16 de dezembro de 2011

Julgamento de plano de um pedido em razão de manifesta improcedência.


Autos nº 164/2011
              Vistos, etc.
1.           Recebo a inicial e sua emenda (fl. 14).
2.         X ajuizou contra a Universidade Y pedidos de imposição de obrigação de fazer consistente no fornecimento do certificado de conclusão de curso e reparação civil por danos morais (decorrentes da negativa na expedição do certificado).
3.           Reputo ser o caso de prontamente se julgar improcedente o pedido de reparação civil por danos morais, pois é manifestamente descabido.

               Assim entendo ao conjugar e dar inteligência ao disposto no artigo 285-A do Código de Processo Civil (que autoriza o julgamento de plano de improcedência em determinados casos de matéria unicamente de direito); no artigo 518, § 1º, do CPC (o qual chancela o não recebimento de recurso quando a sentença estiver em conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal); no artigo 557 do CPC (que prevê que o relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior); no Enunciado n. 8 do Colégio Recursal da 21ª Circunscrição Judiciária (“o juiz não receberá o recurso inominado quando a sentença estiver em conformidade com Súmula do Colégio Recursal ou de Tribunal Superior, nos termos do artigo 518, § 1º, do Código de Processo Civil, acrescentado pela Lei n. 11.276, de 7-2-2006”); e no Enunciado n. 16 do Colégio Recursal da 21ª Circunscrição Judiciária (“O relator, nas turmas recursais, em decisão monocrática, pode negar seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em desacordo com súmula ou jurisprudência dominante do próprio juizado ou de tribunal superior”).
               Embora não exista norma específica e expressa, essa inteligência é possível e, aliás, emana até mesmo da mens legis decorrente da terceira onda reformatória do Código de Processo Civil (editada com o intuito de conferir melhor celeridade e utilidade aos provimentos judiciais) e dos postulados constitucionais da celeridade, da economia processual, da razoável duração do processo e da máxima efetividade dos provimentos jurisdicionais (art. 5º, inciso LXXVIII, da Constituição da República Federativa do Brasil). Lógico. É que se uma pretensão é manifestamente improcedente e contraria o posicionamento sedimentado e dominante das instâncias superiores, afigura-se medida racional o pronto julgamento de improcedência.
               Tal modo de proceder ganha ainda mais realce em sede de Juizados Especiais, pois estes são explicitamente orientados pelos critérios da simplicidade, da informalidade, da economia processual e da celeridade (artigo 2º da Lei n. 9.099/95).
               E no caso em questão, obviamente que a negativa na expedição do certificado de conclusão em razão da existência de débito, embora injusta (por ser o descumprimento de um dever legal), não é suficiente a causar humilhação. Gera um grande aborrecimento, sem dúvida. Mas não enseja vexame ou dor passível de reparação moral.
              Inclusive, para se ter noção de como não tem lugar a reparação moral, também a autora descumpriu uma obrigação contratual (o pagamento das mensalidades e o adimplemento do acordo), gerando transtorno (econômico, administrativo e judicial) para a ré. Logo, pelo equivocado raciocínio da autora, também ela deveria ser responsabilizada por danos morais em favor da ré. Óbvio que assim não o é.
              Curioso esse pensamento: a autora julga-se no direito de confessadamente inadimplir duas parcelas e também descumprir integralmente o pagamento das cinco parcelas de um acordo (fl. 14), mas sente-se moralmente ofendida quando ocorre a recusa da instituição de ensino no fornecimento do certificado de conclusão (situação essa, diga-se, facilmente solucionável na esfera judicial).
              E a jurisprudência é pacífica no sentido de que o mero aborrecimento não é capaz de configurar dano moral.
              Assim é o Enunciado n. 25 do Colégio Recursal da 21ª Circunscrição Judiciária: “O simples descumprimento do dever legal ou contratual, por caracterizar mero aborrecimento, em princípio, não configura dano moral, salvo se da infração advém circunstância que atinja a dignidade da parte”.
               E também a sedimentada jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: “Os danos morais surgem em decorrência de uma conduta ilícita ou injusta, que venha a causar forte sentimento negativo em qualquer pessoa de senso comum, como vexame, constrangimento, humilhação, dor. Isso, entretanto, não se vislumbra no caso dos autos, uma vez que os aborrecimentos ficaram limitados à indignação da pessoa, sem qualquer repercussão no mundo exterior” (REsp 628854/ES, rel. Min. Castro Filho, DJ 18.6.2007, p. 255).
              Diante do exposto e de plano, sendo manifestamente improcedente, julgo improcedente o pedido de reparação civil por danos morais, razão pela qual nesse aspecto resulta o feito extinto com resolução de mérito (art. 269 do CPC).    
4.           Por conseguinte, remanesce sob processamento exclusivamente o pedido de imposição de obrigação de fazer consistente no fornecimento do certificado de conclusão de curso.
5.           Quanto ao objeto remanescente, examino agora a pretensão de urgência, que comporta acolhimento em termos.
              Com efeito, o fundamento da demanda é relevante, pois: (a) os documentos de fls. 6-8 evidenciam que a autora teria cursado e concluído o curso “Programa Especial de Formação Pedagógica de Ciências Biológicas na disciplina de Biologia”; (b) o término teria ocorrido em abril de 2011 (fl. 8), o que indica não se afigurar razoável uma espera de mais de seis meses para uma mera expedição de certificado de conclusão de curso; (c) mutatis mutandis, “a expedição do diploma é uma consequência lógica da conclusão do curso, documento de cunho meramente declaratório” (TJSP, Apelação n. 991.09.042493-0, rel. Eduardo Siqueira, j. 26.5.2010); e (d) a inteligência do artigo 6º da Lei n. 9.870/99 traduz a ilegitimidade da sanção ao aluno com a recusa na expedição do diploma ou do seu análogo certificado de conclusão de curso, mesmo por razão de débito com a instituição de ensino (máxime porque a credora pode se utilizar dos meios legais para obter o pagamento da dívida).  
              O risco de ineficácia do provimento final está demonstrado pela necessidade que a autora tem de apresentar o certificado para poder se inscrever junto à Diretoria de Ensino, o que é indispensável para que tenha a oportunidade de lecionar durante o ano letivo de 2012 (que se aproxima).
              Nesse diapasão, com esteio no artigo 461, § 3º, do CPC, concedo a medida liminar para o efeito de determinar que a ré, no prazo de 10 (dez) dias (contados a partir da intimação desta decisão), providencie a entrega à autora do certificado de conclusão do curso “Programa Especial de Formação Pedagógica de Ciências Biológicas na disciplina de Biologia”, desde que tenha ela obtido aprovação em todas as disciplinas, sob pena de incorrer em multa diária no valor de R$ 200,00 (duzentos reais), até o limite de R$ 100.000,00 (cem mil reais).
              Anoto desde logo que em ocorrendo a incidência das astreintes, verterá o montante em favor da autora até que alcance a quantia equivalente ao valor de alçada dos juizados especiais, levando-se em consideração o valor do salário mínimo nacional vigente ao tempo da propositura da demanda. A quantia que suplantar o valor de alçada será vertida a instituições beneficentes em atuação no Foro Distrital de Pariquera-Açu, a serem designadas pelo juízo. A esse respeito, oportuno o escólio do magistrado bandeirante Marcelo Nalesso Salmaso:
“Conforme se verifica da leitura dos artigos 273, § 3º, e 461, § 5º, a lei não especifica quem seriam os beneficiários do valor das astreintes.
Certo é que, por um lado, tais montantes devem compensar a parte inocente pela demora imposta por aquele que recalcitra no cumprimento da obrigação de fazer imposta em decisão interlocutória ou sentença. Por outro lado, como se sabe, é princípio, não só jurídico, como também de ética, a vedação do enriquecimento sem causa.
Em assim sendo, procedendo à ponderação de interesses, entendo proporcional destinar à parte inocente o valor das astreintes, todavia, de forma limitada, ou seja, será garantido à parte inocente o valor das astreintes que, somado ao valor de eventual condenação ao pagamento de quantia, atinja o limite fixado pelo artigo 3º, inciso I, da Lei nº 9.099/95, tomando em conta o valor do salário-mínimo vigente à época da propositura da demanda.
Se não houver condenação ao pagamento em dinheiro, o valor da multa diária destinado às partes será justamente aquele de alçada dos Juizados Especiais, como supra previsto.
De qualquer forma, a parte inocente não perceberá mais do que o limite estabelecido pelo artigo 3º, inciso I, da Lei nº 9.099/95, salvo no que toca ao valor decorrente de correção monetária e juros.
O excedente será destinado a uma instituição beneficente do Município”.
              Em razão da concessão da liminar com fixação de astreintes, e atento à Súmula n. 410 do Superior Tribunal de Justiça, providencie-se a intimação da ré via correspondência com aviso de recebimento para que dê cumprimento à decisão.
6.           Agende-se sessão de conciliação.
              Cite-se a ré, notificando-a para comparecimento à sessão de conciliação.
              Notifique-se a autora para comparecimento à sessão. Anoto que a autora deverá comparecer pessoalmente à sessão (assim como às demais audiências eventualmente necessárias), não podendo enviar mandatário em seu lugar, sob pena de extinção do feito nos moldes do artigo 51, inciso I, da Lei n. 9.099/95.
              Cumpra-se com urgência.
              Intimem-se. Diligências necessárias.   
              Pariquera-Açu, 7 de novembro de 2011.

AYRTON VIDOLIN MARQUES JÚNIOR
Juiz Substituto

2 comentários:

  1. Muito interessante. A emissão do certificado após a conclusão do curso deve ser algo natural. Se existe a dívida, que a faculdade recorra e entre com uma ação para receber. Acho que são casos diferentes.

    Mas ficou uma dúvida, o que dizia o contrato que a aluna assinou ao iniciar o curso? Se lá tem uma claúsula dizendo que o aluno só receberá o certificado se estiver em dia (sem débitos com a faculdade), ele perde a validade?

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  2. Olá Júnior!
    Uma cláusula dessas não tem qualquer valor jurídico. Ela é nula tanto pelo Código de Defesa do Consumidor (por ser abusiva), quanto pelas regras gerais de Direito Civil, pois ela contraria lei expressa (artigo 6º da Lei n. 9.870/99) e cogente (imperativa).

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