28 de outubro de 2011

Um dia esplêndido - parte 1

Só lendo para compreender um pouco. Foi difícil traduzir e resumir em palavras tudo o que aconteceu. A emoção foi grande nesse dia 27 de outubro. Foi um daqueles dias em que restou renovado o orgulho de estar juiz. Orgulho de poder levar um pouco de felicidade para a vida das pessoas. 


  
CONCLUSÃO
Aos 27 de outubro de 2011, faço estes autos conclusos ao MM. Juiz Substituto, Dr. AYRTON VIDOLIN MARQUES JÚNIOR. Eu, _______________________, escrevente, subscrevo.

Execução Criminal n. 673.215
          Vistos, etc.
1.       Avoquei os presentes autos e, excepcionalmente, promoverei a sentenciada ao regime aberto, conforme se verá adiante.
2.       Primeiramente, observo que na execução relativa aos autos n. 174/1999 (segundo feito na ordem de encadeamento da sanfona processual de execução) em razão de fato ocorrido em 13.3.1999 foi aplicada à sentenciada a pena de 1 ano de reclusão em regime aberto e 10 dias-multa, tendo a pena privativa de liberdade sido substituída por restritiva de direitos. Todavia, em 16.10.2003 se iniciou a execução não da pena restritiva de direitos e sim da pena privativa de liberdade em regime aberto (consoante se infere do termo de aceitação e advertência). Além desse equívoco inicial, outras falhas foram sendo desencadeadas, pois olvidando que já se tratava de execução de regime aberto, em 24.9.2007 (quase quatro anos após iniciado o cumprimento do regime aberto) foi operada a conversão da pena restritiva de direitos (que, lembre-se, não estava em execução) em pena privativa de liberdade, realizando-se nova aceitação e advertência em 11.10.2007. Isso não bastasse, em 7.4.2009 operou-se a regressão ao regime semiaberto e a reeducanda resultou presa em 16.6.2011.
          Diante desse quadro, considerando que a sentenciada já havia iniciado a execução da pena de um ano de reclusão em 16.10.2003, tenho que a pena resultou cumprida e encerrada já em 15.10.2004.
          Destarte, julgo extinta a pena privativa de liberdade aplicada nos autos n. 174/1999.
3.       Por conseguinte, remanesce em execução apenas a pena que foi aplicada nos autos n. 176/2006 (primeiro feito da sanfona), que consiste em 3 anos, 4 meses e 25 dias de reclusão em regime inicial semiaberto e 33 dias-multa. Isso conduziria à possibilidade de progressão ao regime aberto em 8.1.2012 (conforme cálculo em anexo), eis que se encontra presa desde 16.6.2011.
4.       Ocorre que na presente data chegou a este juízo a informação de que na próxima segunda-feira (31.10.2011) a sentenciada seria transferida para estabelecimento penal próprio ao cumprimento do regime semiaberto, em outra cidade do Estado de São Paulo e distante desta Comarca de Pariquera-Açu.
          Por conta disso sobreveio indagação informal levada ao Ministério Público (que por sua vez a trouxe a conhecimento deste juízo) acerca da destinação que seria dada ao filho recém-nascido da sentenciada e se ele poderia ser levado ao abrigo de crianças e adolescentes de Pariquera-Açu. Também foi noticiado que a sentenciada se encontraria no hospital, acompanhada por escolta policial. Tal situação gerou perplexidade ao juízo, pois a princípio a criança deveria permanecer acompanhando a mãe.
          A partir de então este magistrado e a ilustre representante do Ministério Público se dirigiram até a maternidade do Hospital Regional Vale do Ribeira.
          Lá se constatou que a sentenciada não se encontrava no hospital, mas apenas o seu filho. Foi então estabelecido imediato contato pessoal com o doutor pediatra e a senhora enfermeira que estão tratando da criança.            
         Por eles foi relatado, em síntese, que: (a) a criança nasceu em 6 de outubro de 2011, cuidando-se de recém-nascido prematuro (idade gestacional de 28 semanas e 4 dias) e que se encontra internado na unidade neonatal de alto risco, com baixo peso e tratamento de infecção neonatal; (b) houveram anteriores indagações por parte da polícia militar e civil acerca da necessidade de condução da presa para amamentação, tendo sido repassado que o melhor alimento seria o leite materno e que a extração do leite materno deveria preferencialmente ocorrer a cada 3 horas, mas que em havendo impossibilidade poderia haver armazenamento ou substituição por fórmulas artificiais, sempre lembrando que o melhor alimento seria o leite materno fresco; (c) tais informações haviam sido repassadas para as autoridades mediante relatório médico, sendo que uma cópia dele foi imediatamente fornecida ao juízo (documento que segue em anexo); e (d) nos últimos dias não estava mais a presa sendo levada até a maternidade para extração do leite e isso está acarretando até mesmo diferença no ganho de peso da criança (o ganho está menor do que estaria com o leite materno).
          A partir disso foram formuladas a ambos algumas perguntas acerca da relação da presa com o filho, tendo eles respondido que ela aparenta ser boa mãe, atenciosa, preocupada com a situação do filho e em permanecer com ele. Narraram que ela se mostra afetuosa e extremamente angustiada com a sua situação, temendo ela que não pudesse ficar com o filho (porque alguém teria dito isso a ela na cadeia).
          Em seguida, o juízo e a ilustre promotora de justiça fizeram visita à criança, constatando pessoal e visualmente a sua situação.
          Na sequência, rumou-se para a cadeia pública local. Lá a presa foi entrevistada em separado. Na presença do juízo e do Ministério Público ela manifestou emoção e exprimiu sincera vontade de permanecer com seu filho, demonstrando grande angústia quanto à situação. Indagada sobre o que faria se pudesse sair da prisão, respondeu que correria para a maternidade para ficar com seu filho e que embora não tenha parentes na região, ficaria em uma casa de amparo a gestantes mantida pela sociedade, planejando morar em Iguape quando possível (local em que morava sua mãe) e se comprometendo a cumprir todas as condições que lhe fossem fixadas. Demonstrou também arrependimento quanto aos erros do passado e vontade em tornar melhor seu futuro, ao lado de seu filho recém-nascido.
          Diante desse quadro, este magistrado está convencido de que o cárcere não é o local atualmente adequado para a sentenciada e que a precariedade do aparato prisional estatal iria conduzir a situação desumana, pois iria separar uma mãe de um filho recém-nascido e prematuro; iria impingir demasiado sofrimento à sentenciada, causando-lhe pena (de índole sentimental e psicológica) muito mais gravosa do que o próprio encarceramento. Inclusive, a pena iria refletir negativamente na criança, a qual teria maiores dificuldades em sobreviver sem o alimento mais adequado (leite materno fresco). Ou seja, a punição ultrapassaria a pessoa da condenada, atingindo uma pessoinha que acabou de chegar a este mundo.
          Vale observar que as conversas mantidas pelo juízo e pelo Ministério Público junto ao hospital e na cadeia pública foram suficientes a convencer este magistrado de que a sentenciada vai mesmo cuidar de seu filho e procurará aproveitar essa oportunidade que lhe está sendo conferida. Não há indícios de que vá abandonar sua criança.
          Por tudo isso, reputo que no caso devem ser prestigiados os fundamentos da cidadania e da dignidade da pessoa humana, o preceito de que nenhuma pena passará da pessoa do condenado, a vedação a penas cruéis, a necessidade de assegurar à condenada condições para que possa permanecer com seu filho para a amamentação, e ainda a proteção à saúde, à alimentação, à maternidade e à infância.
          Logo, apesar de não estar preenchido o requisito objetivo à progressão de regime (previsto no artigo 112 da LEP), existe verdadeira plêiade de fundamentos constitucionais a permitir com que no caso concreto este juízo de execução excepcionalmente conceda prontamente a progressão de regime.   
          Diante do exposto, com fundamento no artigo 1º, incisos II e III, no artigo 5º, incisos XLV, XLVII (alínea “e”) e L, e no artigo 6º, todos da Constituição da República Federativa do Brasil, CONCEDO à sentenciada XXXXX a progressão ao regime aberto, mediante cumprimento às seguintes condições:
(a) Recolhimento em sua residência (ou na casa de amparo à gestante) nos dias úteis, feriados e finais de semana no horário compreendido entre as 22 e as 5 horas da manhã do dia seguinte. Deixo de determinar o recolhimento em casa de albergado em razão de falta dessa espécie de estabelecimento penal, não se prestando a cadeia pública para suprir-lhe a falta (LEP, art. 102).
(b) Exercer ocupação lícita e honesta.
(c) Não se ausentar dos limites territoriais da comarca em que reside por mais de oito dias sem prévia e expressa autorização judicial (ficando, no entanto, autorizada a residir na cidade de Iguape).
(d) Comparecer perante o juízo de execução deste Foro Distrital de Pariquera-Açu mensalmente para informar e justificar suas atividades.
          Excepcionalmente, deixo de fixar condição especial para o regime aberto em virtude das peculiaridades do caso concreto, pois a prestação de serviços poderia dificultar a recolocação profissional da sentenciada (que precisará encontrar meios lícitos de sobreviver na região) e também poderia trazer obstáculos à correta amamentação do recém-nascido.
          Realize-se aceitação e advertência.
          Expeça-se alvará de soltura clausulado.
          O término da pena está previsto para 9 de novembro de 2014.
          Publique-se. Registre-se. Intime-se.   
          Ciência ao Ministério Público e à advogada da FUNAP. 
          Pariquera-Açu, 27 de outubro de 2011.

AYRTON VIDOLIN MARQUES JÚNIOR
Juiz Substituto

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