1 de setembro de 2012

Eletroplessão


1ª Vara Judicial da Comarca de Amparo
Autos nº 1391/2009
Autor:         A
Réus:          Banco X S/A
                   X Seguros S/A

S  E  N  T  E  N  Ç  A

Vistos.
1. Relatório:
A pediu a condenação dos réus ao pagamento da quantia de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais) em decorrência da cobertura do seguro de vida pela morte de sua esposa G, morte essa que ocorreu em virtude de choque elétrico (fls. 2-7).
O Banco X S/A apresentou contestação alegando primeiramente a ilegitimidade passiva e no mérito. Quanto ao mérito afirmou que não lhe foi dada oportunidade de avaliação dos documentos e negou a cobertura em razão de que a apólice não previa cobertura para mortes naturais (fls. 23-32).
X Seguros S/A apresentou contestação sob a alegação de que a apólice de seguro da esposa do autor não previa cobertura para mortes naturais (fls. 43-48).
Houve réplica (fls. 89-94).
Durante a instrução foram inquiridas três testemunhas (fls. 141, 142 e 143).
Houve oportunidade para apresentação de alegações finais.
É o relatório. Decido.

2. Fundamentação:
Acolho a preliminar arguida pelo Banco X S/A, uma vez que de acordo com o Decreto Lei 73/66 o estipulante age como mandatário do segurado, representando-o frente às seguradoras. Nesse sentido: STJ, REsp 426.860/RJ, Relator Ministro Menezes Direito, DJ 24.2.2003. Ademais, o réu remanescente é solvente, de modo que nenhum prejuízo haverá ao autor.
Quanto ao mérito, tenho que a pretensão é procedente contra a seguradora.
A princípio não parecia ser caso de cobertura do seguro, haja vista que diante da ausência de autopsia não foi possível constar na Certidão de Óbito a verdadeira causa da morte da esposa do autor.
Não há prova documental acerca do que causou a descarga elétrica, até porque lastimavelmente não se efetuou perícia no local que, por conta do óbito verificado, deveria ter sido levada a cabo pelo instituto de criminalística visando a apurar o motivo da descarga elétrica que causou a morte da esposa do autor.
Entretanto, a causa da morte restou firmemente demonstrada pela testemunha S, a qual chegou no local da morte instantes depois do acidente e inclusive acionou o resgate para a esposa do autor. Veja-se:
Disse a testemunha que estava lavando a calçada em frente do chalé quando ouviu os gritos de G. Chegou perto da sala quando viu o cachorro caído de um lado e a G de outro, “de cara no chão e toda roxa”. Na hora veio em sua cabeça que ela tinha morrido de “força”, e resolveu não encostar nela. Queria levantá-la, mas, do jeito que estavam caídos os dois, achou melhor não tocá-la. Gritou para M desligar a força. Acrescentou que G estava molhada, pois provavelmente estava dando banho no cachorro. Informou que havia uma fiação solta e que o cachorro ficava amarrado no pilar, sendo que de tanto o cachorro andar por ali deve ter descascado o fio, sendo que no momento do banho deve ter havido um curto circuito que matou os dois. Disse ainda que a corrente do cão estava na mão de G. Afirmou que viu depois que havia um fio desencapado, e que no momento do alvoroço todos pensaram que ela havia tido um infarto, mas a testemunha afirmou que não, pois o cachorro também havia morrido, sendo que não tinha como ela ter matado o cachorro sufocado (fl. 141).
Com o depoimento prestado pela testemunha não precisa ser nenhum perito para saber-se que a água é um excelente condutor de energia elétrica e associada com o fio desencapado próximo ao local onde a vítima dava banho no cachorro resultou inevitável o fatídico acidente.
“Vou mais além: no caso concreto era até intuitivo à beneficiária e à seguradora o fato da causa da morte do segurado por acidente decorrente de choque elétrico, posto que, na esteira do legado do filósofo racionalista e matemático francês RENE DESCARTES, por intuição se deve entender a apreensão rápida, imediata, da simplicidade de uma evidência, que por sua vez, é o que salta aos olhos, é aquilo de que não se possa duvidar não obstante todos os esforços, é o que resiste a todos os assaltos da dúvida conquanto todos os resíduos, é, enfim, o produto do espírito crítico. A intuição cartesiana é uma espécie de visão que a nossa razão tem das ideias claras, uma visão tão imediata que ela não precisa procurar ou relacionar para as apreender com indiscutível certeza” (TJSP, excerto do voto, Apelação com Revisão nº 878561- 0/6, DJ 20.09.2005).
Nesse ambiente, a esposa do autor foi vítima dos efeitos da ação da corrente elétrica sobre o organismo dos seres humanos.
Ressalte-se o fato de que a coronariopatia, como bem explicado pela ré (fl. 46), é a doença que atinge as artérias do coração, e esta pode levar ao infarto do miocárdio, o que também pode ser consequência decorrente de descarga elétrica, conforme julgado em caso análogo pelo Tribunal de Justiça de São Paulo:
RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DO TRABALHO. DIREITO COMUM. MORTE POR ELETROPLESSÃO. BETONEIRA INSTALADA SEM CONDIÇÕES DE SEGURANÇA. Não obstante o laudo necroscópico tivesse concluído que a causa da morte do obreiro foi insuficiência cardíaca por infarto do miocárdio, a descrição feita se amolda aos ferimentos decorrentes de eletroplessão, consoante literatura forense pertinente. Evidente que o infarto do miocárdio foi secundário à descarga elétrica que, efetivamente o provocou (TJSP, Apelação com Revisão nº 551587-00 /3, DJ 21.9.1999).
3. Dispositivo:
Diante do exposto:
(a) Julgo extinto o processo sem resolução do mérito quanto ao réu Banco X S/A, o que faço com esteio na ilegitimidade passiva (art. 267, inciso VI, do Código de Processo Civil). E
(b) Julgo procedente a pretensão inicial, extinguindo o feito com resolução do mérito (CPC, art. 269, inciso I), para o efeito de CONDENAR o réu X Seguros S/A a pagar ao autor a quantia de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais), com correção monetária pela Tabela Prática do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo desde a data de celebração da apólice de seguro (pois foi desde então que passou a incidir a corrosão da moeda sobre o valor do capital segurado) e juros moratórios de 1% (um por cento) ao mês, estes contados desde a citação (20.10.2009 – fl. 21) por se tratar de questão contratual.
Em razão da sucumbência, condeno o réu X Seguros S/A ao pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios em favor do patrono do autor, honorários esses que fixo em 20% do valor total da condenação, sopesando para tanto a qualidade e o tempo do trabalho desenvolvido, sem perder de vista que a nobre profissão da advocacia merece ser remunerada de modo condigno.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Amparo, autodata.

AYRTON VIDOLIN MARQUES JÚNIOR
Juiz Substituto

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