27 de julho de 2012

Para entender outra pessoa é preciso caminhar com os sapatos dela



2ª Vara Judicial da Comarca de Espírito Santo do Pinhal
Autos nº 367/2010
Autora:                     XXX
Réu:                          Instituto Nacional do Seguro Social - INSS

S  E  N  T  E  N  Ç  A

Vistos.
1. Relatório:
XXX ajuizou contra o Instituto Nacional do Seguro Social pretensão de pensão por morte (fls. 2-7).
O INSS apresentou contestação contrariando o mérito sob a alegação de que a autora não ostenta a qualidade de dependente, eis que atingiu idade emancipatória, e que não é inválida (fls. 47-51).
Houve oportunidade para réplica (fl. 55).
O processo foi saneado (fl. 60).
Em instrução houve perícia médica (fls. 73-77).
As partes tiveram oportunidade de se manifestar sobre o laudo.
É o relatório. Decido.

2. Fundamentação:
Os elementos já contidos nos autos são suficientes ao alcance da convicção jurisdicional, não havendo necessidade de realização de quaisquer outras provas.
É incontroverso que a mãe da autora era segurada.
Diversamente do defendido pelo INSS, entendo que em relação à pensão por morte a qualidade de dependente se estende para além da idade emancipatória. Assim concluo ao dar inteligência ao disposto no artigo 77, § 2º, inciso II, da Lei n. 8.213/91, norma legal essa da qual extraio a ressalva de possibilidade de pensão por morte para filhos maiores de 21 anos de idade que padeçam de invalidez.
Resta apurar se há invalidez. E nesse aspecto, divergindo da conclusão da perícia médica, entendo que sim.
É fato que a autora é portadora de síndrome do pânico (fls. 73-77).
Muito embora expressiva parcela dos profissionais médicos entenda que a síndrome do pânico não seja de todo incapacitante para o trabalho, isso ocorre porque as pessoas de um modo geral tendem a interpretar a situação de acordo com o seu conhecimento e experiências de mundo. E os médicos possuem condições econômicas e sociais para receber bons tratamentos, bons remédios, boas psicoterapias e para adaptar seus trabalhos a um quadro de síndrome de pânico.
Mas a situação muda (e muito!) de figura quando se pensa na situação a partir da realidade daquela outra pessoa especificamente. Reflita-se. A autora conta já com certa idade. Dedicou expressiva parcela de sua vida a cuidar das moléstias de saúde da mãe, até que a mãe faleceu. Morou com a mãe a vida inteira, não tendo podido constituir vida independente. Possui parcos estudos. Mora em um local com mercado de trabalho restrito (especialmente diante da condição etária e educacional da autora). Mora em um local desprovido de bons tratamentos para um quadro de síndrome de pânico. Não possui quaisquer condições financeiras e sociais de buscar tratamento mais adequado fora da cidade em que nasceu, cresceu e viveu a vida inteira. Vive sob a constante ameaça de ser retirada do único teto que possui. E além de tudo isso ainda sofre com a síndrome do pânico.
Observando atentamente essas peculiaridades, não restam quaisquer dúvidas de que a autora era efetivamente dependente financeiramente de sua mãe e que está realmente inválida para o trabalho.  
Assim, tenho por preenchidos os requisitos ao alcance do benefício de pensão por morte.
Por fim, quanto aos atrasados e à DIB (artigo 74 da Lei n. 8.213/91), o termo inicial deve ser a data do óbito (14.10.2009), pois o pedido administrativo foi realizado menos de trinta dias após o falecimento (9.11.2009).
3. Dispositivo:
Diante do exposto, extinguindo o feito com resolução de mérito, JULGO PROCEDENTE a pretensão formulada na inicial para os efeitos de:
(a) impor ao réu a obrigação de conceder pensão por morte à autora, a ser devido a partir de 14 de outubro de 2009; e
(b) condenar o réu ao pagamento de todas as prestações vencidas e vincendas desde a data de início do benefício (14.10.2009) até a efetiva implantação, com acréscimo de juros de mora e correção monetária, ambos calculados pelos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, incidentes de uma única vez, até o efetivo pagamento (art. 1º-F da Lei n. 9.494/97, na redação dada pela Lei n. 11.960/09).
Concedo a tutela liminar da prestação específica. É relevante o fundamento da demanda, pois os documentos encartados ao feito demonstram o direito da autora em obter a pensão por morte, tanto que já recebeu provimento meritório a esse respeito em primeiro grau de jurisdição. Existe justificado receio de ineficácia do provimento final, o que além de ser intrínseco à modalidade da pretensão, decorre da condição de carência econômica e de real invalidez da autora. O requisito da reversibilidade da medida é mitigado pelo prestígio que deve ser conferido à dignidade da pessoa humana. Destarte, com esteio no artigo 461, § 3º, do Código de Processo Civil, concedo medida liminar para o efeito de determinar provisoriamente a implantação do benefício de pensão por morte em favor da autora XXX.
Oficie-se com urgência ao setor apropriado do INSS para que providencie o cumprimento à medida liminar (com implantação do benefício) no prazo de 30 dias. Instrua-se o ofício com cópia da presente decisão e informe-se o nome completo da beneficiada, a data de nascimento, o endereço, o número do RG e do CPF.
Tendo em vista que o valor dado à causa é inferior a sessenta salários mínimos, o caso se enquadra na previsão do art. 109, § 3º, da Constituição da República Federativa do Brasil, combinado com o art. 1º da Lei nº 10.259/2001, c/c o art. 55 da Lei nº 9.099/95, razão pela qual não há condenação em custas ou honorários nesta instância.
Sentença não sujeita a reexame necessário, por versar condenação ilíquida e o valor atualizado da causa não suplantar o montante exigido para o recurso de ofício (artigo 475, parágrafo 2º, do Código de Processo Civil).
Ciência ao Ministério Público do Estado de São Paulo.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Espírito Santo do Pinhal, autodata.

AYRTON VIDOLIN MARQUES JÚNIOR
Juiz Substituto

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