...



VISTOS PARA SENTENÇA.

M, R RE, já qualificados, ajuizaram a presente ação de cobrança securitária em face de XXX VIDA E PREVIDÊNCIA S/A, parte igualmente qualificada. Alegaram, em suma, que seu companheiro e pai, R, possuía um seguro de vida junto à requerida, com previsão de cobertura para a hipótese de morte acidental. Asseveraram que no dia 17 de abril de 2009 o segurado se envolveu em acidente de trânsito na Rodovia XXX, em razão do qual veio a óbito. Conquanto acionada a ré, recusou-se ela ao pagamento de indenização, sob o fundamento de que o segurado havia agravado intencionalmente o risco objeto do contrato, ao conduzir veículo embriagado. Asseveram os autores que tal fato, por si só, não impediria o pagamento da indenização. Ao final, requereram a condenação da ré ao pagamento da indenização cabível, bem como dos estipêndios de sucumbência. Valoraram a causa e juntaram documentos (fls. 02/24).

Devidamente citada, a ré compareceu aos autos e apresentou resposta na forma de contestação. Aduziu que a parte autora não faz jus à indenização pleiteada, pois o segurado conduzia o veículo embriagado e, por sua exclusiva culpa, deu causa ao acidente, o que, nos termos do contrato celebrado, afasta o dever da ré de indenizar. Pugnou pela improcedência dos pedidos (fls. 28/69).

Houve réplica (fls. 72/73).

Intimadas as partes para especificarem provas (fl. 79), os autores protestaram pelo julgamento antecipado do feito (fls. 82/86), enquanto a ré pugnou pela requisição de documentos a órgãos públicos (fl. 81).

Saneador à fl. 88, oportunidade em que se deferiu a produção de prova documental unicamente, concedendo-se, para juntada, o prazo de 10 dias, sob pena de preclusão. 

Petição da ré às fls. 91/94 juntando documentos.

É o breve relato do necessário. FUNDAMENTO e DECIDO.

Trata-se de ação de cobrança securitária ajuizada por M, R RE em face de XXX Vida e Previdência S/A, partes já devidamente qualificadas.

O feito comporta julgamento antecipado, nos termos do art. 330, inc. I, do Código de Processo Civil, uma vez que, compulsando os autos, vislumbra-se a matéria “sub judice” não demandar instrução adicional, além de já se encontrar nos autos a necessária prova.

Ademais, enquanto os demandantes protestaram pelo julgamento antecipado do feito (fl. 82), a ré somente requereu a juntada de novos documentos (fl. 81). Deferido o prazo de dez dias para tanto (fl. 88), acostou ao processo o laudo de fls. 92/94, rogando, na oportunidade, pela concessão de prazo suplementar de trinta dias para juntada de cópia de inquérito policial (fl. 91). Todavia, desde o protocolo da aludida petição (12/12/2011), ou seja, passados mais de quatro meses, deixou a demandada de anexar as provas referidas, revelando nítido desinteresse.

Não bastasse, nesse interregno, sequer juntou aos autos prova de que o indigitado inquérito policial se encontra arquivado, como alegou à fl. 91-v, bem como de que, em assim sendo, realmente requereu seu desarquivamento. O desfecho da lide não pode ficar ao alvedrio da ré.

Reconheço presentes os pressupostos processuais de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo. Concorrem ao caso as condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual. Também não vislumbro qualquer vício processual, estando ausentes as hipóteses dos artigos 267 e 295 do Código de Processo Civil.

A petição inicial é apta e o procedimento corresponde à natureza da causa. A pretensão deduzida não carece de pedido ou causa de pedir. Ademais, o pedido é, em tese, juridicamente possível, não havendo incompatibilidade de pedidos, decorrendo, ainda, da narração dos fatos logicamente sua conclusão.

No mérito, a pretensão procede.

Consta dos autos que o companheiro e pai dos autores era titular de um contrato de seguro de vida em grupo, com previsão de cobertura para a hipótese de morte acidental. Embora não juntada a respectiva apólice na inicial, a ré, além de deixar de impugnar tal fato, exibiu documentos comprobatórios a respeito da existência do contrato (fls. 49/51).

 A ocorrência do sinistro que acarretou o óbito do segurado, por seu turno, está bem demonstrada pelos documentos de fls. 19, 20 e 92/94. Da mesma forma, não há dúvidas acerca da quantidade de álcool encontrada no sangue do falecido (2,4 g/l, fls. 94).

A questão dos autos cinge-se em definir se a recusa da ré em efetuar o pagamento do seguro em razão da embriaguez do segurado se mostra legítima. E, para tanto, sustenta a demandada que tal conduta encontra-se amparada em contrato, o qual estabelece que não há cobertura para sinistros decorrentes de atos ilícitos ou contrários à lei (cláusula 3.1.2.1, 'b',  das condições gerais do seguro, fl. 57).

A previsão contratual destacada, na realidade, busca dar aplicabilidade ao disposto no art. 768 do Código Civil, segundo o qual "o segurado perderá o direito à garantia se agravar intencionalmente o risco objeto do contrato."

Todavia, ainda que efetivamente estivesse o segurado incorrendo em ilícito administrativo (art. 165 do CTB) e penal (art. 306 do CTB) ao conduzir veículo automotor sob a influência de álcool (vide laudo de fls. 92/94), a jurisprudência pátria já pacificada entende que o simples estado de embriaguez, por si só, não constitui fundamento suficiente para exclusão da cobertura securitária, sendo necessária a prova intencional do agravamento do risco.

Nesta linha de raciocínio, "o contrato de seguro de vida destina-se a cobrir danos decorrentes de possíveis acidentes, geralmente em razão de atos dos próprios segurados nos seus normais e corriqueiros afazeres do dia a dia. Logo, a prova da concentração do teor alcoólico no sangue não se mostra suficiente para indicar a causalidade com o dano sofrido, mormente por não exercer o álcool influência idêntica em diferentes indivíduos. Assim, a simples relação entre o estado de embriaguez e a queda fatal como causa para explicar o evento danoso, por si só, não é suficiente para elidir a responsabilidade da seguradora, com a consequente exoneração do pagamento da indenização prevista no contrato. A legitimidade da recusa ao pagamento do seguro requer a comprovação de que houve voluntário e consciente agravamento do risco por parte do segurado, revestindo-se o ato como condição determinante na configuração do sinistro para ensejar a perda da cobertura securitária, uma vez que não basta cláusula prevendo que a embriaguez exclui a cobertura do seguro" (STJ; REsp. 780.757) (Grifei).

Na apreciação, já assentava o antigo Código, em dispositivo não repetido (art. 1456), mas cujo princípio sobrevive, deve o juiz atentar a circunstâncias reais de agravamento, e não a probabilidades infundadas, portanto interpretando de maneira restritiva o preceito em discussão.

Em outras palavras, somente haveria legítima recusa para a hipótese em se demonstrando que a influência do álcool foi causa eficiente na ocorrência do lamentável óbito. E, no caso em apreço, deste ônus não se desincumbiu a seguradora.

Assim constou no histórico do Boletim de Ocorrência lavrado por ocasião do acidente que envolveu o segurado: "(...) Segundo o PM Rodoviário que contactou com as testemunhas que passavam de carro pelo local, um veículo caminhão teria ultrapassado a moto da vítima, havendo a possibilidade do referido veículo e a moto terem se colidido, assim causando o acidente; o caminhão não parou e nem foi identificado(fl. 19) (Grifei).

Consoante bem frisado pelo Exmo. Juiz Luiz Gustavo Esteves, quando do julgamento dos autos n. 076/2011 (fl. 85), "não se pode entender que, pelo só-fato da ingestão de bebida, fica a seguradora dispensada da obrigação de indenizar, que, a toda evidência, constitui um risco inerente à própria atividade e natureza da cobertura de eventos incertos, mas previsíveis, de acordo com as circunstâncias usuais encontráveis no trânsito."

Vale dizer, não há prova idônea produzida nos autos indicando que o evento teve por causa eficiente a embriaguez do segurado. Muito pelo contrário. As circunstâncias depreendidas do Boletim de Ocorrência confeccionado sinalizam situação diversa. Observe-se que: i) o acidente se deu durante a ultrapassagem realizada pelo caminhão; ii) o condutor do caminhão se evadiu, não se apresentando à polícia. 

Em resumo, se não demonstrado pela seguradora àquilo que trouxe em forma de presunção, ou seja, haver nexo causal entre o evento morte com o comportamento do segurado, por estar embriagado conduzindo sua motocicleta, a obrigação de indenizar da ré permanece sem interferência. E, como já positivado acima, não trouxe a ré aos autos qualquer prova em sentido contrário.

Por fim, no que tange ao valor devido pela ré, verifico que, em caso de morte acidental, o capital segurado era de R$ 80.000,00, conforme reconhecido pela própria à fl. 37.

Diante do exposto, JULGO PROCEDENTES os pedidos veiculados na ação promovida por M, R RE em face de XXX VIDA E PREVIDÊNCIA S/A, partes já devidamente qualificadas, para o fim de CONDENAR a ré a pagar aos autores a quantia de R$ 80.000,00, a título de cobertura securitária. Resolvo, assim, o mérito da contenda, ex vi do art. 269, inc. I, do Código de Processo Civil.

correção monetária do valor, a ser operada pela Tabela Prática do Tribunal de Justiça, deverá incidir a partir da mora da ré, ou seja, 03/12/2009 (fl. 24), data em que se negou a efetuar o pagamento do seguro devido, conforme artigo 389 c.c. artigo 395, ambos do Código Civil. Os juros de mora, por sua vez, deverão incidir a partir da citação, no patamar de 1% ao mês.

Sucumbente, a parte perdedora arcará com o pagamento das custas, das despesas processuais e dos honorários advocatícios, arbitrados estes em 15% do valor total da condenação, sobre os quais incidirão correção e juros legais. Tudo em vista do grau de zelo, do lugar de prestação do serviço, da natureza e importância da causa, do trabalho realizado pelo(s) procurador(es) da parte vencedora e do tempo exigido, ex vi do § 3º do art. 20 do CPC.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Com o trânsito em julgado da sentença, no prazo de 15 dias e sem nova intimação, deverá a parte vencida efetuar o pagamento da condenação, sob pena de incidência da multa de 10% sobre o valor total do débito (art. 475-J, do Código de Processo Civil), bem como penhora.

Andradina (SP), 19 de abril de 2012.                        


Paulo Alexandre Rodrigues Coutinho          
                 Juiz de Direito

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