18 de março de 2012

Jornada de trabalho dos professores


VISTOS PARA DECISÃO

I) Considerando o demonstrativo de pagamento acostado à fl. 18, DEFIRO os benefícios da justiça gratuita ao impetrante. Anote-se.

II) Notifique-se a autoridade coatora acerca do conteúdo da petição inicial, enviando-lhe a segunda via apresentada, com as cópias dos documentos, a fim de que, no prazo de 10 dias, preste as informações;

III) Dê-se ciência do feito à Fazenda Estadual, órgão de representação judicial a que se encontra vinculada a autoridade coatora, enviando-lhe cópia da inicial sem documentos, para que, querendo, ingresso no feito;

IV) Tocante à liminar pretendida, o art. 7º, III, da Lei n. 12.016 autoriza o juiz a conceder, in limine litis, medida liminar para suspender o ato impugnado. Dois são os requisitos legais para obter-se a medida, que participa da natureza da antecipação de tutela: a) relevância da fundamentação do mandado de segurança; b) risco de ineficácia da segurança, se afinal vier a ser deferida.

Veja-se que “por relevância da fundamentação compreende-se o ‘bom direito’ do impetrante, revelado pela argumentação da inicial em torno de seu direito subjetivo lesado ou ameaçado pelo ato da autoridade coatora. É preciso, para ter-se como relevante a causa de pedir, que tal direito se apresente demonstrado, de maneira plausível, ou verossímil, no cotejo das alegações do autor com a prova documental obrigatoriamente produzida com a petição inicial” (In: O Mandado de Segurança segundo a Lei n. 12.016 de 07 de agosto de 2009. Humberto Theodoro Júnior. 1ª Edição, Forense, 2010. p. 23/24).

De outra banda, o risco de ineficácia da eventual sentença de deferimento da segurança “é aquilo que, nas tutelas de urgência, se denomina periculum in mora, ou seja, o risco de dano grave e iminente, capaz de consumar-se antes da sentença, de tal modo que esta, a seu tempo, seria despida de força ou utilidade para dar cumprimento à tutela real e efetiva de que a parte é merecedora, dentro dos moldes do devido processo legal assegurado pela Constituição” (Idem, p. 24).

No caso dos autos, pretende o impetrante, professor de Educação Básica II, a adequação de sua jornada de trabalho aos termos da Lei n. 11.738/2008 (Lei do Piso), mais precisamente aos parâmetros destacados pelo art. 2º, §4º, do respectivo diploma.


Segundo dispõe o referido preceito, "na composição da jornada de trabalho, observar-se-á o limite máximo de 2/3 (dois terços) da carga horária para o desempenho das atividades de interação com os educandos."

Questionada desde a sua gênese, a constitucionalidade da Lei do Piso foi posta à lume pelo Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4167. No entanto, em acórdão publicado em 24/08/2011, entendeu o pretório excelso ser "constitucional a norma geral federal que reserva o percentual mínimo de 1/3 da carga horária dos docentes da educação básica para dedicação às atividades extraclasse."

O indigitado acórdão não somente ainda não transitou em julgado, ante os infindáveis embargos de declaração opostos, como, também, não repercutirá eficácia erga omnes e efeito vinculativo, conforme expressamente ressalvou a corte. Todavia, inegável a vinculação moral ao Julgador de 1ª Instância que irradia e, por este motivo, neste caso, é tido como irretorquível sua constitucionalidade, notadamente para fins de segurança jurídica.

Ao indeferir a pretensão do impetrante em âmbito administrativo, anota a Diretora da Escola (fl. 16) a existência da Resolução Estadual n. 08, de 19/01/2012. O diploma em apreço, procurando regulamentar o art. 2º, §4º, da Lei n. 11.738/2008, entrevê, sem maiores esforços, manifesta afronta aos termos da Lei Federal.

A título de exemplo, verifica-se que, para os Docentes que cumprem jornada integral de trabalho (art. 1º, inc. I), do total da carga horária semanal, 40 horas, ou seja, 2.400 minutos, em 26h40min, ou seja, 1.600 minutos devem ser desenvolvidas atividades com alunos. O art. 2º, por seu turno, após explicitar que as jornadas de trabalho docente passam a ser exercidas em aulas de 50 minutos, prevê que, para o caso de jornada integral de trabalho, o Docente está obrigado a lecionar 32 aulas com alunos e 16 aulas sem alunos, das quais 3 seriam de trabalho pedagógico coletivo na escola e 13 de trabalho pedagógico em local de livre escolha.

Para os Docentes que cumprem a jornada básica de trabalho, prevê a resolução (art. 1º, inc. II) que, da carga horária semanal (30 horas, ou seja, 1.800 minutos), 20 horas (ou 1.200 minutos) são dedicadas a atividades com alunos. E, regulamentando o preceito, o art. 2º, inc. II, dispõe que na jornada básica de trabalho o Docente se obriga a dar 24 aulas, de 50 minutos cada, com alunos, e 12 aulas (também de 50 minutos), sem alunos, das quais 2 seriam de trabalho pedagógico coletivo na escola e 10 de trabalho pedagógico em local de livre escolha.

Ao se comparar o formato proposto pela Administração com a escala de trabalho atualmente vigente, verifica-se a manifesta intenção de se burlar a Lei do Piso, mantendo-se ao Docente, apesar de reduzido o número de minutos, praticamente o mesmo tanto de aulas.

Pela atual escala, o Docente que cumpre jornada integral de trabalho (40 horas/semana), é obrigado a lecionar 33 aulas numa semana (aulas de 60 minutos), possuindo outras 7 aulas para atividades sem alunos. Já o Docente optante pela jornada básica (30 horas/semana), pela grade atual (antes da vigência da Resolução n. 08/12), está obrigado a lecionar 25 aulas (de 60 minutos), possuindo outras cinco para desenvolver atividades sem alunos.

Cotejando-se as distribuições de aulas - antes e depois da Resolução n. 8/12 -, verifica-se - a se endossar a intenção da Administração - que a Lei do Piso repercutiu pouco, para não se dizer nenhum, efeito em favor da Docência. O Professor que antes lecionava 33 aulas de 60 minutos, agora, sob a ótica da Resolução, terá de lecionar 32 aulas de 50 minutos, se cumpridor da jornada integral; já o Professor que cumpre a jornada básica, enquanto antes da Resolução n. 08/12 lecionava 25 aulas de 60 minutos, agora vê-se compelido a lecionar 24 aulas de 50 minutos.  

A intenção do legislador ao salvaguardar ao Docente 1/3 de sua jornada de trabalho para atividades extra-aula não foi de reduzir a aula em 10 minutos, conforme pretende deturpar a Administração Paulista. Nas palavras do Ministro Ricardo Lewandowski, quando do julgamento da ADIN 4.167: "(...) quem é professor sabe muito bem que essas atividades extra-aula são muito importantes. No que consistem elas? Consistem naqueles horários dedicados à preparação das aulas, encontros com pais, com colegas, com alunos, reuniões pedagógicas, didáticas; portanto, a meu ver, esse mínimo faz-se necessário para a melhoria da qualidade do ensino e também para a redução das desigualdades regionais."

Buscou o Legislador, na realidade, conceder aos Professores um pouco mais de dignidade na exercício de seu mister, reservando-lhes tempo condigno para obter qualificação profissional. Se cumprido tal desiderato, é manifesto que a melhoria terá um efeito cascata, beneficiando as futuras gerações.

Desta feita, conquanto em termos matemáticos, formalmente, as frações previstas na Lei Federal estejam sendo observadas pela Administração Paulista, forçoso reconhecer que a manutenção, praticamente, do mesmo número de aulas passa longe de atender ao desiderato material do diploma, o que somente restará cumprido com a efetiva redução do número de aulas.

Sim, porque inegável que o tempo que gasta um Professor para preparar uma aula de 60 minutos é, senão o mesmo, então muito próximo daquele destinado para outra de 50 minutos. A diferença de 10 minutos não atende ao anseio de capacitação previsto na Lei do Piso.

De outra banda, ainda convém observar que a Administração não poderia, como o fez, alterar o critério da hora de trabalho. Se a Lei Complementar Estadual n. 836/97, em seu art. 10, §1º, prevê que a hora de trabalho terá a duração de 60 minutos, por óbvio a alteração desse parâmetro somente poderia ser realizado por lei, em votação pela Assembléia, e não por Resolução.

O perigo da demora na entrega da contraprestação jurisdicional, por sua vez, decorre dos prejuízos que pode vir a sofrer o Docente descumpridor da escala de aulas que lhe foi dirigida com esteio na Resolução Estadual, ante a hipotética impontualidade. 

Ante o exposto DEFIRO a liminar e, em conseqüência, ASSEGURO ao impetrante o direito de cumprir sua jornada de trabalho nos termos previstos na Lei Federal n. 11.738/2008 (art. 2º, §4º), cabendo à autoridade coatora considerar a hora de trabalho de 60 minutos. Intimem-se.

Andradina (SP), 05 de março de 2012.


Paulo Alexandre Rodrigues Coutinho
             Juiz de Direito

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