3 de dezembro de 2011

O prazer em ser juiz


CONCLUSÃO
Em 30 de novembro de 2011, faço estes autos conclusos ao MM. Juiz da vara em epígrafe. O(a) esc.


Artigo 5º, a, da Convenção das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (1979): “Os Estados-partes tomarão todas as medidas apropriadas para modificar os padrões sócio-culturais de conduta de homens e mulheres, com vistas a alcançar a eliminação de preconceitos e práticas consuetudinárias e de qualquer outra índole que estejam baseados na idéia da inferioridade ou superioridade de qualquer dos sexos ou em funções estereotipadas de homens e mulheres”.


Vistos.

Trata-se de feito no qual a autora pretende ver-se reintegrada ao concurso público para a função de policial militar, já que reprovada na respectiva investigação social, mesmo tendo atuado como soldado temporário (sem qualquer anotação negativa em seus prontuários).

A liminar foi deferida às fls. 65.

Em petição às fls. 97/98, pleiteia a Fazenda do Estado a revogação da liminar, apresentando, em anexo, ofício confidencial da Polícia Militar explanando as razões da reprovação da autora, conforme trecho que segue (103/104):


“Testemunhas sob a égide do mais absoluto sigilo das informações e garantias prestadas declararam que, em 09JAN09, durante confraternização realizada na Chácara XXXX, localizada às margens da Rodovia XXXX  em XXXX/SP, após ingerir bebida alcoólicafoi vista aos beijos e ‘amassos’ – segundo Dicionário Hauaiss: abraço ou apalpação de caráter amoroso ou libidinoso; esfregação – com um Policial Militarem meio a esmagadora presença masculinadeixando a todos em situação constrangedora, inclusive sendo alvo de comentários entre colegas de profissão;
Posteriormente, a Interessada, já aparentemente estado de embriaguezdeslocou-se até o veículo desse mesmo Policial Militar, que se encontrava no pátio do Auto Posto XXXX, com as portas abertas e o som em alto volume e lá continuou aos ‘amassos’ com esse Policial, sem se importar com a presença das demais pessoas, dando margens a vários comentários jocosos entre o efetivo militar;
Embora não tivesse registrado em seu desfavor qualquer Procedimento Disciplinar, verificou-se através dos testemunhos de colegas de caserna que a Interessada apresentava um perfil não condizente com a função Policial Militar;
A conduta apresentada pela Interessada denota claro afrontamento a valores e deveres existentes na Instituição, os quais lhe foram retransmitidos quando de sua participação do curso técnico-profissional para Sd PM Temporário;
Cabe ressaltar que o cargo de Soldado da Polícia Militar exige idoneidade e conduta ilibada, por representar o monopólio da força estatal na preservação e manutenção da ordem pública;
Os fatos apurados pela investigação sigilosa indicam que os elementos desabonadores em desfavor da interessada são graves e guardam estrita relação com o perfil moral rigoroso que se exige para quem queira exercer o cargo de Policial Militar, destarte, os pressupostos exigidos para ser um guardião da sociedade deverão ser analisados e considerados de forma abrangente e não somente mensurar se o pretendente é criminoso ou não, pois, a Investigação Social feita foi ampla e levou em consideração informações sobre sua vida pregressa, sua conduta social e profissional, concluindo-se que a Interessada não reúne condições de ingressar nas fileiras da Polícia Militar;
A sociedade espera e almeja que os agentes públicos sejam fiéis cumpridores das leis e honrem os mais altos valores sociais de justiça e convívio. Tais valores são as basilares da Instituição Policial Militar, não sendo admissível conduta diversa daquela que proporciona a segurança pública”


A par de ter vindo sustentada a decisão liminar não apenas no fato de a autora ter sido soldado temporário, sem anotações negativas, bem como por não apresentar qualquer anotação criminal e ter recebido uma declaração absolutamente positiva por parte do 2º Tenente XXXX, tem-se que as informações trazidas no ofício supra apenas reforçam a convicção deste julgador de que deve, ao menos até a decisão final, permanecer a autora no certame em questão.

Em primeiro lugar, não se mostra razoável que nem mesmo ao Judiciário sejam fornecidos os dados das “testemunhas” que relataram o referido episódio da vida sentimental da autora.

Não se sabendo quem fez as tais declarações, como averiguar se são dignas ou não de fé?

Mas ainda que se passe por cima deste “pequeno detalhe” – pois é assim que muitas vezes são tratados princípios como ampla defesa e contraditório –, cabe logo outra observação.

Todos os anos, policiais, defensores públicos, juízes, procuradores, promotores, delegados, seres humanos em geral, participam, especialmente nesta época, de festas de confraternização. Uns bebem além da conta, outros dão beijos um pouco mais calorosos em amores antigos ou mesmo novos, alguns, sob o ponto de vista moral, até causam certa espécie a outros colegas mais pudicos, mas, salvo raras exceções – e as atitudes descritas em relação à autora não parecem fazer parte desse quadro –, não se observa, em tais condutas humanas, demasiadamente humanas – em momentos de descontração, de se deixar de lado toda a carga de tensão e responsabilidade dos respectivos cargos, ambientados entre colegas e pessoas próximas, no contexto, portanto, privado do próprio direito constitucional ao lazer (art. 6º), etc –, qualquer desvio que possa de fato afetar o desempenho da função pública assumida por tais agentes, ou mesmo a própria imagem das instituições.

Causa espécie – ou talvez nem devesse, infelizmente – a referência de que os “amassos” protagonizados pela autora (certamente não sozinha, e em seguida chegaremos nisso) foram em meio à “esmagadora presença masculina” – dando-se a entender ser tal um agravante.

É “curioso”, ainda, como não se vê qualquer informação acerca de eventual medida disciplinar aplicada em face do policial militar (do sexo masculino) que se relacionou com a autora na confraternização em questão.

E com isto não se está a esperar a repreensão, evidentemente, de tal policial, mas se destaca o quão manifestamente discriminatória e absolutamente não razoável mostrou-se a decisão administrativa em questão.

Mais ainda, a própria instituição em questão deixou claro que não se registrou em face da autora – que, vale frisar, desempenhava a função de soltado temporário – “qualquer Procedimento Disciplinar”. Mas quanto a isto, mais para frente, há a referência de que as funções seriam diversas, exigindo-se “mais” do cargo almejado pela autora.

Mas se há rigidez na instituição em relação ao comportamento privado moral de seus membros, parece não fazer sentido tal distinção.

Os fatos, portanto, mesmo sob a ótica da instituição militar, não eram suficientes para sequer serem objeto de apuração disciplinar, mas por ter-se verificado “através dos testemunhos de colegas de caserna que a Interessada apresentava um perfil não condizente com a função Policial Militar” fora desclassificada do concurso em questão, sem, assim, ter a oportunidade sequer de defesa – o que, imagina-se, ser-lhe-ia franqueado em eventual procedimento administrativo.

E, realmente, não se observa dos fatos narrados uma situação que pudesse, com razoabilidade – que é o que se espera de todo ato administrativo –, ser suficiente para a exclusão da autora do certame.

Não há dúvidas de que é preciso que policiais militares sejam muito bem selecionados, justamente para que se evite que se valham de sua força no desempenho da função para condutas absolutamente reprováveis, como a violência imotivada ou desproporcional, a prática de tortura, corrupção, dentre outros desvios a que se encontram sujeitos maus policiais, assim como maus juízes e todos os que fazem parte de qualquer categoria humana, evidentemente.

Assim, não se pode anuir que o Judiciário se abstenha de analisar o ato administrativo em questão sob o argumento de que estaria abrangido pela discricionariedade administrativa, tendo sido produzido “dentro do princípio de legalidade estrita” (!) (fls. 98)[1].

MANTENHO, portanto, a decisão liminar.

Preservando-se, por ora, o sigilo dos autos, manifeste-se a autora se faz questão que o acesso aos autos se restrinja às partes e seus procuradores ou se não se importa que permaneça público (sendo que o silêncio será assim interpretado) – já que não se observa qualquer risco à “segurança da sociedade ou do Estado” em se tornar público o motivo pelo qual se desclassificou a autora do concurso em questão.

Aguarde-se a contestação, abrindo-se para réplica, se o caso, e, em seguida, tornando os autos conclusos.

Int.

Novo Horizonte, 30 de novembro de 2011.


Roberto Luiz Corcioli Filho
Juiz de Direito


RECEBIMENTO DE SENTENÇA/DECISÃO/DESPACHO
Em ____ de ______________ de _______, recebi estes autos e publiquei o(a) r. sentença/decisão/despacho em cartório. Eu, _________ escrev, subscr.


[1] Conforme bem anotado por Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, São Paulo, Malheiros, 2005, 20ª ed, pp. 67/68, “descende também do princípio da legalidade oprincípio da razoabilidade. Com efeito, nos casos em que a Administração dispõe de certa liberdade para eleger o comportamento cabível diante do caso concreto, isto é, quando lhe cabe exervitar certa discrição administrativa, evidentemente tal liverdade não lhe foi concedida pela lei para agir desarrazoadamente, de maneira ilógica, incongruente. Não se poderia supor que a lei encampa, avaliza previamente, condutas insensatas, nem caberia admitir que a finalidade legal se cumpre quando a Administração adota medida discrepante do razoável. Para sufragar este entendimento ter-se-ia que atribuir estultice à própria lei na qual se haja apoiado a conduta administrativa, o que se incompatibilizaria com princípios de boa hermenêutica. É claro, pois, que um ato administrativo afrontoso à razoabilidade não é apenas censurável perante a Ciência da Administração. É também inválido, pois não se poderia considerá-lo confortado pela finalidade da lei. Por ser inválido, é cabível sua fulminação pelo Poder Judiciário a requerimento dos interessados. Não haveria nisto invasão do ‘mérito’ do ato, isto é, do campo da discricionariedade administrativa, pois discrição é margem de liberdade para atender o sentido da lei e em seu sentido não se consideram abrigadas intelecções induvidosamente desarrazoadas, ao menos quando comportar outro entendimento”.

Um comentário:

  1. Com tantos policiais corruptos eles impedem uma mulher de trabalhar só porque ela estava dando um amasso com um policial.

    quer saber, a “esmagadora presença masculina" estava morrendo de inveja!

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