9 de setembro de 2012

Atraso em entrega de apartamento


1ª Vara Judicial da Comarca de Amparo
Autos nº 1480/2008

Autores:                   O e A
Ré:                            X Construtora Ltda.

Reconvinte:              X Construtora Ltda.
Reconvindos:            O e A

S  E  N  T  E  N  Ç  A

Vistos.
1. Relatório:
Na lide principal O e A narraram que adquiriram dois apartamentos (números 115 e 118), que deveriam estar concluídos até outubro de 2004 (já considerando a tolerância contratualmente prevista), mas que não ficaram prontos, além de a obra ter sido executada de forma precária e contendo irregularidades. Concluíram pedindo: (a) indenização por lucros cessantes (equivalente ao valor de locação mensal dos apartamentos); (b) reparação civil por danos morais em função do atraso na obra; (c) cancelamento das cobranças de condomínio; (d) restituição das despesas com laudo técnico e avaliações; (d) imposição da obrigação de fazer consistente na conclusão das obras; e (e) imissão na posse dos apartamentos (fls. 2-14).
A ré contestou invocando exceção de contrato não cumprido em razão de que os autores inadimpliram obrigações, tendo eles efetuado pagamentos em valores menores do que os devidos e alterando o projeto original. Aduziu que as chaves já estão em poder dos autores. Contrariou os pedidos de indenização (fls. 305-319).
Na lide secundária a empresa X Construtora Ltda. formulou reconvenção na qual pretende obter indenização pelos valores gastos a mais para suprir as alterações feitas pelos autores, cobrar os valores inadimplidos e os valores pagos a terceiros (fls. 506-509).
Os reconvindos apresentaram contrariedade sob os argumentos de que os pedidos apresentados na reconvenção contrariam a boa-fé e em virtude de que a reconvinte não pagou qualquer valor a mais do que devido (fls. 531-537).
As réplicas foram apresentadas (fls. 515-528 e 547-550).
O processo foi saneado (fl. 557).
Realizou-se perícia (fls. 596-606 e complementos de fls. 759-762 e 788-789).
As partes tiveram oportunidades para se manifestarem sobre a perícia e para apresentar pareceres por assistentes técnicos.
É o relatório. Decido.

2. Fundamentação:
Reputo que os elementos de convicção já carreados aos autos são mais do que suficientes à formação da convicção jurisdicional, não havendo necessidade de produção de prova em audiência. Passo, pois, ao pronto julgamento do feito.
Para melhor encadeamento do raciocínio, inicio pela lide secundária.
Não merecem acolhimento o pedido indenizatório e a cobrança de valores pagos a terceiros. É que não há qualquer indício (sequer mínimo) de que a reconvinte tenha feito alterações no imóvel solicitadas pelos compradores, sendo óbvio que por ser a reconvinte empresa do ramo imobiliário não deliberaria por fazer alterações solicitadas sem que houvesse aditivos contratuais ou algum outro documento que tornasse clara tal negociação e os valores acrescidos. Muito pelo contrário, as principais alterações entre o projeto original e a construção decorrem de elementos diferentes entre o projeto apresentado ao poder público e aquele anunciado pela reconvinte aos compradores (fl. 729, da qual se constata a presença no folder de piscina). E tanto é assim que os demais apartamentos de cobertura também possuem piscina (fl. 761). Ou seja, as principais divergências entre o projeto e as alterações decorrem do quanto já ajustado e já contido no preço desde o início da avença. A rigor, o que houve foi um procedimento irregular da reconvinte que desde o início anunciou ao público apartamentos diferentes daqueles contidos no projeto aprovado junto ao Município.
Quanto aos valores que não foram pagos pelos autores em relação às prestações, há neste aspecto procedência da reconvenção, eis que na própria petição inicial os autores informaram que deixaram de pagar prestações a partir do momento em que concluíram que não receberiam os imóveis em condições adequadas. Todavia, deixo de fixar condenação dos reconvindos a esse respeito, pois considerarei os valores respectivos para mensurar os danos morais da lide principal (que serão fixados em patamar inferior ao que seriam fixados se não fosse esse valor pendente).
Prossigo agora à lide principal.
A prova encartada aos autos permite a segura conclusão de que a ré não cumpriu com o avençado, pois descumpriu de modo excessivo o prazo para conclusão das obras (sendo de se ressaltar que entre a perícia e uma das complementações do laudo não houve qualquer alteração na construção, mesmo já tendo passado grande lapso de tempo – fl. 788), executou a construção com pluralidade de irregularidades construtivas (fls. 604-606), nem mesmo regularizou a responsabilidade técnica junto ao Município após o falecimento do responsável técnico inicial (fl. 597) e tampouco obteve a aprovação do corpo de bombeiros (fl. 582).
As fotografias encartadas aos autos falam por si sós (fls. 201-233 e 627-695). Saltam aos olhos as graves falhas na construção.
Do bem lançado laudo pericial (que merece ser acolhido pelo juízo em razão da idoneidade do perito e da qualidade do trabalho por ele desempenhado) merece destaque que: (a) a obra não tem termo de conclusão (fl. 597); (b) outros apartamentos de cobertura também não estão prontos (fl. 597, o que faz ruir a tese defensiva de que a não conclusão decorreu do inadimplemento pelos autores de suas obrigações); (c) ao que tudo indica muitos outros apartamentos também apresentam problemas de construção (fl. 598, sendo de se destacar que a ré até mesmo impediu o perito de ter acesso a outros apartamentos); (d) muitos itens importantes, a exemplo da parte elétrica e hidráulica, não estão concluídos (fl. 600); e (e) inúmeros problemas foram constatados na construção (fls. 604-606).
É de todo inadmissível a invocação pela ré da exceção do contrato não cumprido, pois enquanto os autores adimpliram substancialmente (fls. 50-192) com os pagamentos pelos apartamentos, a ré passou muito longe de realizar adequadamente a obra e de concluí-la no prazo ajustado. Aliás, está bem claro que os autores somente deixaram de pagar as prestações depois que já fazia muito tempo que havia se expirado o prazo para conclusão da obra pela ré, o que torna claro que o descumprimento contratual é imputável à ré.
Ainda, como já visto, as alterações entre o projeto original e a construção que estava em execução não decorrem de meros caprichos dos autores, mas de alterações decorrentes da própria oferta de apartamento lançada pela ré no mercado.
Aliás, tornando inafastável a mora da ré tem-se que mesmo passado muito tempo do ajuizamento da demanda não foram providenciadas obras que permitissem a habitabilidade dos imóveis.
Nesse contexto é de rigor a procedência da obrigação de fazer, devendo ser facultado desde logo aos autores que alternativamente providenciem a reforma dos apartamentos para a eles conferir condições de habitabilidade (hipótese em que a execução desse ponto da sentença se pautará pelas perdas e danos equivalentes).
Resta apurar os demais danos experimentados pelos autores.
Incidem lucros cessantes. A toda evidência os autores ficaram e estão indevidamente tolhidos do uso dos apartamentos desde o prazo final de entrega (outubro de 2004) até a imissão efetiva na posse. A reparação dos lucros cessantes em relação a esse período deve se dar pelo valor equivalente à média de mercado para locação mensal, pois os autores poderiam estar alugando os apartamentos ou neles morando (com a locação ou venda dos imóveis em que atualmente residem). Nesse ponto, muito embora os autores tenham trazido aos autos o valor de R$ 1.200,00 para cada um dos apartamentos (fls. 235 e 236), a perícia constatou valores mais baixos em apartamentos semelhantes (mas não idênticos – fl. 601). Diante disso, reputo adequado acolher como valor de locação a estimativa média apresentada pela ré (fls. 467-469), o que resulta no valor mensal de R$ 600,00 para cada apartamento.
Como a ré descumpriu com suas obrigações contratuais, deve ela restituir integralmente as despesas dos autores, motivo pelo qual é devida a reparação civil pelas despesas com o laudo técnico de vistoria (fl. 234) e com as estimativas de locação (fls. 237-238).
O cancelamento das cobranças de condomínio não é adequado em razão de que traria prejuízo aos demais condôminos. Todavia, o pedido deve receber prestação equivalente, consistente na imposição da ré em ressarcir aos autores todas as despesas que tiverem com condomínio até a imissão efetiva na posse dos apartamentos, também como forma de recomposição integral do patrimônio dos autores que foi lesado por conduta da ré.
E também estão presentes danos morais.  
Primeiro, porque a obra atrasou e ainda está atrasada em tempo absurdamente excessivo (pois era para ter sido concluída em outubro de 2004).
Segundo, porque ainda está longe de se obter condições de habitabilidade nos apartamentos, porquanto para a correção das falhas de construção estime-se que serão necessários aproximadamente seis meses de obra (fls. 788-789).
Terceiro, em razão de que a ré apresentou conduta desidiosa inclusive durante o trâmite processual, pois em nenhum momento cuidou de conferir condições mínimas de habitabilidade aos apartamentos, inclusive deixando as obras paralisadas.
Quarto, porque os autores foram tratados de modo desidioso, sendo submetidos a inúmeras idas e vindas para conseguir obter direitos que claramente possuem. Esse quadro de desídia, a meu entender, transborda o mero dissabor decorrente do desacerto negocial e se afigura hábil a aviltar a dignidade dos consumidores, tornando presente o dano moral. Como bem anota o ilustre magistrado paulista Eurico Leonel Peixoto Filho, a “frustração deixa de ser natural e passa a configurar verdadeiro sofrimento moral quando o consumidor começa uma via sacra em busca de um direito seu (...). De fato, as idas e vindas na busca da resolução do problema ocasionam irritações, transtornos e frustrações que transcendem os meros aborrecimentos decorrentes de prejuízos materiais. Esses sofrimentos morais, portanto, devem ser indenizados”.
Cumpre, então, mensurar o valor da indenização.
Atentando que a fixação deve ser suficiente a recompensar os lesados (sem ser irrisória e, ao mesmo tempo, sem se constituir em causa de enriquecimento indevido), bem como sopesando no caso as condições econômicas da ré (sólida empresa do lucrativo ramo imobiliário, ramo esse que inclusive se encontra aquecidíssimo em Aparo) e dos autores (empresários), a intensidade das ofensas (que, como já visto, foram plúrimas e que persistem até o momento e perdurarão ainda por expressivo lapso temporal, valendo lembrar que tolhem os autores de utilizar importantes bens: imóveis), os valores envolvidos no litígio, a suficiência para coibir a reiteração de condutas semelhantes pela ré e levando já em consideração (como abatimento) o valor que era devido pelos autores pelas parcelas que não haviam sido pagas (conforme assinalado quando do exame da lide secundária), reputo coerente e proporcional a mensuração do valor para reparação dos danos morais na quantia de R$ 100.000,00 (cem mil reais) para cada um dos autores.
3. Dispositivo:
Diante do exposto:
(a) IMPONHO à ré a obrigação de fazer consistente em concluir as obras nos apartamentos, corrigindo os defeitos constatados na perícia (fls. 627-695) e atribuindo aos imóveis condições de habitabilidade, no prazo de 6 (seis) meses contados do trânsito em julgado da presente sentença, sob pena de multa no valor de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais). Faculto aos autores, alternativamente, que se imitam imediatamente na posse dos apartamentos e realizem diretamente as obras necessárias, hipótese esta em que a execução deste tópico se dará pelo equivalente em perdas e danos.
(b) CONDENO a ré a pagar aos autores reparação civil por lucros cessantes em relação ao apartamento número 115 na quantia R$ 600,00 (seiscentos reais) por mês, desde outubro de 2004 até a conclusão da obrigação de fazer assinalada no item “a” (ou até que os autores se imitam na posse efetiva dos apartamentos, caso desejem fazer uso dessa faculdade), com correção monetária a partir de cada vencimento (pela Tabela Prática do Tribunal de Justiça) e juros de mora de 1% ao mês, estes contados desde a citação (28.10.2008).
(c) CONDENO a ré a pagar aos autores reparação civil por lucros cessantes em relação ao apartamento número 118 na quantia R$ 600,00 (seiscentos reais) por mês, desde outubro de 2004 até a conclusão da obrigação de fazer assinalada no item “a” (ou até que os autores se imitam na posse efetiva dos apartamentos, caso desejem fazer uso dessa faculdade), com correção monetária a partir de cada vencimento (pela Tabela Prática do Tribunal de Justiça) e juros de mora de 1% ao mês, estes contados desde a citação (28.10.2008).
(d) CONDENO a ré a pagar aos autores a quantia de R$ 3.000,00, referente à reparação civil em relação a despesas com laudo técnico, com correção monetária desde o desembolso em 27.2.2008 (pela Tabela Prática do Tribunal de Justiça) e juros de mora de 1% ao mês, estes contados desde a citação (28.10.2008).
(e) CONDENO a ré a pagar aos autores a quantia de R$ 150,00, referente à reparação civil em relação a despesas com avaliação imobiliária, com correção monetária desde o desembolso em 27.8.2008 (pela Tabela Prática do Tribunal de Justiça) e juros de mora de 1% ao mês, estes contados desde a citação (28.10.2008).
(f) CONDENO a ré a ressarcir aos autores todas as despesas que eles tiverem com a taxa de condomínio até a conclusão da obrigação de fazer assinalada no item “a” (ou até que os autores se imitam na posse efetiva dos apartamentos, caso desejem fazer uso dessa faculdade), com correção monetária a partir dos desembolsos (pela Tabela Prática do Tribunal de Justiça).
(g) CONDENO a ré a pagar ao autor O reparação civil por danos morais no montante de R$ 100.000,00 (cem mil reais), com correção monetária pela Tabela Prática do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e juros moratórios de 1% (um por cento) ao mês, ambos contados a partir da presente data (momento em que o valor foi arbitrado – Súmula n. 362 do STJ).
(h) CONDENO a ré a pagar à autora A reparação civil por danos morais no montante de R$ 100.000,00 (cem mil reais), com correção monetária pela Tabela Prática do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e juros moratórios de 1% (um por cento) ao mês, ambos contados a partir da presente data (momento em que o valor foi arbitrado – Súmula n. 362 do STJ).
(I) JULGO IMPROCEDENTES os pedidos contidos na reconvenção relativos à pretensão indenizatória e à cobrança de valores pagos a terceiros.
(J) JULGO PROCEDENTE o pedido contido na reconvenção relativo à cobrança das prestações que não foram pagas adequadamente, todavia, deixo de condenar os autores ao pagamento de qualquer quantia em razão de que os valores correspondentes já foram considerados para mensuração dos danos morais devidos pela ré.
Considerando que os autores/reconvindos decaíram em parte mínima, condeno a ré/reconvinte ao pagamento das custas e despesas processuais das lides principal e secundária, bem como ao pagamento de honorários advocatícios em favor do patrono dos autores, honorários esses que fixo em 20% do valor total das condenações (somatório dos itens “b”, “c”, “d”, “e”, “f”, “g” e “h” do dispositivo), sopesando para tanto a qualidade e o grande tempo do trabalho desenvolvido, sem perder de vista que a nobre profissão da advocacia merece ser bem remunerada em causas de vulto (como a presente).
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Amparo, autodata.

AYRTON VIDOLIN MARQUES JÚNIOR
Juiz Substituto

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