3 de setembro de 2012

Negativa de tratamento experimental


1ª Vara Judicial da Comarca de Amparo
Autos nº 1174/2010
Autor:         R
Ré:              U

S  E  N  T  E  N  Ç  A

Vistos.
1. R ajuizou demanda contra a U pretendendo obter reparação civil por danos morais, sugerindo a fixação do valor em 40 (quarenta) salários mínimos. Segundo a inicial, o autor é filho do Senhor H, o qual firmou contrato com a ré em 25.05.1998 a fim de obter prestações de serviços médicos e hospitalares. Ocorre que no ano de 2008 o genitor do autor foi diagnosticado com Uretrite crônica inespecífica com hiperplasia epitelial sem atipias e hiperplasia nodular de próstata com prostatite crônica agudizada inespecífica. E em 2009, submetido novamente à avaliação, constatou-se que o genitor do autor estava com carcinoma urotelial não papilífero grau III histológico (alto grau) com invasão da musculaturaa da parede vesical (pT2) – hiperplasia nodular da próstata. Dessa forma, o genitor do autor protocolou junto à requerida um requerimento detalhado da doença que o acometia, tendo o genitor, ainda, firmado novo contrato de prestação de serviços, a fim de que o plano cobrisse o tratamento desta doença, tendo a ré, após requerimento de um novo tratamento proposto pelo médico de seu genitor, negado o tratamento sob a justificativa de ser um “tratamento experimental”. Assim, requereu o autor danos morais em razão da negativa da ré em fornecer o tratamento com o medicamento “Alimta”, uma vez que este era a única esperança de sobrevida e de tratamento de seu genitor na época, o qual veio a falecer sem o tratamento (fls. 2-12).
A ré U arguiu preliminares de ilegitimidade ativa e de carência da ação. Contestou a pretensão alegando que o contrato não previa os custos com tratamentos experimentais, uma vez que a própria Lei 9.656/98 não obriga as prestadoras de serviços médicos a cobrirem tais tratamentos, por esta razão não incorreu em ato ilícito, não tendo, portanto, o dever de reparar o dano (fls. 96-114).
A réplica foi lançada (fls. 200-209).
O processo foi saneado (fl. 203).
Realizou-se perícia médica indireta (fls. 277-279).
As partes tiveram oportunidade de se manifestar sobre o laudo e para acostar pareceres por assistentes técnicos.
O autor apresentou exceção de suspeição quanto ao perito (fls. 287-288).
É o relatório. Decido.  

2. De início, avalio o incidente de suspeição do perito. O incidente é intempestivo, eis que foi apresentado apenas muito tempo depois da nomeação, não tendo se lastreado em qualquer fato novo. Ademais, apesar de o perito integrar o quadro de colaboradores da U, não pertence ele especificamente à Cooperativa de Amparo, mas sim à de Campinas. Ainda, o laudo apresentado não interfere no resultado do mérito do caso, como se verá adiante. Desse modo, rejeito a exceção de suspeição do perito.
3. Rejeito as questões preliminares defensivas. O autor não está defendendo direito alheio, mas sim o direito próprio (e por isso é parte legítima a figurar no pólo ativo) consistente no dano moral (dor e angústia) ao ver seu próprio pai sofrer e morrer lutando para obter pelo menos a oportunidade de receber um tratamento paliativo contra o câncer que lhe foi objeto de expressa indicação médica. Também não existe carência da ação, pois a prévia ciência do genitor do autor quanto a ser um tratamento tido como experimental em nada se relaciona com o tema da carência da ação.
4. Quanto ao mérito, o pedido inicial é integralmente procedente.
O negócio jurídico celebrado entre o genitor do autor e a ré envolve cobertura de assistência médico-hospitalar e nada consta sobre a exclusão de tratamento quimioterápico com Alimta, consequentemente, se a requerida efetua a cobertura de doença oncológica, deve proporcionar tudo o que for necessário em busca da cura e do tratamento do paciente.
Além disso, é notório que a ciência médica é extremamente dinâmica, e as pesquisas farmacológicas se desenvolvem com rapidez, havendo consequentemente o surgimento de medicamentos com maior potencial de tratamento.
Dessa forma, estes medicamentos devem ser utilizados em prol do enfermo, tanto que a requerida vinha disponibilizando o tratamento necessário para a patologia do genitor do autor, tendo posteriormente negado o novo tratamento, sob a alegação de ser este “experimental”.
É certo que a Lei nº 9.656/98 procurou estabelecer critérios para proteger os consumidores, e ao mesmo tempo assegurar a viabilidade dos planos de saúde privados. Nesse sentido, não se pode negar o direito do contrato de estabelecer limites para o tipo de doença que estará ao alcance do plano oferecido e contratado, entretanto, deve-se haver uma distinção entre a patologia coberta e a terapia necessária para tratá-la.
Portanto, não me parece razoável excluir a opção terapêutica se a doença está agasalhada no contrato. Isto é, o plano de saúde apenas pode delimitar a patologia coberta, e não o tratamento necessário, indicado ou prescrito.
Do contrário se estaria autorizando a substituição dos médicos pela empresa de planos de saúde na escolha da terapia adequada com a cobertura de cada plano, e isto claramente é incompatível com a assistência à saúde, uma vez que quem é detentor da escolha do tratamento necessário é o especialista, ou seja, o médico, que não pode se ver tolhido na escolha de um tratamento para o paciente só porque o plano de saúde o reputa como experimental.
Ou seja, se a patologia estava coberta pelo plano, tenho por inviável vedar o tratamento com o medicamento “Alimta” que foi objeto de expressa indicação médica.
Nessa toada, tem entendido o STJ: “parece-me que a abusividade da cláusula reside exatamente nesse preciso aspecto, qual seja, não pode o paciente, consumidor do plano de saúde, ser impedido de receber tratamento com o método mais moderno do momento em que instalada a doença coberta em razão de cláusula limitativa. É preciso ficar bem claro que o médico, e não o plano de saúde, é responsável pela orientação terapêutica. Entender de modo diverso põe em risco a vida do consumidor” (STJ, REsp n. 668.216/SP, DJU 15.3.2007).
Nesse contexto, ao negar a utilização do “Alimta” no tratamento do pai do autor houve sim conduta civilmente ilícita por parte da ré, devendo, pois, ser responsabilizada por todos os danos que daí emanaram. E dentre esses danos estão os danos morais sofridos pelo autor.
No presente caso o autor viu seu genitor ser impedido de ser tratado com o medicamento indicado pelo médico, tendo o plano de saúde negado o tratamento em 10.11.2009. Propôs novo pedido em 19.11.2009. Foi encaminhado para tratamento junto à Unicamp, onde seria atendido em 12.01.2010, porém veio a falecer em 27.12.2009, sem o tratamento indicado.
Mesmo que referido tratamento não curasse o paciente, é certo que na esperança de um novo medicamento o genitor do autor, e o próprio autor, depositaram suas esperanças na cura ou pelo menos no prolongamento de sua vida. Ao ser negado o tratamento, o autor e seu genitor se viram obrigados a procurar o tratamento de um hospital público, quando na verdade seu genitor pagava para ser atendido pelo setor privado. Não desmerecendo o Setor de Oncologia da Unicamp, até porque o perito que atuou nestes autos é médico deste setor, é claro que a frustração e o abalo moral tomou conta de ambos, não se tratando de um mero aborrecimento cotidiano, já que o tratamento se refere à vida, bem maior de qualquer ser humano.
Nesse passo, tenho que o autor teve extremo sofrimento moral (dor e angústia) ao ver seu próprio pai sofrer e morrer lutando para obter pelo menos a oportunidade de receber um tratamento paliativo contra o câncer que lhe foi objeto de expressa indicação médica.
Passo, pois, a mensurar o valor da indenização.
A fixação do valor deve levar em conta os seguintes fatores: a indenização não deve ser alta o suficiente para não ser motivo de enriquecimento sem causa da parte autora, mas também não deve ser irrisória a ponto de não superar o sofrimento gerado. Por outro lado, deve ser suficiente para coibir a reiteração de condutas pelo pólo passivo, não sendo causa para a inviabilidade econômica. No caso concreto, sopesando as condições sociais e econômicas do autor e da ré, bem como os sentimentos envolvidos na dor moral do autor e tendo em vista principalmente que os planos de saúde de um modo geral apresentam o péssimo costume de prejudicar os consumidores em tema de tratamentos com medicamentos tidos como “experimentais”, reputo razoável e proporcional a fixação do valor para reparação dos danos morais em R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais). Anoto, ainda, que muito embora a quantia seja superior à pedida na inicial, em sede de dano moral isso se faz possível, pois cabe ao juiz definir a quantia, sendo de se entender que as estimativas apresentadas pelas partes consistem em meras sugestões. Nesse sentido deve se dar inteligência à Súmula n. 326 do Superior Tribunal de Justiça.
 5Diante do exposto, julgo procedente a pretensão inicial, extinguindo o feito com resolução do mérito (CPC, art. 269, inciso I), para o fim de CONDENAR a ré a pagar ao autor reparação civil por danos morais no montante de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), sobre o qual incidirão juros de 1% (um por cento) ao mês e correção monetária pela Tabela Prática do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, ambos contados da presente data (momento em que o valor se tornou líquido) até o efetivo pagamento.
Condeno a ré ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como ao pagamento de honorários advocatícios em favor da patronesse do autor, honorários esses que fixo em 20% do valor total da condenação, sopesando para tanto a qualidade e o tempo do trabalho desenvolvido, sem perder de vista que a nobre profissão da advocacia merece ser bem remunerada em causas de grande relevância (como a presente).
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Amparo, autodata.

AYRTON VIDOLIN MARQUES JÚNIOR
Juiz Substituto

Nenhum comentário:

Postar um comentário