24 de março de 2012

Sugestões para amenizar a superlotação carcerária



P O D E R   J U D I C I Á R I O
1ª. VARA DAS EXECUÇÕES CRIMINAIS E ANEXO DA 

CORREGEDORIA DOS PRESÍDIOS DA

COMARCA DE TAUBATÉ


                                                         Taubaté, 17 de outubro de 2011.




Exmo. Sr.




                                                        Respeitosamente, dirijo-me a V. Excia., a fim de apresentar singelo estudo envolvendo o tormentoso tema da superlotação carcerária, que há muito vem preocupando os Órgãos Públicos que trabalham diretamente com este seguimento, notadamente a Administração Penitenciária, que injustamente acaba sendo  a única responsabilizada por todos os infortúnios dele decorrentes.

                            Sabe-se que o número de presos, notadamente no Estado de São Paulo, vem se elevando cada dia mais, numa progressão tão acentuada que se torna praticamente impossível à Administração, no atual sistema, atender toda a demanda de forma satisfatória ou de modo a proporcionar dignidade ao cidadão encarcerado e segurança à comunidade.


                            O que se vê hoje em dia são estabelecimentos lotados de indivíduos que ali são mantidos sem infra-estrutura ou mínimo de espaço  físico adequado,  e não obstante os incansáveis esforços desenvolvidos pelo Governo do Estado, o que se constata infelizmente é que o problema cada vez mais se agrava.

                            São Paulo é, sabidamente, o Estado com maior número de detentos e conseqüentemente o que mais investe na construção de presídios, embora ainda em quantidade bastante aquém daquela que seria ideal. Também é de conhecimento geral quanta resistência este tipo de edificação enseja na população de cada região,  sendo este um dos principais entraves enfrentados pela Administração Penitenciária nesta esfera.

                            A grande dificuldade é que todos querem soluções, mas poucos se comprometem com elas, sobretudo quando se trata de tema tão árido como sistema prisional, com o qual poucos são afetos ou interessados. Entretanto, é preciso que se conscientizem que o problema é de todos e não apenas dos órgãos governamentais que com ele se deparam diretamente. E é exatamente neste caminho que ao final se pode vislumbrar a solução.



                              Com efeito, o que se nota atualmente é que os presídios, além de oferecerem vagas em quantidade insuficiente, estão concentrados em determinadas regiões com pouco ou nenhum engajamento com a população local. Isso ocorre pela absoluta falta de identificação desta última com sua comunidade prisional, eis que composta de indivíduos oriundos das mais variadas regiões do Estado,    poucos com vínculos na localidade onde se encontram detidos. Esta falta de interação entre os grupos gera a indiferença, pois dificilmente alguém se preocupa em cuidar daquilo que não lhe diz respeito.  E esta identificação, ensejadora de comprometimento com a causa, mostra-se indispensável no equacionamento do tema ora em estudo. Em outras palavras, presídios em número suficiente e com infra-estrutura adequada, bem como a comunidade próxima, consciente e envolvida com a sorte de seus componentes marginalizados, parecem ser as únicas alternativas para o caos do sistema prisional, uma luz no fim do túnel.

                            Nesse pensar, conclui-se não haver outro meio de se atingir tal objetivo a não ser pela construção de estabelecimentos carcerários em cada município do Estado, o que  não só resolveria a questão da insuficiência de vagas, mas também possibilitaria o engajamento entre população carcerária e sociedade, aumentando substancialmente as chances desta última se envolver na assistência e apoio àquela, já que em assim sendo,  estaria  zelando  por aquilo que  é “fruto” seu  e não  por “forasteiros”,         oriundos de localidades diversas,  com os quais não há identidade e portanto não pode haver integração.


                            Além disso, os familiares dos detentos, mais presentes pela proximidade, também teriam melhores condições de participarem e colaborarem com a Administração no trato e reintegração dos mesmos, assim como o Conselho da Comunidade - que hoje infelizmente aparece bem pouco atuante - estaria muito mais motivado e capacitado a exercer a importantíssima missão que lhe é legalmente designada. Também a iniciativa privada, em cada município, se veria impulsionada a colaborar, movida pela certeza de que em assim agindo, diminuídas estariam as estatísticas de criminalidade ou de reincidência criminal naquela região.

                            Nada disso ocorre presentemente. A sociedade, omissa e indiferente ao tema, apenas exige segurança pública e critica a falta dela, apontando o dedo para aqueles que - num juízo absolutamente descomprometido - considera culpados pela ineficácia do sistema, sem se dar conta de que está no meio deles.  Falta conscientização, falta iniciativa, falta vontade política, sobretudo por parte dos administradores municipais, obviamente pressionados por interesses locais, entrave que estará  solucionado se a obrigação for a todos indistintamente imposta.

                            Não se trata, por óbvio, do restabelecimento das cadeias públicas, em boa hora extintas. Mas sim de substancial ampliação do número de vagas no sistema prisional do Estado, cuja estrutura é bastante distinta das antigas cadeias, bem como aproximação de presos e sociedade, visando atingir os objetivos preconizados.
                            E por mais dificultosa e longínqua que qualquer solução possa parecer, ela certamente nunca virá se nada for feito, se nenhuma iniciativa for corajosamente tomada por aqueles envolvidos com a nobre causa e dos quais não se espera menos que isso.

                            Nesse contexto, seguem algumas idéias que logicamente carecerão de análise mais aprofundada e adaptação, no que couber, à atual situação fática, a ser melhor apurada através de estudos específicos e levantamento de dados técnicos: 

1)    Cada município terá que dispor de terreno e local apropriado,  para nele edificar prédio com especificações pré-estabelecidas e fornecidas pelo Estado, que para tanto contará com três tipos diferentes de projetos estruturais, dentre os quais elegerá, para cada localidade, aquele que a ela melhor se adapte, tendo em conta a dimensão da necessidade (número de habitantes);
2)    Municípios pequenos, com população inferior a um mínimo a ser oportunamente estudado e estabelecido, poderão ser isentados de tal ônus e seu contingente abrangido por cidades contiguas e maiores;
3)    Excetuando as regiões que já possuem estruturação penitenciária, para as demais o tipo de edificação deverá comportar presos provisórios e presos condenados, em alas distintas e separadas por cada categoria, inclusive para progressão ao regime semi-aberto;
4)    Será constituída uma comissão para estudo da melhor forma de implantação deste projeto, através de levantamento de dados específicos, dimensionamento das necessidades regionais, racionalidade e efetividade na execução etc.
5)     Referida comissão deverá ser composta de três representantes do Poder Judiciário, do Ministério Público, da Secretaria de Administração Penitenciária e da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, os quais serão designados por suas respectivas Instituições, por sessenta (60) dias, com prejuízo de suas funções no período, e atuarão na capital, em local a ser designado pela Secretaria de Administração Penitenciária;
6)    Dentro do prazo estabelecido deverá a comissão apresentar relatório circunstanciado das atividades desenvolvidas,           com  todas as informações e dados apurados, além de projeto de lei a ser encaminhado       à


Assembléia Legislativa, valendo salientar que não se trata de alteração de competência em razão da matéria, eis que constitucionalmente imputada ao Estado, mas tão somente de atribuição, ao Município, do dever de implementar instalações físicas destinadas ao sistema penitenciário, a exemplo do que ocorre com fóruns e outros prédios públicos construídos pelo Poder Público Municipal, mas ocupados e administrados por Órgãos Estatais em razão de convênios firmados entre tais entidades;
7)    Poderá haver previsão de repasse de verba do Estado para os Municípios para tal finalidade, em proporção e forma a serem analisadas e, se o caso, fixadas;
8)    Também a depender de estudos prévios, poderá haver previsão legal de isenção fiscal ou incentivo tributário para as empresas privadas que colaborarem na reintegração de egressos nas respectivas localidades, em condições a serem criteriosamente definidas;
9)    Considerando a inferioridade do contingente de presas do sexo feminino, os atuais estabelecimentos para abrigo de mulheres não sofrerão alteração, notadamente em razão de estarem atendendo satisfatoriamente a correspondente demanda;


10)           O quadro funcional dos novos estabelecimentos será provido pelo Estado, devendo constar do relatório a ser elaborado pela comissão, organograma de cargos e custos;


                                Como se pode observar, a  idéia  central deste estudo   é garantir ao indivíduo preso  o  princípio  constitucional  da  dignidade  da  pessoa humana,  a) mantendo-o em instalações adequadas  que lhe possibilitem regeneração e reintegração;  b) reaproximando-o de sua comunidade, ou seja, daquela onde se criou e por algum motivo degenerou, sendo portanto a que deverá por ele se responsabilizar, já que, tendo de alguma forma (direta ou indiretamente, por ação ou omissão) contribuído para seu descaminho, deve-lhe auxílio no processo de regeneração. Esta conscientização e mobilização constituem os fundamentos principais do projeto que aqui se apresenta.

                      Enfim, estas são as considerações que, ‘sub censura’ , apresento à Vossa Excelência, aproveitando a oportunidade para renovar votos de elevada estima e distinta consideração.

                                     
                  

                            SUELI ZERAIK DE OLIVEIRA ARMANI
                                             = JUÍZA DE DIREITO =
                                       
  
Ao Excelentíssimo Sr.
Dr. LOURIVAL GOMES,
Secretário da Administração Penitenciária do Estado de
SÃO PAULO.
                            

Um comentário:

  1. Com a isenção de quem não advoga no Estado de São Paulo, tenho a lhe dizer que peço a Deus que cada dia mais magistrados como o senhor povoem nosso combalido Judiciário.

    Que Deus o abençoe.

    Carlos Bruno.

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