7 de março de 2012

Substituição da pena no JECrim mesmo diante da reincidência em razão da demora da apuração criminal


Juizado Especial Criminal da Comarca de Iguape
Autos nº 611/2009
Autor:                       Ministério Público do Estado de São Paulo
Denunciado:             M
                                
S  E  N  T  E  N  Ç  A

Vistos, etc.
1. Relatório:
M foi denunciado em razão de desacato ocorrido em 28 de novembro de 2009 (fls. 2-3).
Tendo sido adotado o procedimento sumaríssimo, em audiência (fl. 129) houve a apresentação de resposta, o recebimento da denúncia, a inquirição da vítima (fl. 130) e de uma testemunha (fl. 131), assim como procedido o interrogatório (fl. 132).
Em sede de alegações finais a acusação pugnou pela procedência da denúncia (fls. 138-140). A defesa sustentou tese absolutória fundada no excesso de repressão pela autoridade policial, provocação da ofensa pela conduta da vítima e ausência de dolo específico (fls. 159-163).
É o relatório. Decido.

2. Fundamentação:
A pretensão punitiva é procedente.
As provas coligidas aos autos bem demonstram a dinâmica do evento, tornando possível concluir que o acusado inicialmente apresentou informações incompletas sobre seus dados qualificativos (o que inviabilizou a localização de seus antecedentes no sistema informatizado) e quando a autoridade policial prosseguiu com a indagação sobre a qualificação foi que o denunciado se exaltou e passou a xingar de “cuzão” o policial militar vitimado, tornando inclusive necessário o uso de força física, situação essa suficiente a caracterizar a incursão no crime de desacato.
Nesse sentido foram os testemunhos harmônicos do policial vitimado (fl. 130) e do outro policial que se encontrava de serviço e que também participou da abordagem (fl. 131).
Aliás, o próprio acusado confirmou que chamou o policial de “cuzão” (fl. 132), apenas ressalvando que assim agiu depois de ser fisicamente agredido.
Ocorre que a ressalva apresentada pelo réu não comporta credibilidade, sendo inclusive suficiente a afastar a incidência da atenuante da confissão.
É que além dela contrariar a versão uníssona apresentada pelos policiais, tal ressalva foge à lógica, na medida em que se ainda não havia tido identificados os seus antecedentes não havia motivo para que o policial lhe agredisse gratuitamente. Mais: se não foi quem iniciou a agressão (como alegou), seria muito difícil (quase impossível) que viesse a conseguir lesionar o policial (o que de fato conseguiu, conforme se extrai do laudo de fl. 29).
Por conseguinte, não comportam acolhimento as teses defensivas. Com efeito, a indagação de dados qualificativos para tornar mais eficaz a busca dos apontamentos criminais no sistema informatizado nada tem de excessiva ou de provocativa, máxime diante de fundada suspeita de que os dados inicialmente apresentados tivessem sido insuficientes para a busca (o que realmente ocorreu, porquanto o réu tivesse apontamentos criminais e estivesse em cumprimento de pena); cuidou-se, a rigor, de medida diligente. Tendo a agressão verbal iniciado por parte do acusado (sem que tivesse recebido sequer alguma outra agressão também verbal, pois em nenhum momento disse que o policial vitimado o tivesse xingado), não se há de cogitar de ausência de dolo específico, pois o ânimo intrínseco à modalidade de xingamento é mesmo o de menoscabar a autoridade constituída.  
Desse modo, a conduta humana praticada pelo acusado se amolda ao artigo 331 do Código Penal, estando também configuradas a antijuridicidade e a culpabilidade.
3. Dispositivo:
Diante do exposto, julgo procedente a pretensão punitiva para o fim de CONDENAR o acusado M como incurso nas sanções do artigo 331 do Código Penal.
Nessas condições e partindo do mínimo legal, passo à dosimetria e individualização da pena, com observância ao sistema trifásico (art. 68 do CP). Adoto a aplicação da pena privativa de liberdade em vez da multa, pois reputo o desacato um crime de expressiva gravidade (por demonstrar desrespeito para com a atividade estatal), além de que no caso concreto o réu é reincidente e ostenta inúmeros outros apontamentos criminais em sua vida pregressa, circunstâncias essas que tornam certo que a pena de multa seria insuficiente a coibir e punir a conduta praticada.
Na primeira fase, e especialmente em atenção à Súmula n. 444 do STJ, não restam circunstâncias judiciais desfavoráveis.
Em relação à segunda fase incide a agravante da reincidência, na medida em que o acusado conta com anterior condenação por crime doloso não tendo a pena sido extinta mais de cinco anos antes da infração aqui apurada (conforme se extrai da certidão de fl. 64). Desse modo, elevo a pena em 3 meses de detenção.    
Quanto à terceira fase não ocorrem causas de aumento ou de diminuição de pena. Assim, resulta a pena definitiva em 9 (nove) meses de detenção.
Diante da reincidência e por se tratar de crime apenado com detenção, o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade é o semiaberto, a ser executado em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar, de acordo com a disponibilidade do sistema penitenciário, com observância às regras do art. 34 do CP.
Todavia, apesar do obstáculo da reincidência, entendo que em sede de infrações penais de menor potencial ofensivo é possível a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos em casos excepcionais, pois assim se atende de modo mais eficaz aos critérios orientadores dos Juizados Especiais (artigo 2º da Lei n. 9.099/95). E a situação dos autos é excepcional, pois o réu admitiu em parte a ocorrência do episódio criminoso e o fato aconteceu em 28 de novembro de 2009, de modo que a segregação no atual momento (passados quase dois anos) não teria o condão de ser concretamente útil à sociedade. Assim, excepcionalmente, substituo a pena privativa de liberdade por uma pena restritiva de direitos consistente em prestação de serviços à comunidade pelo prazo de duração da pena privativa de liberdade (nove meses), à razão de 7 (sete) horas semanais, a ser cumprida na forma do art. 46 do CP em dias, horários e locais a serem estabelecidos na fase de execução, nos termos do art. 149 da LEP. Anoto que dentre as penas restritivas de direitos optei pela prestação de serviços por reputar a mais adequada diante das aptidões e condições pessoais do acusado, bem como por bem atender às finalidades de retribuição e ressocialização pela pena, além de ser atenta às peculiaridades da Comarca de Iguape. Observo, ainda, que qualquer outra pena restritiva de direitos seria insuficiente a atingir os escopos da sanção criminal e, por isso, se não fosse de se aplicar a prestação de serviços, haveria o réu de cumprir o regime semiaberto em vez da substituição da reprimenda.
Deixo de aplicar o sursis porque as condições seriam mais gravosas ao sentenciado do que a substituição por pena restritiva de direitos.
Resumo da sentença:
A denúncia foi julgada procedente. O acusado M foi condenado como incurso nas sanções do artigo 331 do Código Penal. Deverá cumprir pena de 9 (nove) meses de detenção. O regime inicial é o semiaberto, mas a pena privativa de liberdade foi substituída por uma pena restritiva de direitos consistente em prestação de serviços à comunidade.
Disposições finais:
(a) Em razão da substituição por pena restritiva de direitos, poderá o sentenciado recorrer em liberdade.
(b) Nos termos do art. 804 do CPP, condeno o acusado ao pagamento das custas processuais, com a ressalva do artigo 12 da Lei n. 1.060/50.
(c) Deixo de fixar valor mínimo para reparação dos danos em razão da ausência de elementos objetivos a tanto (CPP, art. 387, inciso IV).
(d) Incide no caso o efeito genérico da condenação contido no inciso I do art. 91 do CP.
(e) Oportunamente, expeça-se certidão de honorários em prol da ilustre advogada que atuou no feito em função do convênio da assistência judiciária.
(f) Em atenção ao art. 15, inciso III, da Constituição da República, declaro a suspensão dos direitos políticos do sentenciado.
(g) Considerando que eventual recurso sobre a sentença condenatória terá efeito suspensivo, deixo de determinar a expedição de guia de recolhimento provisório (em atenção à Resolução nº 19 do Conselho Nacional de Justiça).
(h) Em observância ao item 22, “d”, do Capítulo V das Normas de Serviço da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de São Paulo, e com a qualificação completa do sentenciado, comunique-se o desfecho da ação penal ao serviço distribuidor e ao Instituto de Identificação Ricardo Gumbleton Daunt (IIRGD).
(i) Após o trânsito em julgado: (i.1) lance-se o nome do condenado no rol dos culpados (CPP, art. 393, inciso II); (i.2) oficie-se ao juízo eleitoral do local do domicílio do sentenciado comunicando a suspensão dos direitos políticos; e (i.4) expeça-se definitiva guia de recolhimento para execução da pena.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Iguape, autodata.

AYRTON VIDOLIN MARQUES JÚNIOR
Juiz Substituto

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