22 de março de 2012

Igualando Direitos



P O D E R    J U D I C I Á R I O
1ª. VARA DAS EXECUÇÕES CRIMINAIS E ANEXO DA CORREGEDORIA DOS PRESÍDIOS
COMARCA DE TAUBATÉ




PROCEDIMENTO. N. 10/2010 – CORREGEDORIA DOS PRESÍDIOS



                                               VISTOS.



                                               A DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO, por seu representante, ingressou com o presente pedido de visita intima em favor de xxxxxxxxxxxx, atualmente detido no Centro de Detenção Provisória de Taubaté, alegando que o mesmo mantém união homoafetiva com xxxxxxxxxxxxxxxxxxxx, que pretende visitá-lo nestas condições. Após discorrer extensamente sobre o conceito moderno do direito de família, aduzindo  reconhecer a união de pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, propugna seja autorizada tal visitação com fundamento nos arts. 5º. c/c 226 da Constituição Federal, bem como no art. 2º. da Lei n. 11.340/06 e art. 41, inc. X, da Lei de Execuções Penais.

                                               O Ministério Público ofereceu parecer favorável ao pedido.


                                               É O RELATÓRIO.

                                               DECIDO.



                                               A matéria envolve questão que a primeira vista pode parecer tormentosa e complexa, mas após alguma reflexão esta impressão cai por terra e toda complexidade aparente se dissipa diante da simplicidade das seguintes indagações: terão os presos homossexuais os mesmos direitos dos demais? E em tendo, tais direitos deverão ser-lhes garantidos pelo Estado, aqui representado pela Administração Penitenciária que os custodia?


                                                Como ambas as respostas – obviamente - só podem ser positivas, surge de imediato pronta solução para a questão posta.

                                               Anote-se, antes de mais nada, que a existência da união homoafetiva entre o pretenso visitante e o detento a ser visitado está comprovada nos autos, não somente por declaração testemunhal, mas sobretudo pela informação advinda da própria Administração Penitenciária, dando conta de que xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx recebe visitas regulares do Sr. xxxxxxxxxxxxxxxxxxxx desde 21 de fevereiro de 2009 (fls. 36).

                                               E em que pese o disposto no art.4º. da Resolução SAP/58, é certo que este mesmo dispositivo proibitivo estabelece exceção, qual seja, ser o egresso/visitante (situação do Sr. xxxxxxxxxxxxxxxx), parente até segundo grau da pessoa presa.  Ora, se reconhecida a relação afetiva que fundamenta o pedido, o visitante estará na condição de amásio do preso, portanto, equiparado a cônjuge para os fins colimados. Em assim sendo, nada impediria que, nos termos da referida Resolução, fosse autorizada sua visitação pela direção da Unidade,  a exemplo do que ocorre com visitantes egressas que comprovam relação concubinária com o detentos.

                                               É certo que se trata de situação inusitada, sem precedente nesta localidade, que poderá acarretar alguma dificuldade de implementação para a Administração Penitenciária. Todavia, quando se está diante de dois interesses conflitantes, um deverá prevalecer.

                                     Com efeito, se de um lado está o órgão estatal que administra os estabelecimentos prisionais, zelando pela ordem, segurança e disciplina no interior de suas unidades,  de outro vem o indivíduo, propugnando para que lhe seja assegurado um direito inerente à pessoa humana e constitucionalmente garantido. E no  confronto que assim se estabelece, é este último quem deve ter seu pleito acolhido, eis que decorrente de princípios fundamentais emanados da Constituição Federal, que veda discriminações de qualquer espécie. Já àquela resta adaptar-se frente à nova sistemática daí decorrente, lançando mão, para tanto, de mecanismos e soluções oriundas de sua própria organização.
 
                                      Não é demais deixar consignado ser bastante questionável a pertinência da regalia já há algum tempo conferida aos detentos com a tal visita íntima. Melhor seria que assim não tivesse procedido a Secretaria de Administração Penitenciária, até porque é sabido que esta prática não ocorre em todos os estabelecimentos prisionais e ainda que fosse somente por este motivo – há inúmeros outros - já estaria justificada sua proibição. Entretanto, uma vez autorizada e praticada, o direito é de todos e assim deve ser exercido, sob pena de se estar prestigiando discriminações injustificadas e inaceitáveis, moral e juridicamente.       

                                      Por outro lado, ninguém desconhece que encontros homossexuais são corriqueiros no interior de presídios, ou seja, regulamentada ou não, reconhecida ou não, legitimada ou não, a prática já existe há muito tempo ‘intra muros’, o que não é nenhuma novidade.

                                               Pois bem, o artigo 226, parágrafo 3º., da  Constituição Federal de 1988 estabelece que “para efeito da proteção do estado é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar”.

                                               Outrossim, também dispõe a Carta Magna, em seu artigo 5º., “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I- homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações nos termos desta Constituição”...

                                               Ora, a negativa do pedido ora em testilha, pelo  simples fato de se tratar de um casal homossexual, fere incontestavelmente o princípio constitucional da  igualdade, que confere isonomia de todos perante a lei, coibindo toda e qualquer discriminação, no caso presente, quanto à orientação sexual dos interessados. Fere, ainda, o princípio da dignidade e bem estar da pessoa humana, que reconhece a liberdade de orientação sexual.

                                               Tratando-se a igualdade de um direito fundamental, em rigor, não deve sequer ser interpretado, mas sim concretizado (PAULO BONAVIDES , “C urso de Direito Constitucional”, Malheiros, 13ª. edição, p. 596).


                                               Por pertinente, confira-se pronunciamento do Supremo Tribunal Federal:


“(...) O princípio da isonomia, que se reveste de autoaplicabilidade, não é, enquanto postulado fundamental de nossa ordem política-jurídica, suscetível de regulamentação ou de complementação. Esse princípio – cuja observância vincula, incondicionalmente, todas as manifestações do Poder Público – deve ser considerado, em sua precípua função de obstar discriminações e de extinguir privilégios (RDA 55/114), sob duplo aspecto: (a) o da igualdade na lei; (b) o da igualdade perante a lei. A igualdade na lei – que opera numa fase de generalidade puramente abstrata – constitui exigência destinada ao legislador, que, no processo de sua formação, nela não poderá incluir fatores de discriminação, responsáveis pela ruptura da ordem isonômica. A igualdade perante a lei, contudo, pressupondo lei já elaborada, traduz imposição destinada  aos demais Poderes estatais, que na aplicação da norma legal, não poderão subordiná-la a critérios que ensejam tratamento seletivo ou discriminatório. A eventual inobservância desse postulado pelolegislador imporá ao ato estatal por ele elaborado e produzido a eiva de inconstitucionalidade. (JOSÉ AFONSO DA SILVA, Comentário Contextual à Constituição, Malheiros, 3ª. edição, pág. 74, ‘apud’ MI 58, Rel. Min.  CELSO DE MELLO, j. 14/12/1990, RDA 183/143).

                                               Estamos na era da renovação. É preciso que se reveja posições marcadas pelo preconceito e pela intolerância, abrindo-se novos horizontes para os relacionamentos humanos, de forma a priorizar o bem estar dos indivíduos, a realização pessoal, social e sentimental, sem as quais não pode haver felicidade, direito e meta a ser assegurada e alcançada por todos.

                                               Nesse linha de raciocínio temos atualmente vários exemplos de posições e iniciativas renovadoras, tais como, pesquisa com células tronco, uso da Internet, relacionamentos virtuais, processamento eletrônico de processos judiciais, revisão da Lei da Anistia, avanços no reconhecimento dos direitos das mulheres e dos consumidores etc.

                                               Já no tema especifico, não se pode deixar de mencionar decisão inédita da Justiça do Estado do Pará, que concedeu à sua população carcerária homossexual, o direito a receber visitas íntimas de seus parceiros.

                                               No Estado de São Paulo tramita na Assembléia Legislativa um projeto de lei tratando de idêntica matéria, fundado na igualdade que deve ser garantida a todos os indivíduos, independente da opção sexual, ou seja,  respeito à diversidade.

                                               Também não se desconhece que  algumas sociedades estrangeiras já reconheceram legalmente o casamento entre pessoas do mesmo sexo, a exemplo de Países como Espanha e Canadá (desde o ano de 2005), África do Sul (desde 2006), Noruega e Suécia (2009), Portugal e Argentina (2010), este último, aliás, em decisão bastante recente (14.07.2010).

                                       Nos Estados Unidos da América, a união de duas pessoas do mesmo sexo também já é permitida em alguns Estados e vem sendo objeto de discussão a nível nacional, como, ademais, em outros países, dentre eles China, Austrália, França, Irlanda, Nova Zelândia, bem como no Brasil, onde além de alguns projetos de lei envolvendo o tema, há várias decisões judiciais favoráveis à casais formados por pessoas do mesmo sexo.

                                               O Estado do Rio Grande do Sul foi o primeiro a publicar, em março/2004, norma da Corregedoria Geral da Justiça determinando que os Cartórios de Títulos e Documentos registrassem contratos de união civil entre pessoas do mesmo sexo, seguindo no mesmo sentido, posteriormente, a Corregedoria Geral de Justiça do Piauí.

                                               No âmbito do direito administrativo o posicionamento não tem sido diferente, com inúmeros julgados reconhecendo, para fins previdenciários, as uniões estáveis homoafetivas como entidade familiar.

                                               Já decidiu o Eminente Desembargador VENICIO SALLES, na Ap n. 951.451/5-00:

“A união homoafetiva de caráter estável se estrutura nas mesmas bases da união familiar entre homem e mulher, e deflagra as mesmas proteções sociais e previdenciárias, não só para dignificar o beneficiário, como a própria sociedade que respeita as evidências da vida. Não há lacuna jurídica, pois o direito reclamado decorre da ponderação de princípios constitucionais”.

E mais adiante continua:

...“ Apesar do ordenamento jurídico não reconhecer a relação homoafetiva como ‘união estável’ no sentido técnico-
jurídico, não se pode deixar de
reconhecer a sociedade de fato para fins previdenciários, formada por homossexuais que formam famílias verdadeiras, e não se pode negar proteção à família em geral, independentemente de sua configuração, sendo vedado qualquer tratamento discriminatório. Tal entendimento não equivale a um abusivo exercício do poder legiferante, mas a um complexo sistema de depuração e de filtragem da legislação que, recebida pela Constituição Federal de 1988, passou a reverenciar seus princípios, ajustando seus termos à nova estrutura constitucional, a qual provocou a revogação e alteração de muitos comandos”.

                                               No mesmo sentido já se pronunciou o Superior Tribunal de Justiça:

“Enquanto a lei não acompanha a evolução da sociedade, a mudança de mentalidade, a evolução do conceito de moralidade, ninguém, muito menos os juízes, pode fechar os olhos a essas novas realidades. Posturas preconceituosas ou discriminatórias geram grandes injustiças. Descabe confundir questões jurídicas com questões de caráter moral ou de conteúdo religioso. Ao menos até que o legislador regulamente as uniões homoafetivas – como já fez a maioria dos países do mundo civilizado – incumbe ao Judiciário emprestar-lhes visibilidade e assegurar-lhes os mesmos direitos que merecem as demais relações afetivas. Essa é a missão fundamental da jurisprudência, que necessita desempenhar seu papel de agente transformador dos estagnados conceitos da sociedade”. (Rel. Min. CELSO DE MELLO – DJ – 09/02/2006 – ADI – 3300 MC-DF).

                                               Como se observa, um pensamento renovador ecoa aqui e também por diversos países mundo afora, quebrando preconceitos, inovando conceitos e revendo antigos padrões de comportamento social.
                                               Enfim, nada de  reprovável ou extraordinário há no fato de um casal homossexual lutar pelos mesmos direitos de um outro qualquer, máxime nos tempos atuais, eis que “viver da forma como se quer, com quem se quer, não é crime nem qualquer conduta reprovável, do ponto de vista jurídico. Logo, não cabe ao Judiciário a adoção de tese preconceituosa, tampouco de moralidade descabida, que não contempla fatos da vida” (Apelação n. 994.09.380251-5, voto n. 16.248 de 07.07.2010, da 12ª. Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Rel. BURZA NETO, citando Agravo de Instrumento relatado por RICARDO REGUEIRA).
                                               Com tais considerações JULGO PROCEDENTE o pedido e AUTORIZO o Sr. xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx a efetuar visitas intimas a xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx, detido no Centro de Progressão Provisória local, respeitadas as normas administrativas que regulamentam este tipo de visitação, como de rigor.

                                               Comunique-se a Administração Penitenciária, para as providências cabíveis.

                                               Ciência ao Ministério Público.

                                               P.R.I.C.

                                               Taubaté, 28 de julho de 2010.


                                               SUELI ZERAIK DE OLIVEIRA ARMANI
                                                       = JUIZA  DE  DIREITO  =                                  

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