2ª Vara Judicial da
Comarca de Espírito Santo do Pinhal
Autos nº 1180/2011
Autor:
B
Ré:
S
S E N T E N Ç A
Vistos.
1. Relatório:
O B ajuizou pedido de busca e apreensão por
inadimplemento de contrato financeiro garantido por alienação fiduciária com
relação ao veículo de placa XXX (fls. 2-5).
A liminar foi deferida (fl. 31) e teve seu cumprimento obstado (fl.
34).
A ré apresentou contestação em que apresentou (pelo que se consegue compreender)
alegações de ausência de mora por irregularidade na notificação, cobrança
excessiva por haver comissão de permanência, inviabilidade da busca por
ausência de devolução das parcelas pagas, necessidade de revisão contratual por
cobranças excessivas, juros abusivos, cumulação de juros com comissão de permanência
(fls. 36-58).
Houve réplica (fls. 65-81).
É o relatório. Decido.
2. Relatório:
As partes não requereram a produção de outras provas (fl. 82). Está,
pois, preclusa a oportunidade de produção de outras provas. Assim, bem como
tendo em vista que as matérias ventiladas são padrões, passo ao julgamento
antecipado.
Com a devida vênia, é muito grande e manifesta a má-fé da parte ré.
A ré firmou o financiamento, pagou pouquíssimas parcelas (apenas três)
e desde então não mais adimpliu qualquer valor.
Quando do cumprimento da liminar declarou que não mais estava em poder
do veículo, tendo-o deixado com seu ex-marido, não indicando o local em que
pudesse ser encontrado. O marido, contatado por telefone pela oficial de
justiça, negou-se a informar sua localização (fl. 34). Já aí houve indevida
resistência ao fluxo processual e desídia para com o cumprimento dos
provimentos judiciais.
Depois, mesmo não estando mais a ré (segundo ela própria) em poder do veículo,
compareceu aos autos para apresentar contestação.
Não purgou a mora.
Ela não depositou em juízo sequer valores incontroversos.
A contestação apresentada consiste em verdadeira colcha de retalhos,
em que ao mesmo tempo tudo se alegou, mas nada de concreto sobre o contrato em
questão foi apontado. Além de confusa, “constitui
o que se convencionou chamar de ‘metralhadora giratória’” (TJSP, Apelação
n. 994.06.147073-6, Relator Desembargador Sebastião Garcia). Esse modo de
proceder, em que o contrato concreto não é enfocado, consiste também em
manifesto modo de apenas procrastinar o processo, inclusive contendo matérias
que mesmo em abstrato não guardam relação com o caso.
De todo modo, as teses defensivas não comportam acolhimento.
A mora está demonstrada amplamente. Entendo que a tentativa de
notificação extrajudicial, qualquer que seja o serviço de notas, é hábil a
constituir em mora. Não se deve confundir a questão administrativa com a
questão civil. Ainda, a citação válida se somou a assegurar a presença da mora.
Também há má-fé na alegação, pois mesmo que a notificação fosse por serviço de
notas local, a notificação não seria positiva, pois a ré alterou seu endereço
(fl. 34) sem realizar qualquer comunicação à parte credora. Além de tudo isso, mesmo
durante o curso da demanda a mora ficou não apenas caracterizada, como
agravada, pois a ré não purgou a mora e nem mesmo depositou valores
incontroversos.
O pedido de busca e apreensão não depende de devolução das parcelas
pagas. E nem assim o poderia, pois do contrário haveria enriquecimento injusto
por parte do devedor, que além de não quitar os débitos a que se comprometeu
contratualmente, ainda persiste utilizando o veículo (dele se aproveitando).
A parte ré não demonstrou com cálculos aritméticos qualquer ponto em
que tenha havido cobrança cumulativa de comissão de permanência e outros
encargos remuneratórios e moratórios. E, além disso, a cobrança de encargos
contratuais não consiste em cláusula potestativa (inteligência à Súmula n. 294
do STJ), sendo perfeitamente válida.
Não há limitação percentual para os juros contratuais em contratos
financeiros (Súmula n. 648 do STF).
Ainda que não demonstrada pela parte ré qualquer cobrança de juros
capitalizados, mesmo que assim o fosse seria viável esse modo de proceder
(cobrança de juros capitalizados). É
que na dinâmica do quotidiano o que se constata é que os juros exponenciais são
aplicados em toda e qualquer operação do mercado financeiro, seja quando a
instituição financeira é devedora (cadernetas de poupança, depósito a prazo
fixo, recibo de depósito bancário, poupança programada) seja quando é credora
(empréstimo pessoal, financiamento de casa própria, financiamento de bens de
consumo durável, crédito ao consumidor, desconto de títulos). Em outras palavras,
capitalização composta é cláusula ínsita em todas as operações financeiras,
sejam de natureza passiva, sejam de natureza ativa. Nesse sentido: TJSP, Apelação
n. 0006330-56.2009.8.26.0306.
Também muito embora não tenha sido alegado e demonstrado pela parte
ré, eventuais tarifas para concessão de financiamento podem ser cobradas. É que
perfilho o atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça, segundo o qual
as tarifas que não estejam “encartadas
nas vedações previstas na legislação regente (Resoluções 2.303/1996 e
3.518/2007 do CMN)” e que ostentem “natureza
de remuneração pelo serviço prestado pela instituição financeira ao consumidor,
quando efetivamente contratadas, consubstanciam cobranças legítimas, sendo
certo que somente a demonstração cabal de vantagem exagerada por parte do
agente financeiro é que podem ser consideradas ilegais e abusivas” (STJ,
REsp, 1246622/RS, relator Ministro Luis Felipe Salomão, j. em 11.10.2011).
Em adição, o
consumidor que contrata o serviço financeiro, bem ciente da cobrança das
tarifas, juros e encargos, e, depois, pleiteia em juízo a revisão, como se
surpreso estivesse, evidentemente não respeita a indispensável boa-fé objetiva
que deve permear toda contratação. Trata-se de violação aos deveres anexos de
boa-fé objetiva, também chamadas figuras parcelares ou reativas, em venire contra factum proprio, sob a
modalidade tu quoque, não sendo dado
ao consumidor, ou a quem quer que seja, surpreender a outra parte com seu
comportamento contraditório.
Não há perplexidade
no fato de a instituição financeira cobrar pelos serviços que presta. As
tarifas são cobradas em razão do trabalho de análise de crédito, de contrato e
de garantia que a instituição terá que fazer com relação ao cliente que até
então lhe era desconhecido, o que não ocorre, por exemplo, quando o correntista
solicita um crédito junto ao banco do qual já é cliente, hipótese em que não
lhe são cobrados nem o custo de abertura de conta e análise de crédito, nem
tampouco outros custos (como o de emissão de boletos, pois é feito desconto em
folha ou direto na conta corrente).
É certo que a parte consumidora
poderia ter procurado seu próprio banco para contratar o empréstimo necessário
à aquisição do sonhado bem de consumo (eliminando várias das tarifas). Contudo,
buscando os encargos mais atrativos, contratou com instituição financeira
diversa, sendo razoável pagar pelos serviços prestados (pois o consumidor
certamente optou pela instituição financeira em tela em razão de que no caso
concreto era a instituição que de um modo global apresentava valores mais benéficos).
Por fim, em demanda de busca e apreensão de veículo decorrente de
contrato financeiro apenas três opções legítimas são conferidas à parte ré:
purgar a mora, provar que já quitou seus débitos junto à instituição financeira
ou entregar o veículo. E no presente caso a parte ré não adotou qualquer dessas
posturas. E com a inadimplência surge o vencimento antecipado do contrato, com a
possibilidade de serem exigidas todas as parcelas que até então eram vencíveis, pois com o inadimplemento
elas se tornam vencidas.
Nesse contexto, tenho que não apenas as teses defensivas são de todo
improcedentes, como que a parte ré está a abusar dos mecanismos da justiça, com claríssimo intuito
procrastinatório.
Deve, pois, ser reputada como litigante de má-fé (por ter vulnerado o
disposto nos artigos 14, incisos II, III, IV e V; e 17, incisos III, IV, V e VI,
do Código de Processo Civil). Assim, e por esse modo de proceder ser
incompatível com a dignidade da justiça,
faz-se necessário o indeferimento da justiça
gratuita (já que o Poder Judiciário não pode fomentar e tolerar conduta que
contrarie a boa-fé e que contribua para o atulhamento indevido dos mecanismos
da justiça), a imposição ao pagamento
dos ônus de sucumbência e a aplicação de indenização em favor da parte autora. Quanto
ao indeferimento da justiça gratuita cabe acrescentar que a ré tem sim
condições de arcar com as despesas processuais, pois havia adquirido valioso
bem, tinha se comprometido ao pagamento de vultosas prestações mensais (superiores
a mil reais) e teve condições financeiras inclusive para contratar para sua
defesa escritório de advocacia localizado em outra cidade (o que obviamente
implica em maiores despesas).
3. Dispositivo:
Diante do exposto, e extinguindo o processo com resolução de mérito:
(a)
Julgo procedente a pretensão inicial,
consolidando a liminar de busca e apreensão, que fica agora definitivamente imposta.
(b)
Imponho à parte ré a obrigação de no prazo de 24 horas (contadas a partir da
intimação da presente sentença) entregar o veículo à parte autora ou depositar
em juízo o seu equivalente em dinheiro.
(c)
Condeno a ré ao pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios em
favor do patrono da parte autora no valor de R$ 5.000,00, fixados por
apreciação equitativa, tendo em vista o tempo que precisou ser dispensado à
causa e o local da prestação do serviço, sendo que quantia inferior não seria
suficiente a remunerar de modo condigno a nobre profissão da advocacia.
(d)
Indefiro à ré os benefícios da justiça gratuita. E
(e) Condeno a ré a pagar em favor
da instituição autora indenização por litigância de má-fé na proporção de 20%
(vinte por cento) do valor atualizado da causa (artigo 18, § 2º, do Código de
Processo Civil), sopesando para tanto que quantia inferior não reprimiria
adequadamente a conduta.
Expeça-se com urgência
mandado de intimação (observado o endereço de fl. 34) para que a parte ré dê
cumprimento à obrigação de no prazo de 24 horas entregar o veículo à parte
autora ou depositar em juízo o seu equivalente em dinheiro.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
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