10 de dezembro de 2011

Guarda altruísta



Autos no 1385-32.2011.8.16.0145 – Medida de Proteção


Trata-se de medida de proteção deflagrada pelo Ministério Público em favor da menor XXXX, de apenas seis meses de idade, diante da situação de abandono em que se encontrava por conta da desídia de sua mãe biológica, tendo sido acolhida institucionalmente juntamente de quatro tios, todos menores de idade.

Há notícias de que a mãe havia se mudado, num primeiro momento, para Ponta Grossa, depois para Londrina e, finalmente, há rumores de que se encontra no Distrito Federal, trabalhando como prostituta em casas de alto luxo.

O fato de a mãe exercer tal atividade, por si só, não bastaria à destituição do poder familiar. Entretanto, o que salta aos olhos é o completo abandono e descaso para com sua filha, optando a mãe por cuidar apenas de si própria, lançando a filha à própria sorte, abandonada com a avó alcoólatra e sem qualquer condição de dar suporte à neta (e nem mesmo aos demais filhos menores, que estão todos abrigados).


Soube-se, ademais, que a mãe biológica já tentara negociar a venda da ora protegida a casais que pretendiam registrá-la em sue próprio nome, perfazendo a famigerada “adoção à brasileira”. Aliás, esta sim me parece a verdadeira adoção “à brasileira”, porque típica da mentalidade deturpada lamentavelmente enraizada em nossa cultura, bem diversa da “adoção” feita para fins altruístas que habitualmente se denomina como “à brasileira”, quando casais “pegam para criar” crianças abandonadas e as criam como pais.

Considerando, portanto, que a mãe biológica não reúne nenhuma condição de ter de volta para si sua filha, nem tampouco manifestou qualquer interesse neste sentido, e também porque já se encontra em trâmite a ação de destituição do poder familiar (2009-81.2011.8.16.0145), consultei casais interessados em adoção, a fim de evitar que a criança fique em acolhimento institucional, que é a mais excepcional das situações protetivas.

Também não logramos êxito em localizar qualquer outro membro da família extensa a quem a guarda pudesse ser conferida. Os poucos que existem não reúnem qualquer condição de cuidar de XXXX.

Obedecendo a ordem cronológica do Cadastro Nacional de Adoção, mantido pelo CNJ, e também observando o perfil dos casais interessados, escolhi os requerentes YYYY e AAAA, os quais foram posteriormente submetidos a entrevista com o Conselho Tutelar e CRAS.

Trata-se de casal habilitado para adoção nesta Comarca e também perante o Cadastro Nacional do CNJ, e residentes no município de Santo Antonio da Platina, contíguo a Ribeirão do Pinhal, distante apenas trinta quilômetros.

Advirto que não encontrei outros pretendentes habilitados nesta comarca com perfil compatível ao da protegida, sendo o casal citado, portanto, o primeiro da lista, obedecidos os demais critérios de compatibilidade.

Em entrevista com este Magistrado, presente o D. representante do Ministério Público, foram instruídos e entenderam a situação jurídica da criança, declarando, após, terem pleno interesse em assumir a guarda altruísta da menor até a eventual possibilidade de ingressarem com a adoção.

Saltou aos olhos, ademais, nesta reunião com os pretendentes, o carinho e a emoção que demonstraram ao saberem detalhes da criança. A pretendente AAAA foi tomada pelas lágrimas o tempo todo. Foi também muito positivo constatar que, ao serem convidados para a reunião, trouxeram todos os familiares que puderam arrebatar no pouco tempo que tiveram para se preparar, já tendo trazido até uma cadeirinha veicular para o transporte do bebê, além de outros insumos e materiais típicos (fraldas, etc.), na esperança de ter XXXX consigo ainda naquele dia.

Saliento, ao final, que o casal já tem um filho adotivo, de sete anos de idade, que está muito bem, conforme demonstrado pelo estudo social.

Assim sendo, não me parece justo deixar que um bebê fique acolhido institucionalmente por vários meses, quando não vários anos, aguardando a solução para os meros entraves burocráticos que impedem sua entrega a novos pais. Tudo o que vejo é uma criança abandonada, vítima das nossas falhas de caráter como seres humanos. Não tenho dúvidas de que XXXX está sendo muito bem cuidada pelas zelosas funcionárias da Casa Lar desta Comarca. Contudo, nada é mais importante para uma criança do que o carinho e o amor de sua família, seja ela biológica ou não, vez que isto pouco importa.

A medida vem ao encontro da prevalência da família em detrimento do abrigo, na forma do art. 34 §1º, do ECA, militando em favor do bem estar do bebê e também diante do excesso de crianças acolhidas.

Portanto, DEFIRO o acolhimento familiar da criança, como prevê o art. 34, §2º, do ECA, no regime de guarda altruísta, aos interessados indicados.

Expeça-se termo de guarda e responsabilidade (art. 32 do ECA), viabilizando a retirada da criança da Casa Abrigo e a assunção dos direitos e responsabilidades inerentes ao instituto da guarda.

Com o trânsito em julgado da ação de destituição, intimem-se os requerentes para ingresso da ação de adoção, com a juntada dos documentos necessários.

Ciência ao Ministério Público.

Encaminhe-se cópia da presente decisão ao Conselho Tutelar.

Intimações e diligências necessárias.

Ribeirão do Pinhal, 9 de dezembro de 2011.
  
SERGIO BERNARDINETTI
Juiz de Direito

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