26 de dezembro de 2011

Quando a confissão no inquérito não tem valor.


1ª Vara Judicial da Comarca de Jacupiranga
Autos nº 299/2011
Autor:                       Ministério Público do Estado de São Paulo
Denunciados:           E e
                                 J

S  E  N  T  E  N  Ç  A

Vistos, etc.
1. Relatório:
E e J foram denunciados como incursos nas sanções dos artigos 33, caput, e 35, caput, da Lei n. 11.343/2006 em razão de tráfico e associação para o tráfico, sendo que em 1º de junho de 2011 traziam consigo 13 porções de crack e 11 porções de cocaína (fls. 1D-3D).
Depois de apresentadas as defesas prévias (fls. 65 e 71-72), a denúncia restou recebida em 21 de julho de 2011 (fl. 73).
Durante a instrução houve a inquirição de oito testemunhas e os réus foram interrogados.
Em alegações finais a acusação realizou exame sobre as provas e pugnou pela procedência integral da denúncia, sem a incidência do redutor (fls. 138-147).
As defesas sustentaram teses de insuficiência probatória e de desclassificação para o crime de posse de drogas para consumo pessoal (fls. 130-133 e 148; e 154-155).
É o relatório. Decido.

2. Fundamentação:
A pretensão punitiva é parcialmente procedente.
A existência do crime de tráfico está demonstrada pelo auto de exibição e apreensão (fl. 25), pelos laudos de constatação (fls. 18 e 19) e pelo exame químico toxicológico (fl. 93), sendo que este último atestou pericialmente serem drogas as substâncias, estando relacionadas na Portaria SVS/MS 344, de 12 de maio de 1998.
Porém, tenho que existe prova suficiente apenas para condenação de J pela incursão no tráfico de drogas.
Explico.
No presente caso as confissões dos réus constantes dos interrogatórios na fase policial excepcionalmente não merecem ser recebidas como prova. O conteúdo daquelas confissões destoa integralmente dos fatos apresentados pelos policiais militares (tanto na fase policial quanto em juízo) e pelo restante dos elementos de convicção coligidos durante a instrução, na medida em que até mesmo há indícios de que o adolescente também estaria a traficar, e não de que estaria no local apenas para comprar drogas vendidas por E sob o comando de J. Também os valores em dinheiro que teriam sido arrecadados com a venda de drogas declinados em tais interrogatórios não são compatíveis com a quantidade de drogas que teria sido vendida por E em benefício de J, tampouco com as quantias encontradas em poder deles.
A prova firme que existe nos autos é aquela narrada de modo harmônico e firme pelos policiais militares (sendo essa prova hábil a firmar a convicção deste magistrado). Segundo os três policiais militares, as drogas foram apreendidas em poder de J, sendo que J chegou a confessar na ocasião da prisão que parcela do dinheiro apreendido em sua residência (R$ 270,00) era fruto da traficância. Ainda segundo eles, E na ocasião afirmou que o dinheiro que portava (R$ 100,00) era fruto de uma roçada e que seria entregue integralmente para J (sem explicar o motivo pelo qual faria a entrega para J).
É diante dessas informações prestadas pelos policiais militares que entendo haver prova apenas de que J estava traficando.
Há indícios de que E também traficava, pois em juízo negou que fosse entregar o dinheiro para J (o que contraria o depoimento dos policiais militares) e o policial S chegou a contar que já recebeu notícias de que a pessoa de apelido “bundinha” (apelido esse ostentado pelo réu E) estaria envolvida na “correria” do tráfico. Porém, essas circunstâncias são contrabalanceadas pelos fatos de que: (a) desde o momento da prisão em flagrante pela polícia militar ele negou estar traficando; (b) o próprio policial S contou que não podia confirmar a veracidade dessas informações de “bundinha” estar envolvido na “correria”; (c) E não ostenta quaisquer outros apontamentos criminais em sua vida pregressa; e (d) não era E quem estava em poder das drogas. Diante desses elementos, resulta presente dúvida razoável acerca do envolvimento de E na traficância.
E pela insuficiência probatória no envolvimento de E no tráfico de drogas, pelo mesmo fundamento há de se absolver ambos os réus da incursão no crime de associação para o tráfico.
Aparentemente, embora não tenha assumido isso em juízo, E estava no local para comprar drogas, pois é ele usuário de drogas e sabia que naquele local ocorria venda de entorpecentes, não sendo plausível que mesmo tendo drogas à sua disposição naquele local optasse por se deslocar até o centro de Cajati para adquirir os estupefacientes para seu uso.  
Mas os mesmos testemunhos dos policiais militares que absolvem E são os que condenam J. Com efeito, tanto em juízo quanto na fase policial os militares relataram de modo firme e harmônico que J estava em poder das drogas e que ele próprio confessou que duzentos e setenta reais que estavam em sua residência eram produto da venda de drogas. Além da coerência entre os testemunhos, nada há que possa desacreditá-los, pois o próprio réu confirmou que nada tem contra pelos menos dois dos policiais. Esses testemunhos autorizam a convicção jurisdicional de que J incorreu em tráfico de drogas. Soma-se a essa conclusão que as drogas eram de qualidades distintas (crack e cocaína) e que a quantidade era considerável, elementos esses que se agregam como fatores típicos de tráfico de drogas.
Então, tenho que J incorreu no crime disposto no artigo 33, caput, da Lei nº 11.343/2006, motivo pelo qual ficam afastadas as suas teses defensivas de mérito, máxime porque a circunstância de ser usuário de drogas não exclui o fato de que também estava a traficar e que a existência de recebimento de dinheiro em decorrência de acerto trabalhista também não exclui o fato de que parcela do dinheiro que estava sob seu poder decorria do tráfico de drogas.
Não obstante, tem incidência o disposto no § 4º do artigo 33 da Lei nº 11.343/2006, pois não há nos autos elementos no sentido de que o acusado fosse dedicado a atividades criminosas ou que integrasse organização criminosa. É que ele é tecnicamente primário e até poucos meses antes da prisão ainda mantinha ocupação honesta (o que traduz que deveria ser relativamente recente o seu envolvimento no tráfico de drogas).
Assim, a conduta humana praticada pelo acusado J se amolda ao disposto no artigo 33, caput e § 4º, da Lei nº 11.343/2006, estando verificadas no caso a antijuridicidade e a culpabilidade. Oportuno consignar que não se faz necessária instauração de incidente de dependência toxicológica. Isso porque o réu não apresentava comportamento de pessoa acometida de dependência, tanto que sua testemunha de defesa sequer soubesse que ele usasse drogas. Inclusive, a análise do interrogatório do acusado permite concluir que se encontrava ele orientado no lugar e no espaço, tendo raciocínio adequado para responder às perguntas. A esse respeito, mutatis mutandis: STJ, HC 84322/PA, rel. Min. Felix Fisher, DJe 21.6.2010.
3. Dispositivo:
Diante do exposto, julgo procedente em parte a pretensão punitiva para os fins de:
(a) ABSOLVER o acusado E das imputações de incursão nos crimes previstos nos artigos 33, caput, e 35, caput, da Lei n. 11.343/2006, o que faço com esteio no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal;
(b) ABSOLVER o acusado J da imputação de incursão no crime previsto no artigo 35, caput, da Lei n. 11.343/2006, nos moldes do artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal; e
(c) CONDENAR o acusado J como incurso nas sanções do artigo 33, caput e § 4º, da Lei n. 11.343/2006.
Nessas condições e partindo do mínimo legal, passo à dosimetria e individualização da pena para o crime de tráfico de drogas praticado por J, com observância ao sistema trifásico adotado pelo Código Penal (CP, art. 68).
Na primeira fase reputo desfavorável a circunstância da culpabilidade. Dentre as diversas expressões da culpabilidade no direito penal, no momento da dosimetria funciona como limite da pena, agindo como “elemento de determinação ou de medição” (Cezar Roberto Bitencourt. Tratado de Direito Penal: parte geral. 9ª ed., Saraiva, p. 607). Como explica a exposição de motivos do Código Penal (Lei nº 7.209/84) em sua nota 50, a opção legislativa pela utilização de tal circunstância reside na observação de que “graduável é a censura, cujo índice, maior ou menor, incide na quantidade da pena”. Trata-se, a meu ver, da mais importante e ampla circunstância judicial. A avaliação, assim, deve passar pelo exame do maior ou menor grau de reprovabilidade da conduta praticada, não só em razão das condições pessoais do agente, como também em vista da situação de fato em que ocorreu a ação delitiva. No caso, e especialmente atento ao disposto no art. 42 da lei antidrogas, a diversidade e a qualidade das drogas (crack e cocaína), que se inserem dentre as mais nefastas, demonstram que a conduta merece maior grau de censura, razão pela qual elevo a pena em seis meses de reclusão e cinquenta dias-multa. Apesar da existência de apontamento criminal na vida pregressa do sentenciado, deixo de promover elevação a título de maus antecedentes, personalidade ou conduta social por inteligência à Súmula n. 444 do Superior Tribunal de Justiça. Pena base em cinco anos e seis meses de reclusão e quinhentos e cinquenta dias-multa.
Na segunda fase não incidem atenuantes e nem agravantes. Pena provisória em cinco anos e seis meses de reclusão e quinhentos e cinquenta dias-multa.
Na terceira fase não incidem causas de aumento, mas incide a causa de diminuição de pena prevista no artigo 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, de modo que reduzo a pena à metade, sopesando para tanto a culpabilidade (diante da diversidade e da qualidade das drogas, que estão dentre as mais nefastas) e tendo em vista que o saldo de pena a cumprir se revela compatível e proporcional com a conduta praticada. Pena definitiva: 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de reclusão e 275 (duzentos e setenta e cinco) dias-multa.
O regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade deve ser o fechado, a ser executado em estabelecimento de segurança máxima ou média, de acordo com a disponibilidade do sistema penitenciário, com observância às regras do art. 34 do CP, bem como observando que a condenação se refere a crime equiparado a hediondo, contando com prazo mais rigoroso para progressão. Observo que o regime de cumprimento fechado é o único indicado ao caso em razão da presença de circunstância judicial desfavorável reveladora de maior periculosidade (art. 33, § 3º, do Código Penal), mostrando-se o regime justificável em atenção às finalidades da pena, notadamente a necessidade de proporcionalidade entre o grau da ofensa e a resposta estatal, observando a grave violação a bens jurídicos. Inclusive, o regime mais gravoso se apresenta necessário diante da circunstância de que o réu optou por não confessar em juízo sua incursão na traficância, o que traduz que ainda não iniciou o processo de conscientização acerca da gravidade de sua conduta e das consequências de seus atos.
São incabíveis a substituição por penas restritivas de direitos e o sursis, pois o réu conta com desfavorável culpabilidade, hábil a indicar que as benesses não seriam suficientes (arts. 44 e 77 do CP).
Fixo o valor unitário do dia-multa em um trigésimo do montante do salário mínimo vigente ao tempo do fato, ante a condição econômica do sentenciado.
Resumo da sentença:
A denúncia foi julgada parcialmente procedente.
E foi absolvido das imputações de incursão nos crimes previstos nos artigos 33, caput, e 35, caput, da Lei n. 11.343/2006, na forma do artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.
J foi absolvido da imputação de incursão no crime previsto no artigo 35, caput, da Lei n. 11.343/2006, nos moldes do artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal. Mas foi condenado como incurso nas sanções do artigo 33, caput e § 4º, da Lei n. 11.343/2006. Deverá cumprir a pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de reclusão e 275 (duzentos e setenta e cinco) dias-multa. O regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade é o fechado. A pena de multa foi fixada na proporção mínima.
Disposições finais:
(a) Diante da absolvição integral, expeça-se alvará de soltura em favor do acusado E.
(b) Tendo em vista que a prisão de J foi mantida durante o curso processual e considerando que a segregação se afigura necessária por garantia da ordem pública (CPP, art. 312), diante da gravidade concreta do crime (em razão da qualidade e da diversidade das drogas), a prisão cautelar deve ser mantida (CPP, art. 387, parágrafo único), de modo que o sentenciado não poderá apelar em liberdade
(c) Nos termos do art. 804 do CPP condeno o acusado J ao pagamento das custas processuais, com a ressalva do artigo 12 da Lei n. 1.060/50.
(d) Por ser vítima a coletividade deixo de fixar valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração (CPP, art. 387, inciso IV). Não desconheço a existência de posicionamento no sentido de que o Estado poderia ser destinatário da indenização, entretanto, reputo que a reparação pecuniária ao Estado já ocorre através da previsão legal da multa.
(e) Incide no caso o efeito genérico da condenação contido no inciso I do art. 91 do CP, não incidindo quaisquer dos específicos (CP, art. 92).
(f) Tendo em vista que a quantia de R$ 270,00 (duzentos e setenta reais), consistente em parte do que foi depositado à fl. 59, refere-se a proveito auferido com a prática de tráfico de drogas, com fundamento no art. 91, inciso II, alínea “b”, do Código Penal, e no art. 63 da Lei nº 11.343/2006, decreto a sua perda em favor da União, devendo o valor (com os respectivos acréscimos) ser revertido ao FUNAD (Fundo Nacional Antidrogas).
(g) Por ora deixo de determinar a perda dos demais bens e valores apreendidos, sem prejuízo da ulterior aplicação do disposto no artigo 123 do CPP, bem como da utilização do dinheiro apreendido remanescente para a solvência da pena de multa.
(h) Em atenção ao art. 15, inciso III, da Constituição da República declaro a suspensão dos direitos políticos do condenado.
(i) Considerando que eventual recurso sobre a sentença condenatória não terá efeito suspensivo, em atenção à Resolução nº 19 do Conselho Nacional de Justiça, havendo apelação, expeça-se guia de recolhimento provisório em desfavor do condenado J.
(j) Em observância ao item 22, “d”, do Capítulo V das Normas de Serviço da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de São Paulo, e com a qualificação completa dos sentenciados, comunique-se o desfecho da ação penal ao serviço distribuidor e ao Instituto de Identificação Ricardo Gumbleton Daunt (IIRGD).
(k) Por decorrência do art. 58, § 1º, da Lei nº 11.343/2006, não tendo havido controvérsia no curso do processo sobre a natureza ou quantidade das substâncias, nem sobre a regularidade do laudo técnico, determino que seja procedida a destruição, por meio de incineração, dos entorpecentes apreendidos (art. 32, § 1º), que deverá ser executada pela autoridade de polícia judiciária, na forma do art. 32, § 2º, da Lei nº 11.343/2006. Em havendo interposição de recurso sobre a decisão, fica mantida a determinação de incineração do entorpecente, hipótese em que, não obstante, deverá ser preservada a quantidade suficiente a eventual contraprova.
(l) Após o trânsito em julgado: (l.1) lance-se o nome do condenado no rol dos culpados (CPP, art. 393, inciso II); (l.2) oficie-se ao juízo eleitoral do local do domicílio do condenado comunicando a suspensão dos direitos políticos; (l.3) lance-se o cálculo das custas processuais; e (l.4) expeça-se a definitiva guia de recolhimento para execução da pena.
A detração penal será apreciada na fase de execução, na forma do art. 66, inciso III, alínea “c”, primeira figura, da LEP.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Jacupiranga, autodata.

AYRTON VIDOLIN MARQUES JÚNIOR
Juiz Substituto

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