30 de dezembro de 2011

A Constituição deve ser cumprida por todos, sem exceção.



1ª Vara Judicial da Comarca de Jacupiranga
Autos nº 637/2011
Impetrante:              T
Impetrado:               Presidente da Câmara Municipal de X
Litisconsortes:          Câmara Municipal de X e
                                 Município de X
                                
S  E  N  T  E  N  Ç  A

Vistos, etc.
1. Relatório:
T impetrou mandado de segurança com o objetivo de se ver mantido no desempenho do mandato de vice-prefeito, com a consequente invalidação do Ato n. 003/2011 editado pelo Presidente da Câmara Municipal de X e que declarou a vacância do referido cargo. Aduziu que deseja permanecer no cargo de Vice-Prefeito e que o ato de declaração de vacância está eivado de vícios, pois (I) houve desistência da renúncia antes da conclusão do ato; (II) o pedido de renúncia decorreu de coação; e (III) não se observou a previsão de defesa contida no procedimento de extinção do mandato de prefeito (fls. 2-12).
A liminar foi concedida (fls. 94-96).
A autoridade impetrada prestou informações defendendo a legalidade do ato em razão de ser falsa a alegação de coação, de que a retratação da renúncia precisaria de rigor formal para ser recebida (com o comparecimento pessoal do interessado à Câmara Municipal e com o reconhecimento de firma), de que era duvidosa a autenticidade da assinatura lançada no pedido de desistência da renúncia, de inexistência de vício de vontade, de inviabilidade de mandado de segurança e de que haveria indevida interferência na separação de poderes (fls. 111-115).
O Ministério Público do Estado de São Paulo apresentou pronunciamento pela concessão da segurança (fls. 117-118).
A Câmara Municipal de X (embora não seja pessoa jurídica de direito público interno) compareceu aos autos assumindo a condição de litisconsorte e apresentou contrariedade à pretensão inicial, aduzindo inadequação da via por inviabilidade de dilação probatória, não haver prova da autenticidade do documento de desistência e de ser eficaz a renúncia com o simples protocolo do pedido (fls. 120-125).
Também o Município de X compareceu ao feito para assumir a condição de litisconsorte e defendeu a concessão da segurança (fls. 156-157).
É o relatório. Decido.

2. Fundamentação:
Efetivamente é inviável o mandado de segurança na parte relativa à alegação de vício de vontade no ato de renúncia, pois demandaria dilação probatória (o que por si só exclui a certeza e liquidez da pretensão nesse aspecto). Também não assiste razão ao impetrante a alegação de que seria necessária a adoção da previsão de defesa contida no procedimento de extinção do mandato de prefeito, pois o texto da norma não deixa dúvidas de que se trata de situação restrita ao pedido de extinção de mandato elaborado por terceira pessoa que não o próprio detentor do cargo eletivo (e é até mesmo óbvio que alguém não precisa se defender de um pedido que esse próprio alguém tenha formulado).
Todavia, a segurança merece ser concedida em razão da situação decorrente da desistência do pedido de renúncia. E aqui não há necessidade de dilação probatória, porque mesmo se remanescesse alguma dúvida acerca da veracidade do documento de desistência da retratação, bastaria à autoridade impetrada no bojo do procedimento administrativo determinar diligência para que o desistente ratificasse sua vontade. Mas nem isso se faz necessário, pois está mais do que claro que a vontade do impetrante é mesmo se retratar da renúncia e permanecer no cargo, pois do contrário sequer teria ingressado com o mandado de segurança.
Explico.
Toda situação jurídica para ser constituída de modo pleno precisa possuir os planos de existência, de validade e de eficácia.
E há determinados casos em que a lei prevê exigências específicas para o preenchimento de algum desses planos. É o que ocorre com a extinção do mandato do vice-prefeito do Município de X, na medida em que em caso de renúncia ela não produz efeitos por si só, mas precisa a extinção ser assim declarada pelo Presidente da Câmara Municipal (artigo 76 da Lei Orgânica do Município). Ou seja, a declaração da extinção do mandato é um requisito para a eficácia da renúncia ao mandato. Claro, pois mesmo que exista e seja válida renúncia, somente com a declaração de extinção é que passa a surgir a eficácia da renúncia.
Desse modo, enquanto não fosse perfectibilizada a extinção do mandato (com a atribuição de eficácia) não haveria quaisquer problemas em haver a retratação (ou “desistência”) da renúncia. Aliás, tanto é possível a retratação antes da atribuição da eficácia que a própria autoridade impetrada assim o reconhece, apenas alegando a retratação deveria obedecer ao mesmo rigor formal exigido para protocolar a renúncia (fl. 113).
Ocorre que o suposto “rigor formal” que foi exigido (comparecimento pessoal e reconhecimento de firma) não encontra amparo legal. Não há lei que preveja a forma que foi exigida e a forma simples adotada no documento de desistência da renúncia também não é proibida por lei. Logo, há de se aplicar a inteligência ao raciocínio do artigo 104, inciso III, do Código Civil.   
Então, reputo que a retratação da renúncia foi efetuada de modo e em tempo oportuno, pois é incontroverso que ela ocorreu antes da declaração de extinção do mandato (o que também está comprovado pelo documento de fl. 141), ou seja, antes que a renúncia atingisse eficácia.
De toda maneira, caso houvesse alguma dúvida quanto à veracidade da vontade de se retratar quanto à renúncia, não cabia à autoridade impetrada simplesmente optar por desconsiderar a retratação, mas sim de oportunizar que fosse ela validada, ratificada.
Aliás, até mesmo se a retratação (“desistência da renúncia”) fosse assinada por terceira pessoa não detentora de mandato outorgado com poderes a tanto poderia ela ser convalidada, bastando que o interessado (o ora impetrante) a ratificasse expressamente ou por ato inequívoco (o que se extrai do artigo 622 do Código Civil).  
A esse respeito, muito bem ponderou o ilustre representante do Ministério Público que a dúvida “não se trata de óbice ao reconhecimento do pedido e, se não basta para o afastamento de plano do pedido de renúncia, deveria, ao menos, ensejar a suspensão da sessão extraordinária até que fosse determinada a autenticidade daquele documento” (fl. 117).
É de clareza solar que se não havia segurança quanto à veracidade da vontade de se retratar quanto à renúncia, também não havia certeza quanto à situação oposta (de falsidade da retratação), o que tornou açodada a declaração de extinção do mandato, pois foi editada com lastro em uma mera suposição. Se havia mesmo qualquer dúvida quanto à veracidade, o mínimo que se poderia esperar era que se oportunizasse diligenciar a ratificação da “desistência da renúncia” de modo a suprir quaisquer dúvidas. Era isso que o recomendava a razoabilidade (que é um axioma constitucional), pois consistia na única conduta prudente, máxime em se tratando de situação relacionada a mandato eletivo, em que apenas excepcionalmente se pode contrariar a vontade manifestada nas urnas pelos eleitores.
E tendo o ato de declaração de extinção do mandato violado o princípio da razoabilidade, acabou por afrontar a Constituição, motivo pelo qual padece também de invalidade.
Em síntese, há dois motivos que fundamentam a concessão da segurança e que se relacionam ao procedimento de extinção de mandato: a ineficácia da renúncia e a invalidade do ato de declaração de extinção do mandato.
Por fim, há de se salientar que não é apropriada a alegação de que a atuação jurisdicional consiste em ofensa à separação dos poderes, pois não se está diante de ato interna corporis do Poder Legislativo (inclusive, tanto não é interna corporis que sequer se relaciona exclusivamente ao Poder Legislativo, pois toca diretamente o Poder Executivo). E como houve lesão a direito, o controle jurisdicional é chancelado pelo artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição da República Federativa do Brasil, Constituição essa que está acima até mesmo do Poder Judiciário ou do Poder Executivo, devendo ser cumprida por todos, sem exceção.        
3. Dispositivo:
Diante do exposto, extinguindo o feito com resolução do mérito (CPC, art. 269, inciso I, primeira parte) e ao tempo em que confirmo a liminar, CONCEDO a segurança para o fim de manter o impetrante no desempenho do mandato de Vice-Prefeito do Município de X, de modo que reconheço a ineficácia da renúncia e a invalidade do Ato n. 003/2011 editado pelo Presidente da Câmara Municipal de X (que declarou a vacância do Cargo de Vice-Prefeito).
Caso isento de custas.
Sem condenação em honorários advocatícios (Súmula nº 105 do STJ).
Em atenção ao art. 13, caput, da Lei nº 12.016/2009 transmita-se por ofício o inteiro teor da sentença à autoridade impetrada e à pessoa jurídica interessada (Município de X).
Anoto que a sentença produz efeitos desde logo e a fase recursal se processa exclusivamente com efeito devolutivo (interpretação ao art. 14, § 3º, da Lei n. 12.016/2009).
Decorrido o prazo para recurso voluntário, remetam-se os autos ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo para fins de reexame necessário (art. 14, § 1º, da Lei nº 12.016/2009).
Ciência ao Ministério Público.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Jacupiranga, autodata.

AYRTON VIDOLIN MARQUES JÚNIOR
Juiz Substituto

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