2 de dezembro de 2012

Exagerada má-fé


2ª Vara Judicial da Comarca de Espírito Santo do Pinhal
Autos nº 1180/2011
Autor:             B
Ré:                  S

S  E  N  T  E  N  Ç  A

Vistos.
1. Relatório:
O B ajuizou pedido de busca e apreensão por inadimplemento de contrato financeiro garantido por alienação fiduciária com relação ao veículo de placa XXX (fls. 2-5).
A liminar foi deferida (fl. 31) e teve seu cumprimento obstado (fl. 34).
A ré apresentou contestação em que apresentou (pelo que se consegue compreender) alegações de ausência de mora por irregularidade na notificação, cobrança excessiva por haver comissão de permanência, inviabilidade da busca por ausência de devolução das parcelas pagas, necessidade de revisão contratual por cobranças excessivas, juros abusivos, cumulação de juros com comissão de permanência (fls. 36-58).
Houve réplica (fls. 65-81).
É o relatório. Decido.

2. Relatório:
As partes não requereram a produção de outras provas (fl. 82). Está, pois, preclusa a oportunidade de produção de outras provas. Assim, bem como tendo em vista que as matérias ventiladas são padrões, passo ao julgamento antecipado.
Com a devida vênia, é muito grande e manifesta a má-fé da parte ré.
A ré firmou o financiamento, pagou pouquíssimas parcelas (apenas três) e desde então não mais adimpliu qualquer valor.
Quando do cumprimento da liminar declarou que não mais estava em poder do veículo, tendo-o deixado com seu ex-marido, não indicando o local em que pudesse ser encontrado. O marido, contatado por telefone pela oficial de justiça, negou-se a informar sua localização (fl. 34). Já aí houve indevida resistência ao fluxo processual e desídia para com o cumprimento dos provimentos judiciais.
Depois, mesmo não estando mais a ré (segundo ela própria) em poder do veículo, compareceu aos autos para apresentar contestação.
Não purgou a mora.
Ela não depositou em juízo sequer valores incontroversos.
A contestação apresentada consiste em verdadeira colcha de retalhos, em que ao mesmo tempo tudo se alegou, mas nada de concreto sobre o contrato em questão foi apontado. Além de confusa, “constitui o que se convencionou chamar de ‘metralhadora giratória’” (TJSP, Apelação n. 994.06.147073-6, Relator Desembargador Sebastião Garcia). Esse modo de proceder, em que o contrato concreto não é enfocado, consiste também em manifesto modo de apenas procrastinar o processo, inclusive contendo matérias que mesmo em abstrato não guardam relação com o caso.
De todo modo, as teses defensivas não comportam acolhimento.
A mora está demonstrada amplamente. Entendo que a tentativa de notificação extrajudicial, qualquer que seja o serviço de notas, é hábil a constituir em mora. Não se deve confundir a questão administrativa com a questão civil. Ainda, a citação válida se somou a assegurar a presença da mora. Também há má-fé na alegação, pois mesmo que a notificação fosse por serviço de notas local, a notificação não seria positiva, pois a ré alterou seu endereço (fl. 34) sem realizar qualquer comunicação à parte credora. Além de tudo isso, mesmo durante o curso da demanda a mora ficou não apenas caracterizada, como agravada, pois a ré não purgou a mora e nem mesmo depositou valores incontroversos.
O pedido de busca e apreensão não depende de devolução das parcelas pagas. E nem assim o poderia, pois do contrário haveria enriquecimento injusto por parte do devedor, que além de não quitar os débitos a que se comprometeu contratualmente, ainda persiste utilizando o veículo (dele se aproveitando).
A parte ré não demonstrou com cálculos aritméticos qualquer ponto em que tenha havido cobrança cumulativa de comissão de permanência e outros encargos remuneratórios e moratórios. E, além disso, a cobrança de encargos contratuais não consiste em cláusula potestativa (inteligência à Súmula n. 294 do STJ), sendo perfeitamente válida.
Não há limitação percentual para os juros contratuais em contratos financeiros (Súmula n. 648 do STF).
Ainda que não demonstrada pela parte ré qualquer cobrança de juros capitalizados, mesmo que assim o fosse seria viável esse modo de proceder (cobrança de juros capitalizados). É que na dinâmica do quotidiano o que se constata é que os juros exponenciais são aplicados em toda e qualquer operação do mercado financeiro, seja quando a instituição financeira é devedora (cadernetas de poupança, depósito a prazo fixo, recibo de depósito bancário, poupança programada) seja quando é credora (empréstimo pessoal, financiamento de casa própria, financiamento de bens de consumo durável, crédito ao consumidor, desconto de títulos). Em outras palavras, capitalização composta é cláusula ínsita em todas as operações financeiras, sejam de natureza passiva, sejam de natureza ativa. Nesse sentido: TJSP, Apelação n. 0006330-56.2009.8.26.0306.
Também muito embora não tenha sido alegado e demonstrado pela parte ré, eventuais tarifas para concessão de financiamento podem ser cobradas. É que perfilho o atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça, segundo o qual as tarifas que não estejam “encartadas nas vedações previstas na legislação regente (Resoluções 2.303/1996 e 3.518/2007 do CMN)” e que ostentem “natureza de remuneração pelo serviço prestado pela instituição financeira ao consumidor, quando efetivamente contratadas, consubstanciam cobranças legítimas, sendo certo que somente a demonstração cabal de vantagem exagerada por parte do agente financeiro é que podem ser consideradas ilegais e abusivas” (STJ, REsp, 1246622/RS, relator Ministro Luis Felipe Salomão, j. em 11.10.2011). 
Em adição, o consumidor que contrata o serviço financeiro, bem ciente da cobrança das tarifas, juros e encargos, e, depois, pleiteia em juízo a revisão, como se surpreso estivesse, evidentemente não respeita a indispensável boa-fé objetiva que deve permear toda contratação. Trata-se de violação aos deveres anexos de boa-fé objetiva, também chamadas figuras parcelares ou reativas, em venire contra factum proprio, sob a modalidade tu quoque, não sendo dado ao consumidor, ou a quem quer que seja, surpreender a outra parte com seu comportamento contraditório.
Não há perplexidade no fato de a instituição financeira cobrar pelos serviços que presta. As tarifas são cobradas em razão do trabalho de análise de crédito, de contrato e de garantia que a instituição terá que fazer com relação ao cliente que até então lhe era desconhecido, o que não ocorre, por exemplo, quando o correntista solicita um crédito junto ao banco do qual já é cliente, hipótese em que não lhe são cobrados nem o custo de abertura de conta e análise de crédito, nem tampouco outros custos (como o de emissão de boletos, pois é feito desconto em folha ou direto na conta corrente).
É certo que a parte consumidora poderia ter procurado seu próprio banco para contratar o empréstimo necessário à aquisição do sonhado bem de consumo (eliminando várias das tarifas). Contudo, buscando os encargos mais atrativos, contratou com instituição financeira diversa, sendo razoável pagar pelos serviços prestados (pois o consumidor certamente optou pela instituição financeira em tela em razão de que no caso concreto era a instituição que de um modo global apresentava valores mais benéficos).
Por fim, em demanda de busca e apreensão de veículo decorrente de contrato financeiro apenas três opções legítimas são conferidas à parte ré: purgar a mora, provar que já quitou seus débitos junto à instituição financeira ou entregar o veículo. E no presente caso a parte ré não adotou qualquer dessas posturas. E com a inadimplência surge o vencimento antecipado do contrato, com a possibilidade de serem exigidas todas as parcelas que até então eram vencíveis, pois com o inadimplemento elas se tornam vencidas.
Nesse contexto, tenho que não apenas as teses defensivas são de todo improcedentes, como que a parte ré está a abusar dos mecanismos da justiça, com claríssimo intuito procrastinatório.
Deve, pois, ser reputada como litigante de má-fé (por ter vulnerado o disposto nos artigos 14, incisos II, III, IV e V; e 17, incisos III, IV, V e VI, do Código de Processo Civil). Assim, e por esse modo de proceder ser incompatível com a dignidade da justiça, faz-se necessário o indeferimento da justiça gratuita (já que o Poder Judiciário não pode fomentar e tolerar conduta que contrarie a boa-fé e que contribua para o atulhamento indevido dos mecanismos da justiça), a imposição ao pagamento dos ônus de sucumbência e a aplicação de indenização em favor da parte autora. Quanto ao indeferimento da justiça gratuita cabe acrescentar que a ré tem sim condições de arcar com as despesas processuais, pois havia adquirido valioso bem, tinha se comprometido ao pagamento de vultosas prestações mensais (superiores a mil reais) e teve condições financeiras inclusive para contratar para sua defesa escritório de advocacia localizado em outra cidade (o que obviamente implica em maiores despesas).
3. Dispositivo:
Diante do exposto, e extinguindo o processo com resolução de mérito:
(a) Julgo procedente a pretensão inicial, consolidando a liminar de busca e apreensão, que fica agora definitivamente imposta.
(b) Imponho à parte ré a obrigação de no prazo de 24 horas (contadas a partir da intimação da presente sentença) entregar o veículo à parte autora ou depositar em juízo o seu equivalente em dinheiro.
(c) Condeno a ré ao pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios em favor do patrono da parte autora no valor de R$ 5.000,00, fixados por apreciação equitativa, tendo em vista o tempo que precisou ser dispensado à causa e o local da prestação do serviço, sendo que quantia inferior não seria suficiente a remunerar de modo condigno a nobre profissão da advocacia.
(d) Indefiro à ré os benefícios da justiça gratuita. E
(e) Condeno a ré a pagar em favor da instituição autora indenização por litigância de má-fé na proporção de 20% (vinte por cento) do valor atualizado da causa (artigo 18, § 2º, do Código de Processo Civil), sopesando para tanto que quantia inferior não reprimiria adequadamente a conduta.
Expeça-se com urgência mandado de intimação (observado o endereço de fl. 34) para que a parte ré dê cumprimento à obrigação de no prazo de 24 horas entregar o veículo à parte autora ou depositar em juízo o seu equivalente em dinheiro.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

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