13 de outubro de 2011

Responsabilidade civil por falha em serviços médicos



VISTOS PARA SENTENÇA.

L e C, já devidamente qualificados, ajuizaram a presente Ação de Indenização por Danos Materiais e Morais, pelo procedimento comum ordinário, em face da SOCIEDADE BENEFICENTE DE X e do MUNICÍPIO DE X, igualmente identificados. Aduziram os autores, em linhas gerais, serem pais de N, nascido em XX/XX/XXXX, tendo a gestação se passado de forma tranqüila, sem quaisquer complicações. Alinhavaram que o parto do infante foi realizado junto a primeira ré, estando lúcida a autora L durante todo o procedimento, inclusive percebendo a inexistência de qualquer pediatra no local, a despeito da presença de um médico obstetra, de um anestesista e de dois enfermeiros. Acrescentaram, outrossim, que após o nascimento, no dia seguinte, o infante mostrou-se arroxeado, apresentando temperatura acima do normal, condições ignoradas pelos funcionários do hospital, que as entendiam normais, inclusive recebendo alta médica. Noticiou que, logo após receber a alta hospitalar, seu filho piorou e, somente após implorarem por socorro, é que os enfermeiros se animaram a atendê-lo, procedendo, então, a transferência para o Hospital de Y. A transferência – segundo noticiam – foi realizada sem o acompanhamento de qualquer médico, à revelia da Portaria GM n. 2.048/2002, utilização de aparelhos de monitoramento e, tampouco, sem o necessário prontuário médico. E, em XX /XX/XXXX, N veio a óbito, constando como causa mortis insuficiência respiratória aguda, broncopneumonia em HTXE. Em decorrência das falhas na prestação dos serviços médicos, requereram indenização pelos danos materiais e morais. Propugnaram, ademais, pela citação dos demandados e suas condenações nos estipêndios sucumbenciais (fls.02/17). Valoraram a causa e juntaram documentos (fls. 18/147).

Recebida, registrada e autuada, por estar em termos a inicial, deferiu-se aos autores os benefícios da justiça gratuita e determinou-se a citação dos demandados, com as advertências legais.

A demandada Sociedade Beneficente de X, entidade mantenedora do Hospital e Maternidade X, compareceu aos autos e apresentou resposta na forma de contestação. Em solo preliminar, disse ser parte ilegítima para compor o pólo passivo da lide. No mérito, argumentou inexistir prova de dolo ou culpa por parte de seu prepostos, asseverando que nenhum ato ilícito foi praticado. Pontuou, outrossim, que o óbito do infante teria se dado em decorrência de um chá ministrado pela avó materna. Impugnou o montante pretendido a título de indenização. Requereu, ao final, a extinção do feito ou, sucessivamente, a improcedência dos pedidos (fls. 187/209).

Já a Municipalidade de X, às fls. 212/217, pleiteou pelo reconhecimento de sua ilegitimidade passiva e, concomitantemente, da impossibilidade jurídica do pedido. No mérito, opôs-se à pretensão indenizatória, asseverando não haver qualquer dolo ou culpa de sua parte no evento. Impugnou, ademais, o valor requerido na inicial e os documentos apresentados.

Houve réplica (fls. 219/224).

Inexitosa a audiência de conciliação designada (fl. 230), às fls. 234/236 foi proferida decisão saneadora, oportunidade em que foi deferida a produção de prova pericial e testemunhal. Desta decisão foi interposto recurso de agravo retido pelo Município de X (fls. 247/268), contrarrazoado às fls. 275/276.

Realizada a perícia às fls. 311/322, manifestaram-se as partes às fls. 325, 326/327 e 328/329, sendo, então, designada audiência de instrução e julgamento (fl. 330).

Na audiência, presentes as partes, foram inquiridas seis testemunhas (fls. 346/351), designando-se outra data para prosseguimento, porquanto ausente um testigo arrolado, bem como ante a necessidade de se inquirir outra pessoa como testemunha do Juízo, o que se sucedeu às fls. 371/374. Convertidos os debates orais em memorais, manifestaram-se as partes às fls. 376/387, 388/394 e 396/401.

É o relato do necessário. FUNDAMENTO e DECIDO.
Trata-se de ação de indenização por danos materiais e morais promovida por L e C em face da Sociedade Beneficente de X e do Município de X, partes já devidamente qualificadas.

A preliminar de impossibilidade jurídica do pedido suscitada pela Municipalidade não veio acompanhada de qualquer argumento, a tornar prejudicada sua análise. De todo modo, não é difícil verificar que a pretensão deduzida pelos autores é abstratamente possível no plano jurídico. Se procede ou não, tal decisão repercutirá no mérito da causa, e não em sua extinção, na segunda hipótese.

Da mesma forma, as preliminares de ilegitimidade passiva argüidas pelos réus não merecem guarida. Conforme decidido quando da decisão saneadora (fls. 234/236), os argumentos para o manejo de tais preliminares se confunde com o mérito, eis que reclamam a perquirição dos elementos da responsabilidade civil. 

Reconheço presentes, portanto, os pressupostos processuais de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo no tocante aos demais contendores. Concorrem ao caso as condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual.

Também não vislumbro qualquer vício processual, estando ausentes as hipóteses dos artigos 267 e 295 do Código de Processo Civil. A petição inicial é apta e o procedimento corresponde à natureza da causa. A pretensão deduzida não carece de pedido ou causa de pedir. Ademais, o pedido é, em tese, juridicamente possível, não havendo incompatibilidade de pedidos, decorrendo, ainda, da narração dos fatos logicamente sua conclusão.

De antemão, impõe-se assentar algumas premissas a respeito do regime jurídico aplicável a cada um dos réus, a fim de se analisar os adminículos da responsabilidade civil.

Respeitante à demandada Sociedade Beneficente de X, segundo se infere do estatuto de fls. 157/181, trata-se de uma entidade civil sem fins lucrativos, ou seja, não se trata de entidade integrante da Administração Direta ou Indireta.

Todavia, o fato de ser parcialmente subvencionada pela Municipalidade de X (vide fls. 44/48), bem como gerida, a partir de junho de 2007, por uma Comissão instituída pelo Chefe do Poder Executivo local (fls. 49/52), atrai a incidência do art. 37, §6º, da Constituição Federal. Ademais, é de conhecimento público que a Sociedade Beneficente presta atendimento aos seus pacientes por intermédio do Sistema Único de Saúde, em decorrência dos repasses Municipais efetuados.

Não fosse isso, ainda assim persistiria objetiva a responsabilidade da Sociedade Beneficente de X demandada em decorrência da incidência do Código de Defesa do Consumidor à espécie.

Sendo prestadora de serviços médicos, enquadra-se no conceito de fornecedora (art. 3º do CDC), de modo que sua responsabilidade por eventuais danos somente é afastada em se comprovando a inexistência de defeito no serviço prestado ou, então, pela culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro (art. 14, §3º, do CDC).

Ademais, de bom alvitre esclarecer ser inaplicável à espécie a exceção à responsabilidade objetiva atinente aos profissionais liberais contida no §4º do art. 14 do referido diploma, porquanto não figura no pólo passivo da presente a pessoa física que teve contato direto com os autores, mas efetivamente a própria sociedade prestadora de serviços.

Em relação ao Município de X, a natureza objetiva de sua responsabilidade decorre da previsão contida no art. 37, §6º, da CF e art. 43 do Código Civil, in verbis:

Art. 37, §6º, da CF: "As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa".

Art. 43 do Código Civil: "As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo".

E, sua responsabilidade pelo evento, deriva do custeamento do atendimento médico pelo Sistema Único de Saúde. Vale dizer, cabe ao Município, por força do art. 197 da CF, a regulamentação, fiscalização e controle das ações e serviços de saúde, ainda que a execução seja feita por intermédio de terceiros, pessoa física ou jurídica de direito privado.

Convém observar, outrossim, que a Lei 8.080/90 – que, entre outras providências, dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes – prevê as atribuições e competências da União, Estados, Distrito Federal e Municípios quanto aos serviços de saúde pública.

Segundo a norma de regência, compete à União, na condição de gestora nacional do SUS: elaborar normas para regular as relações entre o sistema e os serviços privados contratados de assistência à saúde; promover a descentralização para os Estados e Municípios dos serviços e ações de saúde, respectivamente, de abrangência estadual e municipal; acompanhar, controlar e avaliar as ações e os serviços de saúde, respeitadas as competências estaduais e municipais (art. 16, XIV, XV e XVII).

Aos Estados compete, entre outras atribuições: promover a descentralização para os Municípios dos serviços e das ações de saúde; acompanhar, controlar e avaliar as redes hierarquizadas do SUS; prestar apoio técnico e financeiro aos Municípios e executar supletivamente ações e serviços de saúde (art. 17, I, II e III).

Os Municípios, por sua vez, têm competência para planejar, organizar, controlar e avaliar as ações e os serviços de saúde e gerir e executar os serviços públicos de saúde; participar do planejamento, programação e organização da rede regionalizada e hierarquizada do SUS, em articulação com sua direção estadual; celebrar contratos e convênios com entidades prestadoras de serviços privados de saúde, bem como controlar e avaliar sua execução; controlar e fiscalizar os procedimentos dos serviços privados de saúde (art. 18, I, II, X e XI).

A Lei 8.080/90, além disso, prevê que as ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que integram o SUS serão desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no art. 198 da CF/88, obedecendo, entre outros, ao princípio da descentralização político-administrativa, com "ênfase na descentralização dos serviços para os Municípios" (art. 7º, IX, a).

Nesse contexto normativo, se os Municípios são os responsáveis pela execução das ações e serviços de saúde, bem como pela fiscalização da sua prestação pela iniciativa privada, obviamente também o são em relação à eventuais danos praticados por prepostos de Sociedade Beneficente conveniada.

Em resumo, o êxito da pretensão articulada pelos autores depende unicamente da comprovação da ocorrência de ação ou omissão ilícita, nexo de causalidade e do dano. Revelados tais pressupostos, de rigor o dever de indenizar, o qual recairá sobre ambos os demandados, ante os fundamentos acima concatenados.

Pois bem, assentadas tais premissas, entendo pela ocorrência de sucessivas falhas na prestação do serviço hospitalar oferecido pela Sociedade Beneficente, as quais, se não foram causa direta e eficiente da morte do infante N, ao menos configuraram como concausas determinantes para tanto.

E, neste ponto, antes mesmo de adentrar no caso específico, torna-se oportuno pincelar o contexto do ocorrido, em vista das notícias acostadas aos autos, que bem evidenciam o descontentamento dos cidadãos de X com os serviços prestados pelo Hospital e os múltiplos falecimentos de recém nascidos.

Segundo se denota da farta documentação de fls. 56/147, notadamente do relatório de fls. 113/116, entre agosto de 2005 até meados de 2007 foram registrados no Hospital demandado cinco óbitos de crianças e dois partos de natimortos. Tais dados ensejaram a instauração de Inquérito Civil pelo Ministério Público local, além da sucessiva lavratura de autos de infração (fls. 64, 70, 73, 76, 79, 82 e 85). O relatório de fls. 88/97 listou várias irregularidades no Hospital, variando da existência de fios elétricos expostos até a constatação de medicamentos com data de validade vencida (fl. 90).

A pressão midiática (fls. 120/147), aliada às avaliações desfavoráveis pelos Conselhos de Classe, impôs ao Município a edição do Decreto n. 3.456, de 20 de junho de 2007 (fls. 49/52), o qual instituiu uma Comissão de Gestão Provisória do Hospital, “com o objetivo de garantir o restabelecimento adequado dos serviços de saúde e eficiência desejável na prestação dos demais serviços hospitalares” (art. 1º). Todavia, fê-lo tarde, uma vez que, para os autores L e C, o dano já havia acontecido.

De acordo com o laudo pericial de fls. 311/322, N nasceu no dia XX/XX/XXXX, tendo o procedimento de parto se iniciado às 18:45h, durando aproximadamente uma hora. E, após o parto, infere-se do documento de fl. 207-v que a criança teria sido recebida pelo pediatra A. Uma vez submetida à avaliação de Apgar, verificou-se o escore 06/07 (1º e 5º minuto, respectivamente).

De acordo com o esclarecimento contido à fl. 314, o Apgar trata-se de uma “avaliação do grau de integridade física do recém-nascido, considerando as condições de saúde naquele momento, através de uma pontuação apropriada. Consideram-se como parâmetros, as observações feitas no primeiro e no quinto minuto do nascimento, levando-se em conta a freqüência cardíaca, respiração, tônus muscular, resposta a estímulos e coloração da pele. O escore varia de 01 a 10, definindo graus de comprometimento ou não da saúde do RN, assim como da necessidade ou não de cuidados intensivos”

O escore apurado (06/07), segundo o próprio pediatra Dr. A, “refere-se a uma asfixia leve” (fl. 372). No entanto, apesar do diagnóstico de asfixia, nenhuma atenção especial foi dada à criança. Nas próprias palavras do pediatra, “não houve a necessidade de ventilação ou oxigenação da criança após o nascimento em razão desse apgar; que o desconforto respiratório não chegou a chamar atenção do depoente a fim de proceder uma orientação especial.”

Claro que a conclusão alcançada mostrou-se equivocada. A “leve” asfixia evoluiu para insuficiência respiratória, sendo esta a causa da morte de N, de acordo com a certidão de óbito de fl. 40.

As próprias intercorrências anotadas na ficha de fl. 36-v apontam o desacerto da ilação médica e, ao mesmo tempo, afastam a absurda alegação trazida pelos demandados de que o óbito teria se dado em virtude de um chá fornecido pela avó da criança. Fosse este o caso – diga-se, negado com veemência pela própria à fl. 374 – não se aperceberia com a facilidade que se permite o agravamento do quadro do infante desde o seu nascimento até o óbito.

Ademais, a coroar o negligente procedimento adotado, reconheceu o referido pediatra “que geralmente o depoente já deixa uma receita pronta e uma autorização de alta médica”, tal qual alegado na inicial (fl. 04). A prática, em si, traduz-se em gritante descaso com o paciente. Ou bem o médico avalia seu quadro clínico e procede a alta médica, ou, então, nega-a. O que efetivamente não se afigura concebível é a prática de antecipar a alta sem a verdadeira análise de seu paciente. Tanto que, na espécie, o agravamento ocorreu na mesma tarde em que se sucedeu a liberação da genitora demandante e seu filho recém nascido.

Veja-se, outrossim, que a retratação oferecida pelo pediatra logo em seguida a assertiva lançada somente possui o condão de revelar, ainda mais, as práticas negligentes empregadas pelo Hospital demandado.

Procurando alterar o contexto dos fatos, após ser confrontado com a assertiva lançada à fl. 190, segundo parágrafo, onde alega a ré haver o médico avaliado o infante antes de liberá-lo, afirmou que “deve ter avaliado a criança e dado alta médica, e não deixado a alta anteriormente como de costume; que na realidade não tem certeza absoluta.

Mais adiante, após ser indagado se estava presente no Hospital quando da transferência de N para Y, disse não saber “se foi ou não foi até o local; que a idéia que o depoente tem, ou seja, o que acha, é que tenha dado orientação ao hospital de procurar a central de vagas para encaminhamento da criança, via telefone.” E, logo em seguida, em patente contradição, asseverou que “na realidade gostaria de se retratar, afirmando que assinou o documento às 19 horas do dia 06 de março solicitando a transferência do infante para Y, uma vez que o hospital de X não possui os recursos necessários.”

No entanto, se efetivamente estava no Hospital no momento em que ordenou a transferência, uma pergunta fica sem resposta: Porque então não teria o médico acompanhado seu paciente durante a transferência, conforme inclusive dispõe a Portaria GM 2048/2002? Isto nem o próprio soube explicar. Disse “que não tem idéia do porque não acompanhou a criança na transferência.”

E nem se alegue que o acompanhamento por médico não era necessário, sob o argumento de que o quadro apresentado não era grave. A médica F, responsável por atender a criança após a transferência para Y, disse à fl. 346 que o menor “se encontrava com insuficiência respiratória, gemente e mal estado geral. Já chegou nesta condição à Santa Casa de Y.”

Mas as irresponsabilidades não se resumiram a isso. Não bastasse o erro de diagnóstico e o inexplicável descaso do médico em acompanhar seu paciente durante viagem intermunicipal - mesmo presente no Hospital -, verificou-se que o prontuário médico do infante não o acompanhou durante o deslocamento.

Nas palavras da médica F (fl. 346): “A criança me foi apresentada por uma enfermeira do hospital de X, que não sabia quase nada sobre o caso. Eu recebi a criança no berçário. Ela foi trazida no colo da enfermeira sem qualquer dado referente a prévio acompanhamento clinico. A criança chegou à Santa Casa instável e sem condição de transporte. A citada instabilidade significa que a criança chegou em condições respiratórias deficientes e sem a devida monitoração. Nenhum médico se apresentou na entrega da criança.”

Conquanto a responsabilidade médica seja sabidamente de meio, ou seja, sem o compromisso da cura (obrigação de resultado), vincula-se o profissional na prestação de cuidados conscienciosos e atentos ao seu paciente. Em outros termos, segundo escólio de Carlos Roberto Gonçalves, “comprometem-se os médicos a tratar o cliente com zelo, utilizando-se dos recursos adequados, não se obrigando, contudo, a curar o doente. Serão, pois, civilmente responsabilizados somente quando ficar provada qualquer modalidade de culpa: imprudência, negligência ou imperícia” (in Direitos civil brasileiro, volume 4: responsabilidade civil. 5 ed. São Paulo, Saraiva, 2010).

Ainda que no caso em apreço a responsabilidade dos demandados seja objetiva, a desatenção médica deflagrada, aliada à inobservância das práticas regulares para transferência de pacientes em quadro clínico grave, resta por tornar evidente a negligência na atuação do Hospital demandado e, consequentemente, grave falha na prestação do serviço.

Tais lapsos, como se viu, foram determinantes para o agravamento do estado de saúde de N, afigurando-se verdadeiras concausas para o evento fatal. É o quanto basta para encerrar a responsabilidade dos réus em relação à pretensão deduzida.

Dando à questão contornos da teoria da perda uma chance, mutatis mutandis, assim vem se posicionando a mais recente jurisprudência: “Comporta-se contra a prudência médico que dá alta a paciente, a instâncias deste, apesar de seu estado febril não recomendar a liberação, e comunicado, posteriormente, do agravamento do quadro, prescreve sem vê-lo pessoalmente. O retardamento dos cuidados, se não provocou a doença fatal, tirou do paciente razoável chance de sobreviver”  (RJTJRGS, 158/214).

Assentado, assim, o preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil (condutas negligentes, dano e nexo de causalidade), passo a analisar individualmente os pedidos de reparação moral e material deduzidos, por reputar ser a forma mais didática de enfrentamento.

Do Dano Moral:

Indiscutível a dor, o sofrimento, a amargura e a tristeza que sofreram, sofrem e sofrerão os demandantes com a perda do filho querido. O dano moral, aqui, sequer necessita de prova testemunhal ou mesmo pericial, haja vista ser indissociável ao falecimento de N, considerando a condição de genitores dos demandantes.

Em outros termos, é presumível a ocorrência de dano moral aos pais pelo falecimento de filho, sendo irrelevante, para fins de reparação pelo referido dano, a idade do último no momento em que ocorrido o evento danoso.

Resta então a penosa tarefa de se dosar a indenização, porquanto haverá de ser feita em dinheiro, para compensar uma lesão que, por sua própria natureza, não se mede pelos padrões monetários.

Conforme leciona Humberto Theodoro Júnior, “o problema haverá de ser solucionado dentro do princípio do prudente arbítrio do julgador, sem parâmetros apriorísticos e à luz das peculiaridades de cada caso, principalmente em função do nível sócio-econômico dos litigantes e da maior ou menor gravidade da lesão” (in Alguns Impactos da Nova Ordem Constitucional sobre o Direito Civil, RT 662/9).

Vale dizer, nos termos anotados pelo Desembargador Antônio Rigolin, “a indenização pela reparação do dano moral deve ser fixada em valor que permita propiciar uma compensação razoável à vítima, a guardar conformidade com o grau da culpa e a influenciar no ânimo do ofensor, de modo a não repetir a conduta” (TJSP; Ap. c/ Rev. 589.890-00/1).

A rigor, o critério a ser utilizado deve considerar as condições pessoais e econômicas das partes, devendo o arbitramento operar-se com moderação e razoabilidade, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso, de forma a não haver o enriquecimento indevido dos ofendidos, bem como que sirva para desestimular os ofensores a repetir o ato ilícito.

Assim, levando-se em conta a condição econômica das partes (Hospital e Município com arrecadação elevada de um lado; pastor e dona de casa de outro), a natureza da lesão, a idade da vítima (três dias) e o número de autores (2), entendo por prudente fixar a indenização no montante sugerido na inicial (fl. 15), ou seja, em 300 salários mínimos, perfazendo, assim, um total de R$ 163.500,00.

Do Dano Material:

A título de dano material, requerem os autores o ressarcimento dos valores gastos com o enxoval, mobília e acessórios para o bebê, bem como “os débitos já pagos e os contraídos em razão do velório e sepultamento do recém nascido” (fl. 08).

Com efeito, o ressarcimento das despesas pelo luto vem expresso no art. 948, inc. I, do Código Civil. E, os documentos de fls. 54/55, indicam gastos no importe de R$2.606,50 para o sepultamento do infante. Assim, procede a pretensão neste particular.

Tocante aos gastos declinados à fl. 53 (compra de mobília infantil), não há como se atribuí-los aos réus, à guisa do que dispõe a teoria dos danos diretos e imediatos, notadamente em vista da incorporação dos bens ao patrimônio dos autores.  

Diante do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos veiculados na ação de indenização promovida por L e C em face da SOCIEDADE BENEFICENTE DE X e do MUNICÍPIO DE X, resolvendo, assim, o mérito da lide, ex vi do art. 269, inc. I, do Código de Processo Civil. Em conseqüência, CONDENO os réus, solidariamente, ao pagamento:

a) de indenização por danos morais fixada em R$163.500,00, corrigida monetariamente desde a data de seu arbitramento, ou seja, a presente, ex vi da Súmula 362 do STJ, pela Tabela Prática do Tribunal de Justiça. Os juros de mora, por seu turno, incidirão a partir do óbito (art. 398 do Código Civil), no patamar de 6% ao ano (art. 1°-F da Lei n° 9.494/97). A partir da entrada em vigor da Lei nº 11.960, no entanto, dever-se-á observar os índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados às cadernetas de poupança.

b) a indenização por danos materiais no montante de R$2.606,50, ante os gastos obtidos com o sepultamento do infante. Correção monetária, pela Tabela Prática do Tribunal de Justiça, a partir das datas lançadas às fls. 54/55. Os juros de mora, por seu turno, incidirão a partir da citação, no patamar de 6% ao ano (art. 1°-F da Lei n° 9.494/97). A partir da entrada em vigor da Lei nº 11.960, no entanto, dever-se-á observar os índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados às cadernetas de poupança.

Considerando que a parte vencedora decaiu de parte mínima do pedido, a perdedora responderá, por inteiro, pelas custas, despesas processuais e honorários advocatícios (ex vi  art. 21 parágrafo único, do CPC), estes arbitrados em 20% do valor total da condenação, sobre os quais incidirão correção e juros legais. Tudo em vista do grau de zelo, do lugar de prestação do serviço, da natureza e importância da causa, do trabalho realizado pelo(s) procurador(es) da parte vencedora e do tempo exigido, ex vi do § 3º do art. 20 do CPC.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Decorrido o prazo legal para a apresentação de eventuais recursos voluntários, remetam-se os autos à superior apreciação do Egrégio Tribunal de Justiça Bandeirante, para o reexame necessário.

Andradina (SP), 13 de outubro de 2011.
 
Paulo Alexandre Rodrigues Coutinho
          Juiz de Direito

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