27 de fevereiro de 2012

Multa pessoal ao Governador


Autos no 293-82.2012.8.16.0145 – Ação Civil Pública
Autor:             Ministério Público do Estado do Paraná
Réu:                Estado do Paraná


DECISÃO LIMINAR


Trata-se de Ação Civil Pública ajuizada pela Promotoria de Justiça desta comarca com o objetivo de que seja imposta obrigação de fazer ao Estado do Paraná a fim de que adote as medidas necessárias para a demolição/construção/reformas e demais obras necessárias ao funcionamento do ergástulo público de Ribeirão do Pinhal, no prazo de trinta dias.

Fundamenta seu pedido trazendo vasta documentação, inclusive Inquérito Civil Público, informando que a Cadeia Pública desta Comarca encontra-se interditada administrativamente desde o ano de 2009 e, deste então, os presos dos três municípios que compõem a Comarca estão apinhados na Cadeia Pública de Jundiaí do Sul, em situação absolutamente precária e desumana.

Informa também que apesar de seus esforços nenhuma medida concreta foi tomada pelo Governo do Estado a fim de que a Cadeia fosse reativada.

Pede, ao final, decisão liminar de antecipação dos efeitos da tutela, a fim de que seja determinado ao Sr. Governador do Estado do Paraná que adote as medidas requeridas, sob pena de multa diária e pessoal.

Brevemente relatado, passo a decidir.

Preliminarmente, verifico que o Ministério Público tem legitimidade para o ajuizamento de Ação Civil Pública, conforme art. 5º, I da Lei 7.347/85, e que é parte legítima para a defesa dos interesses difusos e coletivos, parte de sua missão institucional estabelecida no art. 127 e seguintes da Constituição da República.

Quanto ao pedido de decisão liminar para os fins de antecipação dos efeitos da tutela, ao menos nesta estreita via de cognição sumária, reputo estarem presentes os requisitos autorizadores da medida.

Explico:

Desde que assumi as funções de Juiz de Direito Titular nesta Comarca, em novembro de 2011, ao realizar a primeira inspeção das cadeias públicas, conforme determinam os itens 1.3.2 e 7.6.4 do Código de Normas da Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Paraná, e também para fins de preenchimento do Cadastro de Inspeção dos Estabelecimentos Penais mantido junto ao Conselho Nacional de Justiça, pude constatar in loco a realidade dos fatos ora trazidos pelo Ministério Público.

Com efeito, desde o ano de 2009 a Delegacia de Polícia desta Comarca de Ribeirão do Pinhal, bem como sua carceragem, encontra-se interditada por riscos de desabamento.  E, desde então, os presos encontram-se amontoados na hiperlotada  Cadeia Pública de Jundiaí do Sul.

Sobre aquele local, posso dizer por conta das inspeções que pessoalmente procedi, que para ser uma masmorra fétida pior do que o próprio inferno teria que melhorar bastante. Trata-se de um cubículo sem nenhuma ventilação, nenhuma luminosidade, nenhuma condição de higiene ou dignidade. Praticamente uma caverna!

Não há solário (ou seja, os presos ficam durante todo o tempo sem nenhum contato com a luz do dia, como animais em uma toca). Não há sequer saneamento básico no município, razão pela qual não há rede de esgotos, e, sim, fossa séptica da cadeia, que frequentemente entope e faz com que a água imunda e repleta de fezes e outros dejetos repugnantes transbordem pelos ralos e banheiros de volta para dentro da carceragem.

A segurança é nula e já houve diversas fugas, apesar dos diligentes esforços da Autoridade Policial ali presente e da Polícia Militar deste destacamento.

Aliás, uma das maiores preocupações decorrentes da interdição da cadeia pública desta comarca reside na necessidade de intenso deslocamento dos policiais militares e civis para o transporte e guarda dos custodiados. Há apenas duas guarnições da polícia militar para o atendimento de três municípios. Ou seja, nunca há sequer uma única viatura policial em todos os três municípios ao mesmo tempo, dada a necessidade de frequentes deslocamentos para transporte de presos às delegacias de Jundiaí do Sul e Abatiá.

Na mesma esteira, não há suficientes Policiais Civis para tomarem conta das carceragens (e nem deveria ser esta sua função), o que traz enormes prejuízos à investigação policial nesta Comarca, vez que os investigadores acabam tendo que se dividir entre os três municípios, sem que possam desempenhar suas verdadeiras funções.

Tais informações vêm sendo prestadas mensalmente por este Juízo ao Conselho Nacional de Justiça, tendo sido, em todas as oportunidades, requeridas urgentes providências, mas jamais houve qualquer resposta.

Verifico também pela documentação acostada aos autos que o Ministério Público vem requerendo providências junto aos órgãos públicos deste Estado há vários anos, com o objetivo de ver restaurado o funcionamento do SECAT.

Ocorre que, como se vê nos documentos de fls. 269 e 309, as informações obtidas são conflitantes, não havendo, portanto, sequer uma certeza quanto à real existência ou não de procedimentos voltados à (re)construção da Cadeia Pública de Ribeirão do Pinhal. Nestes documentos constato a prova da verossimilhança das alegações do Parquet.

Ao revés, é estreme de dúvidas a urgência da concretização daquela obra, para restituir um mínimo de dignidade aos detentos e um pouco de segurança aos moradores desta Comarca.

Quanto aos requisitos para a antecipação dos efeitos da tutela, inicialmente prevê o art. 273 do Código de Processo Civil:

Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:
I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou
II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.
§ 1o  Na decisão que antecipar a tutela, o juiz indicará, de modo claro e preciso, as razões do seu convencimento.
§ 2o  Não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado.
§ 3o A efetivação da tutela antecipada observará, no que couber e conforme sua natureza, as normas previstas nos arts. 588, 461, §§ 4o e 5o, e 461-A.
§ 4o  A tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, em decisão fundamentada.
§ 5o Concedida ou não a antecipação da tutela, prosseguirá o processo até final julgamento.
§ 6o A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso.
§ 7o Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado.

No tocante à possibilidade de antecipação dos efeitos da tutela contra a Fazenda Pública, a jurisprudência é remansosa. Em princípio, poder-se-ia aduzir que não é cabível contra o Ente Público em baila, com esteio nos arts. 1º, §3º da Lei nº 8.437/92 e art. 1º da Lei nº 9.494/97. Entretanto, a interpretação sistemática do instituto “tutela antecipada” deve ser feito, mormente em situações de risco (como a ora aduzida), onde a prevalência de direitos fundamentais e garantidos pelo Texto Magno é inquestionável.

Nesse diapasão, faço alusão aos seguintes entendimentos jurisprudenciais, dos quais perfilho:

“[...] A medida não viola o disposto no art. 475, I, do Código de Processo Civil, pois se trata de decisão provisória que simplesmente antecipa os efeitos da prestação jurisdicional. (TJSC – AI 2005.016456-7 – Joaçaba – 2ª CDPúb. – Rel. Des. Luiz Cézar Medeiros – J. 04.10.2005) e; “[...]Diante do regramento estabelecido pela Lei nº 9.494/97, é ínsita a possibilidade de concessão de medidas de urgência, tutela antecipada e cautelar, contra pessoa jurídica de direito público. 4. Agravo de instrumento improvido (TRF 3ª R. – AG 2005.03.00.063624-8 – (242407) – 10ª T. – Rel. Des. Fed. Galvão Miranda – DJU 01.02.2006 – p. 298).

Além disso, o art. 11 da Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/85) contempla o instituto de forma direta e específica:

Art. 11. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz determinará o cumprimento da prestação da atividade devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de execução específica, ou de cominação de multa diária, se esta for suficiente ou compatível, independentemente de requerimento do autor

Não há dúvidas quanto à prova da verossimilhança das alegações, que se faz presente pela vasta documentação carreada aos autos, dando conta da triste realidade referente à Cadeia Pública e da situação deletéria em que se encontram os custodiados.

O perigo da demora também não demanda maiores esforços para ser identificado, dado o grave sofrimento físico e psíquico dos detentos junto à SECAT de Jundiaí do Sul e a necessidade urgente de se restaurar o funcionamento da Cadeia Pública de Ribeirão do Pinhal.

Tratando-se de obrigação de fazer, o tema rege-se pelo art. 461 do Código de Processo Civil, sendo dever do Juízo adotar as medidas necessárias para obter a tutela específica ou o resultado prático equivalente pretendido.

Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.
§ 1o A obrigação somente se converterá em perdas e danos se o autor o requerer ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente.
§ 2o A indenização por perdas e danos dar-se-á sem prejuízo da multa (art. 287).
 § 3o Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévia, citado o réu. A medida liminar poderá ser revogada ou modificada, a qualquer tempo, em decisão fundamentada.
 § 4o O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do preceito.
§ 5o Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial.
§ 6o O juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva.

No presente caso, reputo razoável, por hora, a imposição de multa diária (astreinte) como forma de execução indireta (Barbosa Moreira chama de sucedâneo executivo), a fim de que a coerção decorrente da imposição faça com que o Poder Público adote as medidas necessárias à tutela ora pretendida.

Fredie Didier Junior, com o habitual acerto, também concorda com a possibilidade de aplicação de multa coercitiva contra a Fazenda Pública:

Sucede que, como bem pontua Eduardo Talamini, a má conduta do administrador público é aspecto patológico que não pode, nem deve, servir de argumento para eximir os entes públicos da submissão a esse tipo de coerção processual. Em casos tais, cumpre ao poder público responsabilizar o servidor renitente nas esferas administrativas, civil e criminal, se for o caso, cabendo-lhe ressarcir o erário quando verificada atuação dolosa ou culposa.
O foco do problema é outro: não é combater a multa coercitiva como técnica a ser utilizada contra a Fazenda Pública, mas combater a má conduta do agente público que descumpriu ordem judicial por saber que a multa recairia sobre o erário.
Assim, considerando que a multa se reveste de caráter coercitivo e que o seu objetivo é servir de instrumento à efetivação de uma decisão judicial – o que ,aliás, representa também medida de interesse público –, poderá ser utilizada mesmo quando o devedor for a Fazenda Pública. (DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 2ª Ed. V. 2. Salvador : Juspodivm, 2008. P. 414)

Em regra, não incumbe ao Poder Judiciário (lembrando tratar-se de um dos três poderes da república) analisar a conveniência e a oportunidade das políticas públicas. Porém, tratando-se da efetivação de diretos fundamentais, notadamente a dignidade da pessoa humana, princípio-norma-mater de eficácia plena, a situação se afigura diversa. Por isso, não se trata de indevida interferência jurisdicional na discricionariedade do administrador público, mas de correção da falta de atendimento aos comandos constitucionais, os quais já elegeram a prioridade absoluta e, por consequência, sua intrínseca alocação prioritária de recursos.

A Constituição tem prevalência sobre qualquer outro ato, norma ou “vontade política”. Os direitos e garantias nela presentes devem ser concretamente assegurados pelo Poder Judiciário. Todas as lesões ou ameaças a direitos são passíveis de apreciação pelo Poder Judiciário. É o princípio constitucional da inafastabilidade, previsto no art. 5º, XXXV, da Constituição. A missão institucional do Poder Judiciário caracteriza suas funções típicas como a preservação da Constituição Federal e o exercício da jurisdição, que nada mais é do que a solução dos casos concretos, fazendo-se valer o ordenamento jurídico. E é por isso que a omissão no desempenho adequado e satisfatório de políticas públicas voltadas ao resguardo da dignidade da pessoa humana pode e deve ser apreciada como forma de lesão a direito, cabendo ao exercício jurisdicional a aplicação de solução ao caso concreto. Possível, portanto, a atuação jurisdicional positiva. A esse respeito: TJSP, AI 1747830800, rel. Maria Olívia Alves, j. 5.10.2009.

Mais que isso: é fato que o Estado Brasileiro vem caminhando para a adoção do sistema da common law, ante a cada vez mais frequente judicialização de questões envolvendo políticas públicas. O sistema, em que os precedentes judiciais se substituem às leis formais, é mais favorável em países nos quais os Poderes Executivo e Legislativo são fracos, corruptos, descompromissados com os anseios de seus eleitores e mais preocupados com a costura de alianças políticas do que com o bem estar de seus concidadãos.

Apesar da forte campanha deflagrada contra o Poder Judiciário com vistas ao seu enfraquecimento e desmoralização, com o claro objetivo de alcançar a tão sonhada “governabilidade” (leia-se: carta branca para os Poderes Executivo e Legislativo fazerem o que bem entenderem, sem qualquer controle), é dever do Poder Judiciário, sob a égide de sua missão Constitucional de assegurar a todos o gozo de seus direitos e garantias fundamentais, atuando sob o manto do sistema de freios e contrapesos (checks and balances) com os demais Poderes, intervir no comando das decisões políticas quando necessário.

Neste sentido ensina o Prof. Alexandre de Moraes:

Lembremo-nos que o objetivo inicial da clássica separação das funções do Estado e distribuição entre órgãos autônomos e independentes tinha como finalidade a proteção da liberdade individual contra o arbítrio de um governante onipotente.

Em conclusão, o Direito Constitucional contemporâneo, apesar de permanecer na tradicional linha da ideia de Tripartição de Poderes, já entende que essa fórmula, se interpretada com rigidez, tornou-se inadequada para um Estado que assumiu a missão de fornecer a todo o seu povo o bem-estar, devendo, poois, separar as funções estatais, dentro de um mecanismo de controles recíprocos, denominado “freios e contrapesos” (checks and balances). (MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 21ª Ed. São Paulo : Atlas, 2007  P. 389)

Quando o assunto é judicialização de políticas públicas, muito se discute acerca da possibilidade ou não de o Poder Judiciário intervir na chamada discricionariedade administrativa, sendo este o juízo de conveniência e oportunidade dado ao administrador para eleger as providências mais aptas a atender às finalidades decorrentes da função por ele desempenhada.

Desde as célebres lições do Prof. Hely Lopes Meirelles já era de “sabença pétrea”, como diz o Ministro Gilmar Mendes, que o poder discricionário é, em verdade, um dever, consubstanciado na obrigação de melhor atendimento ao interesse público, sem qualquer possibilidade de livre arbítrio por parte do administrador, mormente em questões envolvendo direitos e garantias fundamentais.  Ademais, dentre os cinco elementos do ato administrativo (competência, forma, finalidade, motivos e objeto), somente os motivos e o objeto são alcançados pela discricionariedade, restando os demais, e dentre eles destacamos a finalidade, sempre vinculados ao interesse público. Segue o magistério de Hely:

Convém esclarecer que poder discricionário não se confunde com poder arbitrário. Discricionariedade e arbítrio são atitudes inteiramente diversas. Discricionariedade é liberdade de ação administrativa, dentro dos limites permitidos em lei; arbítrio é ação contrária ou excedente d alei. Ato discricionário, quando autorizado pelo Direito, é legal e válido. Ato arbitrário é sempre ilegítimo e inválido. De há muito já advertia Jèze: ‘Il ne faut pas confondre pouvoir disrétionnaire et pouvoir arbitraire’. Mais uma vez insistimos nessa distinção, para que o administrador público, nem sempre familiarizado com os conceitos jurídicos, não converta a discricionariedade em arbítrio, como também não se arreceie de usar plenamente de seu poder discricionário quando estiver autorizado e o interesse público o exigir.
...
Por aí se vê que a discricionariedade é sempre relativa e parcial, porque, quanto á competência, à forma e à finalidade do ato, a autoridade está subordinada ao que a lei dispõe, como para qualquer ato vinculado. Com efeito, o administrador, mesmo para a prática de um ato discricionário, deverá ter competência legal para praticá-lo; deverá obedecer á forma legal para a sua realização; e deverá atender à finalidade legal de todo ato administrativo, que é o interesse público. exigir.
o estiver autorizado e o interesse pbo scricionarb juiz, de opsta Comarca.
e os trcom a costura de alianças pol
...
Erro é considerar-se o ato discricionário imune à apreciação judicial, pois só a Justiça poderá dizer da legalidade da invocada discricionariedade e dos limites de opção do agente administrativo.
O que o Judiciário não pode é, no ato discricionário, substituir o discricionarismo do administrador pelo do Juiz, mas pode sempre proclamar as nulidades e coibir os abusos da Administração. (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 25ª Ed. São Paulo : Malheiros, 2000. P. 109)

Assim sendo, não há que se falar em mero exercício de discricionariedade quando o interesse público é preterido, sendo, portanto, pertinente, devida e peremptória a intervenção do Poder Judiciário para restaurar a legalidade na conduta do Administrador Público.

Celso Antonio Bandeira de Mello, inclusive, repudia a denominação “poder discricionário”, chamando-a, com insofismável acerto, de dever discricionário, sendo obrigação do administrador público atuar para sempre alcançar a melhor solução ao atendimento do interesse público em questão. Aliás, o mesmo festejado autor qualifica como hipótese apta a ensejar o Controle Judicial o desvio de poder por omissão:

Não é logicamente repugnante a hipótese de desvio de poder por omissão. Com efeito, bem disse Afonso Rodrigues Queiró: “não agir é também agir (não autorizar é decidir não autorizar)”. Ou pelo menos assim o será em inúmeros casos. Tem-se, pois, que o agente administrativo pode decidir abster-se de praticar um ato que deveria expedir para correto atendimento do interesse público, animado por intuitos de perseguição, favoritismo ou, de todo modo, objetivando finalidade alheia à regra de competência que o habilitava. (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Discricionariedade e Controle Jurisdicional. 2ª Ed. 5ª T. São Palo : Malheiros, 2001. P. 75)

E quando se fala no princípio da dignidade da pessoa humana, evidentemente não há que se falar em discricionariedade no sentido pejorativo de plena liberdade. Há dever do Estado, através de seus Administradores que, no exercício de função administrativa, não podem se omitir e permitirem a violação do mais importante princípio de nossa Constituição.

Lembre-se novamente a lição do prof. Celso Antonio Bandeira de Mello:

Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque represente insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura interna. (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Curso de Direito Administrativo. 15ª Ed. São Paulo; Malheiros, 2002. P. 818)

Demais disso, antes que se alegue a famigerada Reserva do Possível, é assente na doutrina e na jurisprudência que esta não se aplica quando o tema é a destinação de recursos para o atendimento a direitos fundamentais. Inclusive, avilta o bom senso que o país com a maior carga tributária DO PLANETA olvide destinação de recursos para garantir mínimas condições de sobrevivência dignas àqueles indivíduos que estão sob sua inteira responsabilidade no cárcere!

Neste sentido:

ADMINISTRATIVO ­ CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS ­ POSSIBILIDADE EM CASOS EXCEPCIONAIS ­ DIREITO À SAÚDE ­ FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS ­ MANIFESTA NECESSIDADE ­ OBRIGAÇÃO DO PODER PÚBLICO ­ AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES ­ NÃO OPONIBILIDADE DA RESERVA DO POSSÍVEL AO MÍNIMO EXISTENCIAL.
1. Não podem os direitos sociais ficar condicionados à boa vontade do Administrador, sendo de fundamental importância que o Judiciário atue como órgão controlador da atividade administrativa. Seria uma distorção pensar que o princípio da separação dos poderes, originalmente concebido com o escopo de garantia dos direitos fundamentais, pudesse ser utilizado justamente como óbice à realização dos direitos sociais, igualmente fundamentais.
2. Tratando-se de direito fundamental, incluso no conceito de mínimo existencial, inexistirá empecilho jurídico para que o Judiciário estabeleça a inclusão de determinada política pública nos planos orçamentários do ente político, mormente quando não houver comprovação objetiva da incapacidade econômico- financeira da pessoa estatal.
3. In casu, não há empecilho jurídico para que a ação, que visa a assegurar o fornecimento de medicamentos, seja dirigida contra o município, tendo em vista a consolidada jurisprudência desta Corte, no sentido de que "o funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS) é de responsabilidade solidária da União, Estados- membros e Municípios, de modo que qualquer dessas entidades têm legitimidade ad causam para figurar no pólo passivo de demanda que objetiva a garantia do acesso à medicação para pessoas desprovidas de recursos financeiros" (REsp 771.537/RJ, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJ 3.10.2005).Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp 1136549/RS, Rel.
MIN. HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 08/06/2010, DJe 21/06/2010) (grifo nosso).

Extrai-se do corpo do acórdão:

"(...) a atuação do Poder Judiciário no controle das políticas públicas não se pode dar de forma indiscriminada, pois isso violaria o princípio da separação dos Poderes. No entanto, quando a Administração Pública, de maneira clara e indubitável, viola direitos fundamentais por meio da execução ou falta injustificada de programas de governo, a interferência do Poder Judiciário é perfeitamente legítima e serve como instrumento para restabelecer a integridade da ordem jurídica violada".

Inclusive, não é demais lembrar que há norma expressa no texto constitucional, inserida dentre as cláusulas pétreas do rol de direitos fundamentais do art. 5º, e com eficácia plena, que:

XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;

Se a própria Constituição assegura aos presos o respeito à integridade física e moral, e tal garantia não vem sendo resguardada pela Administração Pública, por certo que é dever do Poder Judiciário intervir positivamente para assegurar o exercício desses direitos, sob pena de se permitir o retrocesso social, ao arrepio do efeito clicquet típico dos direitos e garantias fundamentais:

O efeito "cliquet" dos direitos humanos significa que os direitos não podem retroagir, só podendo avançar nas proteções dos indivíduos. No Brasil esse efeito é conhecido como princípio da vedação do retrocesso, ou seja, os direitos humanos só podem avançar. Esse princípio, de acordo com Canotilho, significa que é inconstitucional qualquer medida tendente a revogar os direitos sociais já regulamentados, sem a criação de outros meios alternativos capazes de compensar a anulação desses benefícios. (CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 5ª ed. Coimbra : Almedina, 2002, p. 336)

Finalmente, reputo necessário que a multa coercitiva seja aplicada diretamente à pessoa física do Senhor Governador do Estado do Paraná, sob pena de total e absoluta ineficácia e, pior, descumprimento de ordem judicial.

Em recentíssimo julgado, o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Paraná já se posicionou favoravelmente à imposição de multa diretamente ao agente público:

MANDADO DE SEGURANÇA Nº 655.091-8, DO FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA ­ 2ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA, FALÊNCIAS E CONCORDATAS. RELATOR: DES. RUY CUNHA SOBRINHO IMPETRANTE: SONIA REGINA GONSIORKIEWCZ IMPETRADO: GOVERNADOR DO ESTADO DO PARANÁ E OUTRO MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. IMPUGNAÇÃO AO ATO ADMINISTRATIVO PELO QUAL A CANDIDATA FOI EXCLUÍDA DO CERTAME, CONSIDERADA INAPTA PARA A FUNÇÃO, POR DOENÇA. DEPRESSÃO. AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO DO ATO IMPUGNADO. TENTATIVA DA ADMINISTRAÇÃO DE APRESENTAR A MOTIVAÇÃO, POSTERIORMENTE À EDIÇÃO DO ATO. IMPOSSIBILIDADE. NULIDADE INSANÁVEL. PREJUÍZO AO DIREITO DE DEFESA DA IMPETRANTE. DIREITO LÍQUIDO E CERTO DA AUTORA À REALIZAÇÃO DE NOVA AVALIAÇÃO MÉDICA, NA FORMA PREVISTA NO EDITAL DE CONCURSO E MEDIANTE APRESENTAÇÃO DE MOTIVAÇÃO ADEQUADA. CONCESSÃO PARCIAL DA ORDEM. FIXAÇÃO DE MULTA COMINATÓRIA AOS IMPETRADOS POR EVENTUAL DESCUMPRIMENTO DA DETERMINAÇÃO JUDICIAL. Concessão parcial da segurança.
(TJPR - Órgão Especial - MSOE 655091-8 - Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba -  Rel.: Ruy Cunha Sobrinho - Unânime - J. 18.02.2011)

Do texto do acórdão é possível extrair a possibilidade da astreinte diretamente ao agente público, sendo indicado ainda tratar-se do entendimento firmado por aquela Corte:

Nossa Corte firmou entendimento no sentido da possibilidade da estipulação de astreinte ao agente público, em hipóteses tais, como forma de assegurar o cumprimento da ordem judicial. Confira-se: "A responsabilidade pelo cumprimento da ordem judicial que impõe uma obrigação de fazer é do próprio administrador, por meio de quem se exterioriza a pessoa jurídica de direito público a que pertence, de modo que pela desobediência haverá de ser pessoalmente responsabilizado, mesmo pela imposição de sanção de natureza pecuniária, pois o que interessa à Justiça não é a aplicação da multa em proveito do exequente, mas o cumprimento da obrigação imposta e, por conseguinte, a efetividade do provimento jurisdicional."8 Além do precedente transcrito, da mesma 4ª CCí ainda devem ser mencionados daquele colegiado, o julgamento do AI 434.456-5, j. 27.05.2008, Rel. Juiz Substituto em Segundo Grau Fábio Muniz; da Ap RN 409.986-9, j. em 16.06.2009, Rel. Des. Xisto Pereira. Da 5ª CCí., o AI nº 662.394-5, j. em 16.11.2010, Rel. designado Des. Xisto Pereira. E, para encerrar, da 1ª CCí., a ApRN 151.952-0, .j. em 31.08.2004, rel. designado Des. Sergio Rodrigues.
Este mesmo entendimento acha-se definido no STJ que sobre o tema já assentou: "A cominação de astreintes prevista no art. 11 da Lei nº 7.347/85 pode ser direcionada não apenas ao ente estatal, mas também pessoalmente às autoridades ou aos agentes responsáveis pelo cumprimento das determinações 9 judiciais."

E há diversos outros julgados neste sentido, também de nosso Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Paraná:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA MOVIDA EM FACE DO MUNICÍPIO DE CLEVELÂNDIA. TUTELA INIBITÓRIA LIMINARMENTE DEFERIDA. OBRIGAÇÕES DE FAZER IMPOSTAS, SOB PENA DE MULTA COMINATÓRIA. POSSIBILIDADE DE DIRECIONAMENTO AO PRÓPRIO ADMINISTRADOR PÚBLICO ENCARREGADO DO CUMPRIMENTO DA ORDEM JUDICIAL, DESDE QUE, PREVIAMENTE INTIMADO PARA TANTO, POSSA EM TEMPO HÁBIL INTERVIR NA RELAÇÃO PROCESSUAL E POSTULAR, QUERENDO, O QUE ENTENDER DE DIREITO. CIRCUNSTÂNCIA PRESENTE NO CASO EM EXAME. RECURSO PROVIDO. (1) A responsabilidade pelo cumprimento da ordem judicial que impõe uma obrigação de fazer poderá ser direcionada ao próprio administrador, por meio de quem se exterioriza a pessoa jurídica de direito público a que pertence, de modo que pela desobediência haverá de ser pessoalmente responsabilizado, mesmo pela imposição de sanção de natureza pecuniária, pois o que interessa à Justiça não é a aplicação da multa em proveito do exeqüente, mas o cumprimento da obrigação imposta e, por conseguinte, a efetividade do provimento jurisdicional. (2) Prudente deve ser, no entanto, a conduta do magistrado porque, no mais das vezes, a pessoa física do administrador não integra a relação processual, não podendo, por isso, suportar o ônus pecuniário decorrente da multa cominatória imposta, sob pena de restarem violados os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa (STJ, 2.ª Turma, EDcl. no REsp. n.º 1.111.562/RN., Rel. Min. Castro Meira, j. em 01.06.2010). Em determinadas situações, no entanto, é possível contornar esse impasse porque a multa cominatória somente tem incidência após a prévia intimação pessoal daquele que está obrigado ao cumprimento da decisão judicial (STJ, 4.ª Turma, EDcl. no Ag. n.º 1.145.096/RS., Rel. Min. Luís Felipe Salomão, j. em 22.11.2010). Nessas condições, escorreita será a ordem judicial se puder o administrador público intervir na relação processual e postular, querendo, o que entender de direito, desde que, obviamente, o prazo estipulado judicialmente isso possibilite.
(TJPR - 5ª C.Cível - AI 662394-5 - Clevelândia -  Rel.: José Marcos de Moura - Rel.Desig. p/ o Acórdão: Adalberto Jorge Xisto Pereira - Por maioria - J. 16.11.2010)

Novamente extraem-se da fundamentação do voto as seguintes brilhantes conclusões, fazendo menção a julgamento histórico capitaneado pelo já saudoso Desembargador Gil Trotta Teles:

A 4.ª Câmara Cível deste Tribunal, em diversas oportunidades, veio a proclamar que "A responsabilidade pelo cumprimento da ordem judicial que impõe uma obrigação de fazer é do próprio administrador, por meio de quem se exterioriza a pessoa jurídica de direito público a que pertence, de modo que pela desobediência haverá de ser pessoalmente responsabilizado, mesmo pela imposição de sanção de natureza pecuniária, pois o que interessa à Justiça não é a aplicação da multa em proveito do exeqüente, mas o cumprimento da obrigação imposta e, por conseguinte, a efetividade do provimento jurisdicional" (ApCível n.º 424.021-9, de minha relatoria, j. em 14.04.2008).

Precisa, nesse sentido, a lição manejada em nível doutrinário pelo ilustre Desembargador desta Corte Jorge de Oliveira Vargas, verbis: "Em caso de aplicação da astreinte para obrigar a autoridade pública a cumprir ordem judicial, sobre quem deve recair a multa? Sobre o órgão público ou sobre a pessoa física do administrador? Recentemente, em razão do descumprimento por parte do Governo do Estado do Paraná, de ordem judicial originária de mandado de segurança, o Des. Gil Trotta Telles aplicou uma multa a ser paga pela pessoa física do Governador do Estado (Mandado de Segurança n.º 70.088-5, de Curitiba. Data da decisão: 15.10.99).

Entretanto, alguns defendem que a multa deve ser imposta ao órgão público, porque o administrador público não age em nome próprio, mas como representante do órgão. Este argumento não prospera, porque a desobediência injustificada de uma ordem judicial é um ato pessoal e desrespeitoso do administrador público, não está ele, em assim se comportando, agindo em nome do órgão estatal, mas sim, em nome próprio, porque o órgão, como parte que é da administração pública em geral, não pode deixar de cumprir determinação judicial, pois se assim agir, estará agindo contra a própria ordem constitucional que o criou, ensejando inclusive a intervenção federal ou estadual, conforme o caso (CF/88, arts. 34, VI e 35, IV); seria a rebeldia da parte contra o todo. Quando a parte se rebela contra o todo, ela, a parte, deixa de pertencer àquele.

O Superior Tribunal de Justiça já confirmou decisão que impunha multa pecuniária pessoal à autoridade impetrada. Do texto do aresto colhem-se as citações seguintes: ´No Estado de direito democrático todos, administradores e administrados, sem exceção alguma, são servientes à lei e às decisões judiciais, tanto assim que a Constituição Federal erige como crime de responsabilidade do Presidente da República atentar contra o cumprimento das leis e das decisões judiciais (art. 85, VI).

A responsabilidade pelo cumprimento da ordem judicial é pessoal do agente, por meio de quem se exterioriza a pessoa jurídica, razão pela qual pela desobediência haverá também de ser pessoalmente responsabilizado, mesmo com a imposição de sanção de natureza pecuniária (Conflito de atribuições 46-9 ­ São Paulo (95.29495-8). Rel. Min. Américo Luz)" ("As conseqüências da desobediência da ordem do juiz cível. Sanções: pecuniária e privativa de liberdade". Curitiba, Juruá, pp. 125/126).

É que assim não ocorrendo a decisão judicial, em verdade, nenhuma efetividade terá sobre ser cumprida de forma célere e específica (in natura) a obrigação de fazer ou não fazer por ela imposta, pois restando descumprida de nada adiantará, à frente, determinação interventiva, ser o administrador público responsabilizado criminalmente ou até mesmo por ato de improbidade administrativa.

E, como se sabe, decisão judicial sem efetividade é coisa nenhuma!!! Aliás, a postulada tutela inibitória é um dos mais modernos instrumentos de efetivação do provimento jurisdicional, já que por seu intermédio abandona-se o excessivo apego à vetusta reparação do dano para concentrar-se na sua prevenção ou cessação, ou seja, o alvo da tutela inibitória, voltada a uma prestação específica, é o ato ilícito, impedindo, fazendo cessar ou evitando a continuidade da sua prática É dizer, com base na melhor doutrina processual civil, que "...as normas que, visando garantir determinados bens, vedam certos atos, têm função preventiva. Portanto, se essas normas objetivam garantir bens imprescindíveis à vida social, é claro que sua violação, por si só, implica em transgressão que deve ser imediatamente corrigida. Nas situações em que uma dessas normas é violada, não importa o ressarcimento do dano (não só porque dano pode ainda não ter ocorrido, como também porque a pretensão à correção do ato contrário ao direito é independente da pretensão do ressarcimento do dano) e a punição do violador da norma. O que realmente interessa é dar efetividade à norma não observada" (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. "Manual do Processo do Conhecimento". 3a ed., 2004, pp. 495/496, destacou-se).

Além disso, descumprida a ordem judicial e passando a pessoa jurídica de direito público a ser devedora da multa cominatória imposta, esse ônus pecuniário recairá sobre toda a sociedade, visto que a verba a ser despendida advém do pagamento dos impostos devidos pelos jurisdicionados, vale dizer, trata-se de dinheiro público.

Isso não é justo nem razoável.

O absoluto brilhantismo e senso de Justiça trazido no corpo destes acórdãos citados acima deixa pouco espaço para maiores considerações.

Por cautela, cumpre assinalar que a efetividade das tutelas específicas rege-se pela ampla fungibilidade, sendo dever do Juízo, com esteio no art. 461 do Código de Processo Civil, determinar as medidas que assegurem o resultado pretendido ou o equivalente.

A imposição de astreinte / multa coercitiva diretamente ao agente público provavelmente surtirá os efeitos desejados e é medida menos gravosa do que outras previstas na legislação, doutrina e jurisprudência pátrias. Basta lembrar que parte da doutrina defende até mesmo a prisão civil como forma de coerção para o cumprimento das decisões judiciais.

Neste sentido, a lição do Professor Sergio Cruz Arenhart, citado por Fredie Didier Junior:

Sergio Cruz Arenhart sustenta que a vedação constitucional diz respeito apenas à imposição da prisão civil para cumprimento de prestação decorrente de liame obrigacional, quer o objeto dessa prestação seja um fazer, um não fazer, a entrega de coisa ou o pagamento de quantia. Em seu sentir, a menção à dívida no texto constitucional é empregada no sentido do débito, vinculada, portanto, a um contexto obrigacional de prestação.

Sendo assim, embora entenda que “dívida” aí tem acepção ampla, abrangendo prestações pecuniárias ou não, Arenhart admite a utilização da prisão civil como medida coercitiva para cumprimento de ordem judicial, visto que, ainda que esta ordem imponha uma prestação de conteúdo obrigacional, o objetivo maior da prisão seria fazer-se respeitar o poder de império estatal, resguardando a dignidade da justiça. Neste mesmo sentido, Alexandre Câmara. (DIDIER JUNIOR, Fredie. Obra citada, p. 424)

O desrespeito a decisão judicial é odioso e atentatório à República Federativa do Brasil como um todo, e deve ser combatido a todo custo.

Consigno, ao final, que a omissão do poder público com relação à situação verificada junto à Cadeia Pública de Jundiaí do Sul poderia até implicar, em tese, responsabilização criminal, nos termos do art. 1º, §2º da Lei 9.455/97 (tortura por omissão).

Assim sendo, e sem maiores delongas, ao menos em juízo de cognição sumária, reputo verossímeis as alegações trazidas pelo autor e urgente a medida pleiteada, a fim de autorizar a concessão da antecipação dos efeitos da tutela conforme requerida.

Ante o exposto, CONCEDO A ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA para os fins de:

a)     Determinar ao Estado do Paraná, através do Senhor Governador Carlos Alberto Richa, que, no prazo máximo de trinta dias, providencie as obras necessárias ao funcionamento da Cadeia Pública de Ribeirão do Pinhal, sob pena de multa diária e pessoal no valor de R$ 5.000,00 por dia de atraso.

b)     Determinar ao Senhor Delegado-Chefe da Divisão Policial do Interior que, em quinze dias, remeta ao Juízo cópia do projeto de construção/reforma da Cadeia Pública de Ribeirão do Pinhal.

CITE-SE o requerido, por mandado, na pessoa do Governador do Estado do Paraná, Senhor Carlos Alberto Richa, junto ao Palácio Iguaçu, na Praça Nossa Senhora da Salete, S/N, em Curitiba, Estado do Paraná, para que ofereça resposta no prazo legal e para que cumpra a presente decisão.

Depreque-se com urgência à Comarca de Curitiba a citação do requerido.

Intimações e diligências necessárias.


Ribeirão do Pinhal, 26 de fevereiro de 2012.
  

SERGIO BERNARDINETTI
Juiz de Direito

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