8 de outubro de 2012

Veículo zero quilômetro com defeito


1ª Vara Judicial da Comarca de Socorro
Autos nº 579/2009              
Autora:                     A
Ré:                            R

S  E  N  T  E  N  Ç  A

Vistos.
1. Relatório:
A narrou ter descoberto vícios no veículo adquirido junto à ré e, por isso, requereu a devolução do valor do veículo, o ressarcimento das despesas administrativas que teve com o emplacamento do bem, o ressarcimento dos emolumentos de notificação extrajudicial e reparação civil por danos morais (fls. 2-17).
B em sua defesa arguiu preliminares de ilegitimidade ativa e passiva, contrariou a existência de vícios e de responsabilidade, impugnou os danos pretendidos e relatou que a autora estaria a litigar de má-fé ao não relatar na inicial que houve contranotificação (fls. 105-112).
A réplica foi lançada (fls. 128-138).
O processo foi saneado, com o afastamento das preliminares (fls. 147-148).
As partes se pronunciaram pelo julgamento antecipado (fls. 250 e 254).
É o relatório. Decido.

2. Fundamentação:
O julgamento antecipado está autorizado em razão das manifestações das partes a esse respeito (fls. 250-254).
Não há litigância de má-fé em não ter sido mencionada a contranotificação na petição inicial, pois tal ato jurídico é inócuo para o deslinde do processo.
Ainda que não seja importadora, fabricante ou distribuidora do veículo, como a ré participou da cadeia de fornecimento do veículo, tem responsabilidade civil solidária com relação aos danos experimentados pela autora. Nesse sentido: STJ, AgRg no Ag 1195179/PR, relator Ministro João Otávio de Noronha, Dje 18.8.2010.
O veículo foi fornecido com vícios. A nota de conferência do veículo (fl. 30), as fotografias (fls. 48-57) e os inúmeros contatos via correio eletrônico (fls. 31-38) não deixam dúvidas de que o automóvel tinha defeitos incompatíveis com o que se espera de um veículo comprado como sendo zero quilômetro (fl. 23).
Por isso, o mínimo que se esperava da parte ré era que entregasse outro veículo em boas condições à autora ou que a ela disponibilizasse um automóvel similar para utilizar enquanto a própria ré providenciasse junto à importadora a solução dos defeitos ou o fornecimento de um novo veículo. Todavia, preferiu a ré permanecer inerte, tentando abandonar a autora com os problemas, a fim de que ela tentasse a solução junto à importadora, solução essa cuja iniciativa deveria mesmo era ter partido da ré. Daí que não havia qualquer necessidade de que a autora precisasse diretamente procurar pela importadora, o que lança por terra a principal tese defensiva.
Houve, quando menos, omissão por parte da ré, o que traduz inequívoco ato ilícito civil (negligência), devendo ser responsabilizada pelos danos experimentados pela autora.
Passo, pois, ao exame dos danos.
O valor gasto com o veículo não deve ser objeto de ressarcimento. Isso porque a autora não despendeu a quantia, tendo se valido de alienação fiduciária. E o bem foi retomado pela instituição financeira em virtude do não pagamento de parcelas. Ainda que a autora tenha pagado algumas parcelas, não se pode perder de vista que não pagou a integralidade do bem e que ainda fez uso dele por expressivo tempo e quilometragem (quando da apreensão o veículo estava com 103.648 quilômetros rodados – fl. 206), o que faz ruir a possibilidade até mesmo de ressarcimento pelas parcelas pagas.
As despesas administrativas (fls. 58-61) para licenciamento e emplacamento do veículo também não podem ser objeto de ressarcimento, pois, como já visto, a autora fez uso do bem, com ele tendo circulado e a troca do veículo por um novo ficou inviabilizada diante da retomada do automóvel pela instituição financeira em decorrência do inadimplemento.  
As despesas com os emolumentos de notificação extrajudicial (fl. 62) devem ser ressarcidas, pois foram gastos tidos em decorrência da indevida omissão da parte ré.
E estão presentes danos morais.
Primeiro, pela própria forma de agir da ré, que entregou à autora um bem com qualidade diversa daquela que se esperava para um veículo zero quilômetro.
Segundo, pela conduta da ré totalmente aviltante à dignidade da autora, ao tê-la literalmente abandonado à própria sorte. A autora não teve satisfatoriamente atendidos seus reclamos realizados diretamente à ré (fls. 31-38), nem quando da intervenção do PROCON (fl. 44) e nem mesmo depois do ajuizamento da demanda, tendo a parte ré permanecido inerte em seu dever de providenciar a solução dos problemas do veículo.
Terceiro, porque a autora durante o tempo em que permaneceu com o veículo foi obrigada a conviver diariamente com os defeitos, o que inegavelmente traduz martírio que transborda os meros dissabores.
Todo esse aviltante modo de agir é hábil a atrair a necessidade de reparação moral. Prossigo, então, com a mensuração dos danos morais.
Considerando que a fixação deve ser suficiente a recompensar o lesado (sem ser irrisória e, ao mesmo tempo, sem se constituir em causa de enriquecimento indevido), bem como sopesando no caso as condições econômicas da ré (empresa do setor automotivo) e da autora (motorista), a intensidade das ofensas (que foram múltiplas) e a suficiência para coibir a reiteração de condutas semelhantes, reputo coerente e proporcional a mensuração do valor para reparação dos danos morais na quantia de R$ 10.000,00 (dez mil reais).
3. Dispositivo:
Diante do exposto, extinguindo o processo com resolução de mérito, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a pretensão inicial, para os efeitos de:
(a) CONDENAR a ré a ressarcir à autora a quantia de R$ 111,29 (cento e onze reais e vinte e nove centavos), com correção monetária pela Tabela Prática do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e juros moratórios de 1% (um por cento) ao mês, ambos contados da data do desembolso (8.4.2009). E
(b) CONDENAR a ré a pagar à autora reparação civil por danos morais no montante de R$ 10.000,00 (dez mil reais), com correção monetária pela Tabela Prática do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e juros moratórios de 1% (um por cento) ao mês, ambos contados a partir da presente data (momento em que o valor foi arbitrado).
Considero que as partes foram sucumbentes em extensões equivalentes. Assim, tenho por presente a sucumbência recíproca, de modo que ficam compensados os honorários advocatícios, nos moldes do artigo 21, caput, do CPC e do disposto na Súmula n. 306 do Superior Tribunal de Justiça. Cada pólo deverá arcar com metade das custas processuais.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Socorro, autodata.

AYRTON VIDOLIN MARQUES JÚNIOR
Juiz Substituto

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