7 de abril de 2012

Transferência de preso

*Nota: O caso a seguir foi resolvido pelo Governo do Estado de São Paulo, que demonstrou extrema boa-vontade em solucioná-lo de modo eficiente, tendo a liminar sido cumprida com grande celeridade e antes mesmo que ocorresse a intimação pessoal.



Autos nº 053/2011
Autor:                       Ministério Público do Estado de São Paulo
Réu:                          Estado de São Paulo

DECISÃO LIMINAR

Vistos.
1. O Ministério Público do Estado de São Paulo propôs ação civil pública contra o Estado de São Paulo, pretendendo a transferência de XXX, que atualmente se encontra preso na cadeia pública de Barra do Turvo, para outro estabelecimento prisional.
Decido.

2. O caso é de extrema urgência e reclama a pronta intervenção jurisdicional sem entraves burocráticos e até mesmo sem a prévia notificação do Estado de São Paulo.
É que qualquer dilação temporal ocasionaria sério risco da ocorrência de novos e graves crimes. Assim (e como se verá adiante), a necessidade de pronta atuação jurisdicional decorre da prevalência constitucional dos corolários de que do Poder Judiciário não pode ser suprimida a atuação em caso de violação ou ameaça a direito. Ademais, o presente feito se relaciona intimamente com os direitos humanos, o que torna presente não apenas o direito de ser realizada a atividade jurisdicional, como se traduz até mesmo em um dever.
XXX foi preso e recolhido à cadeia pública de Barra do Turvo em razão de crime contra a dignidade sexual ocorrido na Comarca de Cananéia. Desde que chegou a tal estabelecimento prisional, passou a subverter a ordem e a impor verdadeiros atos de terror contra os outros presos.
A documentação encartada com a inicial demonstra que ele inclusive coordenou um estupro coletivo realizado contra um dos outros presos, episódio no qual houve requintes de extrema crueldade, pois, não bastasse o estupro coletivo, ainda organizou um “suco de esperma” (em que vários dos presos estupradores ejacularam), obrigando o outro preso subjugado a bebê-lo.
A documentação também demonstra que referida pessoa realiza ameaças a outros presos e, inclusive, estaria praticando roubos dentro da cadeia, sendo que em uma situação, além da ameaça de agressão física, teria ele ameaçado também de derramar água quente no outro preso.
Conforme se extrai do relatório que havia sido elaborado pela autoridade policial, o preso possui péssimo comportamento, é indisciplinado, atrapalha os trabalhos da Polícia Civil, instiga outros presos a se rebelarem, intimida outros presos e os ameaça.
A cadeia pública é pequena e não tem qualquer espaço que possibilite (nem mesmo de modo improvisado) o isolamento de XXX.    
Já houve anterior tentativa de remoção do preso, mas, mesmo diante da forte necessidade de que a remoção ocorra, a Secretaria de Administração Penitenciária recusou a transferência com a simplória justificativa de que as unidades adequadas para recebê-lo (Centro de Detenção Provisória III de Pinheiros, Penitenciária II de Sorocaba e Penitenciária de Iaras) distam de 296 a 353 quilômetros de onde o preso está atualmente recolhido, o que faria não haver condições de que fosse apresentado aos juízos dos processos quando das audiências.
A justificativa não é plausível e chega até mesmo a ser absurda. Primeiro, porque semanalmente presos de locais muito mais distantes são apresentados perante este juízo em processos criminais, o que demonstra não ser crível a justificativa. Segundo, porque mesmo se houvesse uma dificuldade excessiva nos traslados (o que, repita-se, não há), ainda assim deveria o Estado providenciar a remoção e os posteriores traslados, pois não pode o Estado compactuar com a gravíssima violação de direitos humanos que está ocorrendo, pois o preso está praticando verdadeiros atos de terror contra os demais presos da cadeia pública de Barra do Turvo.
A rigor, a “justificativa” somente se presta a demonstrar inexoravelmente que existem pelo menos três estabelecimentos prisionais compatíveis com a grande periculosidade de XXX e que o Estado de São Paulo se omite em providenciar a remoção (remoção que se mostra urgente).
Anoto que também acumulo nesta Comarca de Jacupiranga a atribuição de Corregedor dos Presídios e ao estar na inspeção mensal de janeiro na cadeia de Barra do Turvo foi nitidamente perceptível o clima de tensão causado pelo preso em tela. A situação é tão drástica que em 1º de fevereiro de 2012, na qualidade de Corregedor dos Presídios, encaminhei ofício diretamente ao Excelentíssimo Governador do Estado de São Paulo para que a remoção fosse determinada. Porém, até a presente data a remoção ainda não ocorreu.
Vale lembrar que o Estado tem o dever de zelar pela segurança, dignidade e integridade dos outros pesos. Fazer ouvidos moucos para a grave situação que está ocorrendo poderá vir a acarretar sanções civis ao próprio Estado, além de traduzir atos de improbidade administrativa e até mesmo de possível infração criminal por parte de quem detém o poder de determinar a remoção na seara administrativa (Governador do Estado e Secretário da Administração Penitenciária). Claro, pois se já se antevê que o preso persistirá cometendo graves crimes dentro da cadeia em que se encontra, deixar de adotar as providências para impedir a ocorrência dos resultados (omissão) se insere no conteúdo do artigo 13, § 2º, alíneas “a” e “c”, do Código Penal (omissão penalmente relevante).
3. Diante do exposto, com fundamento no poder geral de cautela, no art. 1º, inciso III, no art. 4º, inciso II, e no 5º, inciso XXXV, XLV (alínea “e”) e XLIX, da Constituição da República Federativa do Brasil; do art. 461, § 3º, e do art. 798 do Código de Processo Civil, DEFIRO o pedido liminar, para o efeito de impor ao réu a obrigação de fazer consistente na remoção do preso XXX (atualmente preso na cadeia pública de Barra do Turvo) para outro estabelecimento prisional adequado à sua elevadíssima periculosidade. A remoção deverá ser realizada no prazo máximo de 24 (vinte quatro) horas a contar da transmissão da presente decisão via fax ao gabinete do Excelentíssimo Governador do Estado.
Para o caso de descumprimento da liminar, estipulo multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para cada dia de infração, a reverter em favor do Fundo Estadual de Reparação de Interesses Difusos e Lesados. A multa incidirá a partir da intimação pessoal para cumprimento da decisão e a execução será realizada diariamente mediante bloqueio de ativos financeiros via BACENJUD (porquanto situações extremas exijam medidas extremas, sem entraves procedimentais, máxime porque a preservação dos Direitos Humanos encontra amparo Constitucional).
Esclareço também que no caso de descumprimento da liminar, cópias das peças processuais serão encaminhadas ao Ministério Público para os fins da apuração dos atos de improbidade administrativa, bem como dos eventuais reflexos penais na hipótese de que o preso cometa novos crimes enquanto estiver recolhido na cadeia pública de Barra do Turvo.
4. Transmita-se o teor da presente decisão diretamente via fax ao Excelentíssimo Senhor Governador do Estado de São Paulo, aos cuidados do Gabinete do Governador. Providencie-se com urgência.
5. Depreque-se com urgência a citação do Estado de São Paulo e a intimação pessoal do Governador do Estado de São Paulo (ou de quem lhe fizer as vezes em caso de ausência) para que: (a) dê integral cumprimento à medida liminar; e (b) querendo e no prazo de legal, conteste o pedido inicial.  
6. Por se tratar de ação civil pública, processe-se sem incidência de custas.
Intimem-se. Diligências necessárias.
Ciência ao Ministério Público.
Jacupiranga, autodata.

AYRTON VIDOLIN MARQUES JÚNIOR
Juiz Substituto

3 comentários:

  1. Parabéns pela postura.

    Elias.

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  2. Nossa. um Absurdo. Parabéns Dr. Airton.

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  3. Ótima atitude. Há que se fazer o mesmo com relação aos detentos aos quais foram aplicados medidas de internação e aguardam 5, 6 ou mais anos mofando irregularmente em Cadeias Públicas até que se transfira para um Hospital de Custódia. Frise-se, por oportuno, que Cadeia Pública é destinada tão somente a presos provisórios (art.102, da Lei 7.210/84-LEP) ou então, rasgue-se a lei.

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