1ª Vara Judicial da
Comarca de Amparo
Autos nº 1480/2008
Autores:
O e A
Ré: X Construtora Ltda.
Reconvinte: X Construtora Ltda.
Reconvindos: O e A
S E N T E N Ç A
Vistos.
1. Relatório:
Na
lide principal
O e A narraram que adquiriram dois
apartamentos (números 115 e 118), que deveriam estar concluídos até outubro de
2004 (já considerando a tolerância contratualmente prevista), mas que não
ficaram prontos, além de a obra ter sido executada de forma precária e contendo
irregularidades. Concluíram pedindo: (a) indenização por lucros cessantes
(equivalente ao valor de locação mensal dos apartamentos); (b) reparação civil
por danos morais em função do atraso na obra; (c) cancelamento das cobranças de
condomínio; (d) restituição das despesas com laudo técnico e avaliações; (d)
imposição da obrigação de fazer consistente na conclusão das obras; e (e)
imissão na posse dos apartamentos (fls. 2-14).
A ré
contestou invocando exceção de contrato não cumprido em razão de que os autores
inadimpliram obrigações, tendo eles efetuado pagamentos em valores menores do
que os devidos e alterando o projeto original. Aduziu que as chaves já estão em
poder dos autores. Contrariou os pedidos de indenização (fls. 305-319).
Na
lide secundária
a empresa X Construtora Ltda. formulou reconvenção na
qual pretende obter indenização pelos valores gastos a mais para suprir as
alterações feitas pelos autores, cobrar os valores inadimplidos e os valores
pagos a terceiros (fls. 506-509).
Os
reconvindos apresentaram contrariedade sob os argumentos de que os pedidos
apresentados na reconvenção contrariam a boa-fé e em virtude de que a
reconvinte não pagou qualquer valor a mais do que devido (fls. 531-537).
As
réplicas foram apresentadas (fls. 515-528 e 547-550).
O
processo foi saneado (fl. 557).
Realizou-se
perícia (fls. 596-606 e complementos de fls. 759-762 e 788-789).
As
partes tiveram oportunidades para se manifestarem sobre a perícia e para
apresentar pareceres por assistentes técnicos.
É o
relatório. Decido.
2. Fundamentação:
Reputo
que os elementos de convicção já carreados aos autos são mais do que
suficientes à formação da convicção jurisdicional, não havendo necessidade de
produção de prova em audiência. Passo, pois, ao pronto julgamento do feito.
Para
melhor encadeamento do raciocínio, inicio pela lide secundária.
Não
merecem acolhimento o pedido indenizatório e a cobrança de valores pagos a
terceiros. É que não há qualquer indício (sequer mínimo) de que a reconvinte
tenha feito alterações no imóvel solicitadas pelos compradores, sendo óbvio que
por ser a reconvinte empresa do ramo imobiliário não deliberaria por fazer
alterações solicitadas sem que houvesse aditivos contratuais ou algum outro
documento que tornasse clara tal negociação e os valores acrescidos. Muito pelo
contrário, as principais alterações entre o projeto original e a construção
decorrem de elementos diferentes entre o projeto apresentado ao poder público e
aquele anunciado pela reconvinte aos compradores (fl. 729, da qual se constata
a presença no folder de piscina). E
tanto é assim que os demais apartamentos de cobertura também possuem piscina (fl.
761). Ou seja, as principais divergências entre o projeto e as alterações decorrem
do quanto já ajustado e já contido no preço desde o início da avença. A rigor, o
que houve foi um procedimento irregular da reconvinte que desde o início
anunciou ao público apartamentos diferentes daqueles contidos no projeto
aprovado junto ao Município.
Quanto
aos valores que não foram pagos pelos autores em relação às prestações, há
neste aspecto procedência da reconvenção, eis que na própria petição inicial os
autores informaram que deixaram de pagar prestações a partir do momento em que
concluíram que não receberiam os imóveis em condições adequadas. Todavia, deixo
de fixar condenação dos reconvindos a esse respeito, pois considerarei os
valores respectivos para mensurar os danos morais da lide principal (que serão
fixados em patamar inferior ao que seriam fixados se não fosse esse valor
pendente).
Prossigo
agora à lide principal.
A
prova encartada aos autos permite a segura conclusão de que a ré não
cumpriu com o avençado, pois descumpriu de modo excessivo o prazo para
conclusão das obras (sendo de se ressaltar que entre a perícia e uma das
complementações do laudo não houve qualquer alteração na construção, mesmo já
tendo passado grande lapso de tempo – fl. 788), executou a construção com pluralidade
de irregularidades construtivas (fls. 604-606), nem mesmo regularizou a
responsabilidade técnica junto ao Município após o falecimento do responsável
técnico inicial (fl. 597) e tampouco obteve a aprovação do corpo de bombeiros
(fl. 582).
As
fotografias encartadas aos autos falam por si sós (fls. 201-233 e 627-695). Saltam
aos olhos as graves falhas na construção.
Do
bem lançado laudo pericial (que merece ser acolhido pelo juízo em razão da
idoneidade do perito e da qualidade do trabalho por ele desempenhado) merece
destaque que: (a) a obra não tem termo de conclusão (fl. 597); (b) outros
apartamentos de cobertura também não estão prontos (fl. 597, o que faz ruir a
tese defensiva de que a não conclusão decorreu do inadimplemento pelos autores
de suas obrigações); (c) ao que tudo indica muitos outros apartamentos também
apresentam problemas de construção (fl. 598, sendo de se destacar que a ré até
mesmo impediu o perito de ter acesso a outros apartamentos); (d) muitos itens
importantes, a exemplo da parte elétrica e hidráulica, não estão concluídos (fl.
600); e (e) inúmeros problemas foram constatados na construção (fls. 604-606).
É de
todo inadmissível a invocação pela ré da exceção do contrato não cumprido, pois
enquanto os autores adimpliram
substancialmente (fls. 50-192) com os pagamentos pelos apartamentos, a ré passou
muito longe de realizar adequadamente a obra e de concluí-la no prazo ajustado.
Aliás, está bem claro que os autores somente deixaram de pagar as prestações depois
que já fazia muito tempo que havia se expirado o prazo para conclusão da obra
pela ré, o que torna claro que o descumprimento contratual é imputável à ré.
Ainda,
como já visto, as alterações entre o projeto original e a construção que estava
em execução não decorrem de meros caprichos dos autores, mas de alterações decorrentes
da própria oferta de apartamento lançada pela ré no mercado.
Aliás,
tornando inafastável a mora da ré tem-se que mesmo passado muito tempo do
ajuizamento da demanda não foram providenciadas obras que permitissem a
habitabilidade dos imóveis.
Nesse
contexto é de rigor a procedência da obrigação de fazer, devendo ser facultado
desde logo aos autores que alternativamente providenciem a reforma dos
apartamentos para a eles conferir condições de habitabilidade (hipótese em que
a execução desse ponto da sentença se pautará pelas perdas e danos
equivalentes).
Resta
apurar os demais danos experimentados pelos autores.
Incidem
lucros cessantes. A toda evidência os autores ficaram e estão indevidamente tolhidos
do uso dos apartamentos desde o prazo final de entrega (outubro de 2004) até a
imissão efetiva na posse. A reparação dos lucros cessantes em relação a esse
período deve se dar pelo valor equivalente à média de mercado para locação
mensal, pois os autores poderiam estar alugando os apartamentos ou neles
morando (com a locação ou venda dos imóveis em que atualmente residem). Nesse
ponto, muito embora os autores tenham trazido aos autos o valor de R$ 1.200,00
para cada um dos apartamentos (fls. 235 e 236), a perícia constatou valores
mais baixos em apartamentos semelhantes (mas não idênticos – fl. 601). Diante
disso, reputo adequado acolher como valor de locação a estimativa média apresentada
pela ré (fls. 467-469), o que resulta no valor mensal de R$ 600,00 para cada
apartamento.
Como
a ré descumpriu com suas obrigações contratuais, deve ela restituir
integralmente as despesas dos autores, motivo pelo qual é devida a reparação
civil pelas despesas com o laudo técnico de vistoria (fl. 234) e com as
estimativas de locação (fls. 237-238).
O
cancelamento das cobranças de condomínio não é adequado em razão de que traria
prejuízo aos demais condôminos. Todavia, o pedido deve receber prestação
equivalente, consistente na imposição da ré em ressarcir aos autores todas as
despesas que tiverem com condomínio até a imissão efetiva na posse dos
apartamentos, também como forma de recomposição integral do patrimônio dos
autores que foi lesado por conduta da ré.
E
também estão presentes danos morais.
Primeiro,
porque a obra atrasou e ainda está atrasada em tempo absurdamente excessivo
(pois era para ter sido concluída em outubro de 2004).
Segundo,
porque ainda está longe de se obter condições de habitabilidade nos
apartamentos, porquanto para a correção das falhas de construção estime-se que
serão necessários aproximadamente seis meses de obra (fls. 788-789).
Terceiro,
em razão de que a ré apresentou conduta desidiosa inclusive durante o trâmite
processual, pois em nenhum momento cuidou de conferir condições mínimas de
habitabilidade aos apartamentos, inclusive deixando as obras paralisadas.
Quarto,
porque os autores foram tratados de modo desidioso, sendo submetidos a inúmeras
idas e vindas para conseguir obter direitos que claramente possuem. Esse quadro
de desídia, a meu entender, transborda o mero dissabor decorrente do desacerto negocial
e se afigura hábil a aviltar a dignidade dos consumidores, tornando presente o
dano moral. Como bem anota o ilustre magistrado paulista Eurico Leonel Peixoto
Filho, a “frustração deixa de ser natural
e passa a configurar verdadeiro sofrimento moral quando o consumidor começa uma
via sacra em busca de um direito seu (...). De fato, as idas e vindas na busca
da resolução do problema ocasionam irritações, transtornos e frustrações que
transcendem os meros aborrecimentos decorrentes de prejuízos materiais. Esses
sofrimentos morais, portanto, devem ser indenizados”.
Cumpre,
então, mensurar o valor da indenização.
Atentando
que a fixação deve ser suficiente a recompensar os lesados (sem ser irrisória
e, ao mesmo tempo, sem se constituir em causa de enriquecimento indevido), bem
como sopesando no caso as condições econômicas da ré (sólida empresa do
lucrativo ramo imobiliário, ramo esse que inclusive se encontra aquecidíssimo
em Aparo) e dos autores (empresários), a intensidade das ofensas (que, como já
visto, foram plúrimas e que persistem até o momento e perdurarão ainda por
expressivo lapso temporal, valendo lembrar que tolhem os autores de utilizar
importantes bens: imóveis), os valores envolvidos no litígio, a suficiência
para coibir a reiteração de condutas semelhantes pela ré e levando já em
consideração (como abatimento) o valor que era devido pelos autores pelas
parcelas que não haviam sido pagas (conforme assinalado quando do exame da lide
secundária), reputo coerente e proporcional a mensuração do valor para
reparação dos danos morais na quantia de R$ 100.000,00 (cem mil reais) para
cada um dos autores.
3. Dispositivo:
Diante
do exposto:
(a) IMPONHO à ré a
obrigação de fazer consistente em concluir as obras nos apartamentos,
corrigindo os defeitos constatados na perícia (fls. 627-695) e atribuindo aos
imóveis condições de habitabilidade, no prazo de 6 (seis) meses contados do
trânsito em julgado da presente sentença, sob pena de multa no valor de R$
300.000,00 (trezentos mil reais). Faculto aos autores, alternativamente,
que se imitam imediatamente na posse dos apartamentos e realizem diretamente as
obras necessárias, hipótese esta em que a execução deste tópico se dará pelo
equivalente em perdas e danos.
(b) CONDENO a ré a
pagar aos autores reparação civil por lucros cessantes em relação ao
apartamento número 115 na quantia R$ 600,00 (seiscentos reais) por mês, desde outubro
de 2004 até a conclusão da obrigação de fazer assinalada no item “a” (ou até
que os autores se imitam na posse efetiva dos apartamentos, caso desejem fazer
uso dessa faculdade), com correção monetária a partir de cada vencimento (pela
Tabela Prática do Tribunal de Justiça) e juros de mora de 1% ao mês, estes
contados desde a citação (28.10.2008).
(c) CONDENO a ré a
pagar aos autores reparação civil por lucros cessantes em relação ao
apartamento número 118 na quantia R$ 600,00 (seiscentos reais) por mês, desde
outubro de 2004 até a conclusão da obrigação de fazer assinalada no item “a”
(ou até que os autores se imitam na posse efetiva dos apartamentos, caso
desejem fazer uso dessa faculdade), com correção monetária a partir de cada
vencimento (pela Tabela Prática do Tribunal de Justiça) e juros de mora de 1%
ao mês, estes contados desde a citação (28.10.2008).
(d) CONDENO a ré a
pagar aos autores a quantia de R$ 3.000,00, referente à reparação civil em
relação a despesas com laudo técnico, com correção monetária desde o desembolso
em 27.2.2008 (pela Tabela Prática do Tribunal de Justiça) e juros de mora de 1%
ao mês, estes contados desde a citação (28.10.2008).
(e) CONDENO a ré a
pagar aos autores a quantia de R$ 150,00, referente à reparação civil em
relação a despesas com avaliação imobiliária, com correção monetária desde o
desembolso em 27.8.2008 (pela Tabela Prática do Tribunal de Justiça) e juros de
mora de 1% ao mês, estes contados desde a citação (28.10.2008).
(f) CONDENO a ré a
ressarcir aos autores todas as despesas que eles tiverem com a taxa de
condomínio até a conclusão da obrigação de fazer assinalada no item “a” (ou até
que os autores se imitam na posse efetiva dos apartamentos, caso desejem fazer
uso dessa faculdade), com correção monetária a partir dos desembolsos (pela
Tabela Prática do Tribunal de Justiça).
(g) CONDENO a ré a
pagar ao autor O reparação civil por danos morais no
montante de R$ 100.000,00 (cem mil reais), com correção monetária pela Tabela
Prática do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e juros moratórios de 1%
(um por cento) ao mês, ambos contados a partir da presente data (momento em que
o valor foi arbitrado – Súmula n. 362 do STJ).
(h) CONDENO a ré a
pagar à autora A reparação civil por danos morais no montante
de R$ 100.000,00 (cem mil reais), com correção monetária pela Tabela Prática do
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e juros moratórios de 1% (um por
cento) ao mês, ambos contados a partir da presente data (momento em que o valor
foi arbitrado – Súmula n. 362 do STJ).
(I) JULGO
IMPROCEDENTES os pedidos contidos na reconvenção relativos à pretensão
indenizatória e à cobrança de valores pagos a terceiros.
(J) JULGO PROCEDENTE
o pedido contido na reconvenção relativo à cobrança das prestações que não
foram pagas adequadamente, todavia, deixo de condenar os autores ao pagamento
de qualquer quantia em razão de que os valores correspondentes já foram
considerados para mensuração dos danos morais devidos pela ré.
Considerando que os autores/reconvindos
decaíram em parte mínima, condeno a
ré/reconvinte ao pagamento das custas e despesas processuais das lides
principal e secundária, bem como ao pagamento de honorários advocatícios em
favor do patrono dos autores, honorários esses que fixo em 20% do valor total das
condenações (somatório dos itens “b”, “c”, “d”, “e”, “f”, “g” e “h” do
dispositivo), sopesando para tanto a qualidade e o grande tempo do trabalho
desenvolvido, sem perder de vista que a nobre profissão da advocacia merece ser
bem remunerada em causas de vulto (como a presente).
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Amparo,
autodata.
AYRTON VIDOLIN MARQUES JÚNIOR
Juiz Substituto
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