8 de outubro de 2011

Seguro imobiliário


VISTOS PARA SENTENÇA.

A C, qualificada nos autos, ajuizou a presente ação de rescisão de contrato de promessa de compra e venda c.c. reintegração de posse em face de I e P, igualmente qualificados. Alegou, em síntese, haver celebrado com os requeridos contrato particular de promessa de compra e venda de unidade residencial localizada no Município de Andradina. No entanto, apesar das inúmeras cobranças, deixaram de efetuar os pagamentos de prestações vencidas em número superior a três, resultando infrutíferas todas tentativas de recebimento. Requereu a procedência da ação para declarar rescindido o contrato e reintegrá-la na posse do imóvel, condenando-se os réus à sucumbência. Deu à causa o valor e instruiu a inicial com os documentos necessários (fls 02/39).

Devidamente citados, os réus compareceram aos autos e apresentaram resposta na forma de contestação (fls. 42/98). Aduziram, em âmbito preliminar, incompetência do Juízo, ante o interesse da Caixa Econômica Federal no litígio. No mérito, alinhavaram que, com a aposentação por invalidez de I, caberia à autora outorgar a quitação do mútuo, em decorrência de expressa cláusula securitária. Ainda disseram ser descabida a perda dos valores já pagos à autora, em decorrência a aplicação do CDC à espécie. Também impugnaram a forma de cálculo dos valores devidos. Requereram, ao final, improcedência dos pedidos.

Houve réplica (fls. 101/129).

Infrutífera a composição (fls. 134/135), foi designada audiência de instrução e julgamento (fl. 144), oportunidade em que foram inquiridas três testemunhas dos réus (fls. 158/161). Juntados os documentos de fls. 166/196, a parte demandada se manifestou às fls. 199/200.
                             
É o breve relato. Fundamento e decido.

Trata-se de ação de rescisão de contrato, c/c com reintegração de posse ajuizada pela C em face de I e P.

A preliminar de incompetência do Juízo suscitada pelos demandados em sua peça de bloqueio não comporta guarida. E isso porque eventual sentença que venha a ser proferida nos autos apenas disporá sobre direitos e obrigações das partes contratantes, não afetando ou comprometendo qualquer interesse da Caixa Econômica Federal, gestora do Fundo de Compensação de Variação Salarial (FCVS).

Vale dizer, não obstante a Caixa Econômica Federal tenha fornecido empréstimo para a execução do empreendimento, o contrato de compra e venda se efetivou tão-somente entre a autora e os réus. O interesse da CEF estaria vinculado a contrato diverso entabulado com a própria C, figurando essa como credora hipotecária, uma vez que disponibiliza os recursos do FGTS por ela captados e administrados. A C, por sua vez, é regida pelas normas de Direito Privado por se tratar de sociedade de economia mista sujeita ao regime jurídico próprio das empresas privadas (tal como a COHAB); daí porque a competência da Justiça Estadual e não do pretendido foro privilegiado.

Afastada a preliminar de incompetência, reconheço presentes os pressupostos processuais de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo. Concorrem ao caso as condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual, entendidas como de direito abstrato. Também não vislumbro qualquer vício processual, estando ausentes as hipóteses dos artigos 267 e 295 do Código de Processo Civil.

A petição é apta e o procedimento corresponde à natureza da causa. A pretensão deduzida não carece de pedido ou causa de pedir. Ademais, o pedido é, em tese, juridicamente possível, não havendo incompatibilidade de pedidos, sendo que, a princípio, da narração dos fatos decorre logicamente a conclusão.

No mérito, improcedem os pedidos.

Alega a autora que os demandados se encontram inadimplementes quanto às parcelas do mútuo contraído desde fevereiro de 2007 e, por tais, razões, possui a prerrogativa de rescindir o contrato celebrado, visto que já devidamente notificados.

Opõem-se os réus à pretensão, aduzindo que a mutuária I, em decorrência de doenças contraídas, logrou se aposentar por invalidez. E, em poder da carta de concessão do benefício, cientificou a ré a respeito do ocorrido, ante a cobertura securitária contratada quando do mútuo, com abrangência de aposentadoria por invalidez.

Com efeito, quando da subscrição do contrato de fls. 13/23, serviu de objeto da avença, além da promessa de compra e venda do imóvel situado na rua XV, n. 18, quadra 31, desta Cidade, também a contratação de um seguro para danos físicos do bem e, ainda, de morte ou invalidez permanente do mutuário (item VI). No mesmo instrumento, na cláusula 17ª, consta o dever do promitente comprador em dar ciência imediata à COHAB/C a respeito do sinistro.

Nos instrumentos particulares de retificação e ratificação da promessa de compra e venda, conquanto alterados os valores, a contratação do seguro por morte ou invalidez permanente foi mantida (fls. 24/26 e 27/32).

A demandada I, por seu turno, faz prova de que em 30/03/2006 (fl. 64), ou seja, durante o período em que estava adimplente com as parcelas do mútuo (fls. 67/92), obteve aposentadoria por invalidez, retroativa a 16/04/2005.

A questão que depende de resolução, a rigor, reside em se perquirir se a comunicação da ré I à autora a respeito do sinistro – aposentação por invalidez -, deu-se dentro do prazo prescricional de um ano previsto no art. 206, §1º, inc. II, ‘b’, do Código Civil, bem como se, em caso negativo, a extemporaneidade teria o condão de lhe retirar a cobertura securitária.

Compulsando as provas carreadas, não se verifica qualquer documento indicativo de que a ré efetivamente tenha comunicado à autora a respeito do sinistro no prazo ânuo. As próprias testemunhas arroladas mostraram-se confusas e contraditórias para esta finalidade (fls. 158/161).

Veja-se que a testemunha Cr, à fl. 160, em prejuízo da prova que se pretendia obter, afirmou que a ré somente comunicou à autora a respeito do sinistro cerca de um ano e meio atrás, a despeito de estar aposentada há quase três anos. O quanto dito, outrossim, vai ao perfeito encontro do documento de fl. 171, onde consta que a comunicação referia teria se dado em abril de 2008, ou seja, mais de dois anos após o reconhecimento da invalidez para fins previdenciários.

Todavia, sem entrar em outras considerações, entre as quais, à da especificidade do seguro obrigatório e da finalidade notoriamente social do seguro habitacional exigido em financiamentos habitacionais pelo Sistema Financeiro de Habitação, atenta contra os princípios jurídicos à argüição de prescrição por seguradora que continua a receber o prêmio pago pelo segurado ou pelo beneficiário.

Ora, se o prêmio vinha sendo pago e recebido pela seguradora é porque ainda era possível a indenização securitária, máxime considerando que ela não abrange somente prestações vencidas, senão as vincendas e por inteiro.

É também o que se verifica dos preceitos consumeristas, pelos quais, em contratos de massa, como o versado nos autos, deve a parte proponente enunciar com clareza as restrições a direitos do aderente, pessoa reconhecidamente humilde e hipossuficiente, no caso, a sistemática de comunicação do sinistro segurado.

Aliás, de bom alvitre relembrar que nos contratos de adesão (art. 54 do CDC), caso dos autos, “as cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão”, o que não verificado nos instrumentos acostados à inicial.

Em resumo, o fato de prosseguir a ré I no pagamento das parcelas do contrato de seguro, mesmo após sua aposentação por invalidez, revela sua boa-fé no cumprimento da avença, de modo que a comunicação tardia do sinistro não pode servir de fundamento para afastar a cobertura securitária que lhe era prevista.

E, assim sendo, não há como se endossar a mora alegada na inicial, motivadora da rescisão do contrato celebrado e da reintegração de posse visada, visto que o período de inadimplência é posterior ao da ciência inequívoca do sinistro por parte da mutuaria.

Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos deduzidos na presente ação de rescisão de contrato de promessa de compra e venda c.c. reintegração de posse ajuizada pela C em face de I e P. Em conseqüência, RESOLVO o mérito da lide, e o faço com fundamento no artigo 269 inciso I, primeira parte, do Código de Processo Civil.

Sucumbente, a parte perdedora arcará com o pagamento das custas, das despesas processuais e dos honorários advocatícios, arbitrados estes, por equidade, em R$ 1.000,00, sobre os quais incidirão correção e juros legais. Tudo em vista do grau de zelo, do lugar de prestação do serviço, da natureza e importância da causa, do trabalho realizado pelo(s) procurador(es) da parte vencedora e do tempo exigido, ex vi do § 4º do art. 20 do CPC.

Publique-se. Registre-se Intimem-se. Transitada esta sentença em julgado, ao arquivo, com as cautelas de estilo.

Andradina (SP), 06 de setembro de 2011.
  
Paulo Alexandre Rodrigues Coutinho
              Juiz de Direito

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