12 de agosto de 2011

Domicílio tributário


3ª Vara Judicial da Comarca de Registro
Autos nº 580/2008
Autora:                    XXXX
Réu:                         Estado de São Paulo
                                
S  E  N  T  E  N  Ç  A

Vistos, etc.
1. Relatório:
XXXX ajuizou demanda pretendendo a anulação dos lançamentos tributários realizados de ofício pelo Estado de São Paulo em relação ao IPVA referente ao veículo de placa AXXXX no que tange aos exercícios 2005, 2006 e 2007. Para tanto, alegou que possui domicílio no Estado do Paraná, lá tendo recolhido o tributo. Invocou a ocorrência de bitributação. Subsidiariamente pugnou pela nulidade do lançamento relativo a 2007, pois não mais era proprietária do automóvel (fls. 2-8 e emenda de fls. 70-78).
A antecipação dos efeitos da tutela foi provisoriamente indeferida (fls. 69 e 79). Acostou-se cópia do procedimento administrativo (fls. 86-186).    
O Estado de São Paulo apresentou contestação, aduzindo que a autora exerce sua profissão em Registro (SP), sendo este o seu domicílio e que estando ausente a eleição de domicílio fiscal deve o fisco o considerar como sendo o centro habitual de atividades do contribuinte. Repeliu o pedido subsidiário ao argumento de que não houve comunicação da transferência de propriedade ao órgão de trânsito (fls. 193-205).
Houve réplica (fls. 245-247).
O feito foi saneado (fl. 253, complementado à fl. 268).
Em sede de instrução houve a tomada do depoimento pessoal da autora (fl. 276) e a inquirição de três testemunhas (fls. 277, 322 e 323).
As partes apresentaram suas alegações finais (fls. 330-332 e 334-338).
É o relatório. Decido.
2. Fundamentação:
O pedido principal é procedente.
É cediço que no Estado do Paraná o IPVA possui menor alíquota que em São Paulo. Porém, de plano há que se diferenciar a situação das pessoas que registram os veículos no Paraná com vistas exclusivamente à menor tributação (utilizando-se de informações falsas ou equivocadas), daquelas que efetivamente possuem vínculos com aquele Estado. A autora, inequivocamente, está no segundo grupo, pois foi lá que: (I) nasceu (fl. 21); (II) casou (fl. 22); (III) colou grau (fl. 23); (IV) realizou residência médica (fl. 24); (V) inscreveu-se junto ao Conselho Regional de Medicina (fl. 25); (VI) obteve a carteira nacional de habilitação (fl. 29); (VII) utilizou serviços médicos (fls. 30, 36, 39, 40, 42, 43, 47); (VIII) mantém apartamento (fls. 31-3, 50 e 51); (IX) submete seu animal de estimação a tratamentos veterinários (fl. 46); (X) registrou e licenciou o veículo em tela (fl. 54); e (XI) inclusive vendeu o mesmo automóvel (fl. 53). Feita essa consideração, não há dúvidas de que a autora não pode ser tratada como imoral ou sonegadora; trata-se, em verdade, de cidadã merecedora de respeito e que agiu em conformidade com o ordenamento jurídico.
No caso, tanto a autoridade fiscal quanto o Estado de São Paulo partiram de premissas equivocadas para atingir a conclusão de que poderia ocorrer a tributação.
A falha da autoridade fiscal está principalmente na equivocada interpretação conferida ao artigo 120 do Código de Trânsito Brasileiro, ao querer diferenciar que domicílio seria expressão reservada a pessoas jurídicas, ao passo que residência se referiria a “pessoas físicas” (fl. 174); ou seja, em clara desatenção ao princípio da legalidade estrita que rege a administração pública, esforçou-se para enxergar uma distinção que não foi realizada pela lei e, pior, para permitir interpretação prejudicial à contribuinte.
Já o erro de premissa do Estado de São Paulo está em presumir que a autora não tivesse realizado a eleição de seu domicílio tributário, pois não foi por ela comunicado (anteriormente ao lançamento de ofício) a esse respeito.
Todavia, segundo esse raciocínio e levando-o ao extremo (apenas para que se constate o caráter absurdo da situação), para que a autora tivesse assegurada a validade da sua eleição de domicílio tributário haveria de providenciar a comunicação a todas as pessoas jurídicas de direito público interno tributantes, tanto a União, quanto todos os Estados e o Distrito Federal, bem como todos os Municípios. Obviamente que assim não o é e que tal situação é inviável.
Para que se identifique o domicílio tributário eleito basta que a pessoa tenha manifestado algum ato inequívoco a esse respeito. Como aconteceu no caso, em que a autora declarou seu domicílio tributário como sendo em Curitiba (PR) perante a União (fl. 276) e como demonstrou, inclusive especificamente para fins de IPVA, junto ao Estado do Paraná, ao registrar e licenciar o veículo naquele Estado. E o Estado de São Paulo tinha conhecimento dessa eleição de domicílio, tanto que ele está até mesmo apontado no ato inicial do procedimento administrativo (fl. 87), procedimento esse que, aliás, surgiu literalmente do nada, sendo inaugurado pela notificação, sem qualquer despacho ou portaria da autoridade fiscal que motivasse minimamente a razão de instaurar o procedimento administrativo fiscal, o que rende dúvidas até mesmo quanto à atenção ao princípio da impessoalidade.   
Há, pois, que se considerar que o domicílio tributário de eleição da autora é Curitiba (PR). Na espécie não se aplica o julgado colacionado pelo réu à fl. 198 e nem é possível a recusa pela autoridade administrativa do domicílio eleito, pois não está a impossibilitar, dificultar ou criar embaraço na arrecadação do tributo, haja vista que o imposto foi efetivamente lançado pelo Estado do Paraná e recolhido pela contribuinte.
Assim, possuindo a autora residências tanto em Curitiba (PR) quanto em Registro (SP), não se tratando de hipótese de fraude, é perfeitamente lícita e válida a sua eleição de domicílio tributário (inteligência ao art. 127, caput, do CTN, bem como ao artigo 71 do Código Civil). Nesse sentido vêm se orientando a jurisprudência: TJSP, Apelação com Revisão 760.462.5/9, rel. Luis Manuel Fonseca Pires, DJ 23.1.2009; e TJSP, Apelação 990.10.270329-0, rel. Peiretti de Godoy, j. 18.8.2010.
Para arrematar, em relação ao IPVA, por tratar de bens móveis e que podem facilmente transitar entre os entes federados, compreende-se que o domicílio do proprietário seria até mesmo indiferente ao aspecto espacial do gravame, valendo para tanto exclusivamente o local de registro do bem. Não é por acaso que existem Estados da Federação em que apenas o registro é suficiente a tanto. Essa é a situação do Estado do Paraná, que em sua Lei Estadual n. 14.260/2003 estabelece que “em relação a veículo automotor registrado, matriculado ou inscrito” naquele estado, “o imposto incide independentemente do local de domicílio do proprietário” (artigo 2º, § 5º - fl. 214). Ou seja, pela lei paranaense, até mesmo quem não possui residência ou domicílio naquele estado pode levar o veículo a registro no Paraná, passando então a contribuir em tal ente federativo. Por conseguinte, ainda que a autora não tivesse os fortes vínculos que mantêm com aquele Estado, não estaria praticando qualquer ilícito ou irregularidade fiscal ao providenciar o registro e o recolhimento do tributo perante aquele ente, pois estaria meramente exercendo regularmente um direito instituído por lei.  
3. Dispositivo:
Diante do exposto, extinguindo o feito com resolução de mérito (art. 269, inciso I, do CPC), JULGO PROCEDENTE o pedido inicial, para o efeito de anular o lançamento de ofício pelo Estado de São Paulo do IPVA referente ao veículo de placa AXXXX no que tange aos exercícios 2005, 2006 e 2007.
Em razão da sucumbência, condeno o réu ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como de honorários advocatícios em favor do patrono da autora, estes fixados em R$ 2.000,00, por apreciação equitativa (art. 20, § 4º, do CPC), tendo em vista a qualidade do trabalho desempenhado e o tempo exigido para o caso.
Considerando o preenchimento aos requisitos do artigo 273 do Código de Processo Civil, na medida em que consta requerimento formulado pela autora, os documentos formaram conjunto hábil a traduzir prova inequívoca do direito, sendo suficientes a convencer da verossimilhança da alegação (tanto que a demanda foi julgada procedente), bem como que há fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, pois a manutenção da exigibilidade do débito tributário poderia sujeitar a autora a integrar o pólo passivo de execução fiscal (com todas as consequências restritivas daí advindas, inclusive no que toca a razões creditícias), ao tempo em que reconsidero a anterior e provisória decisão (fls. 69 e 79) concedo a antecipação dos efeitos da tutela para o efeito de determinar a suspensão da exigibilidade do débito fiscal decorrente do lançamento de ofício pelo Estado de São Paulo do IPVA referente ao veículo de placa AXXXX no que tange aos exercícios 2005, 2006 e 2007. Intime-se o réu para que dê cumprimento à antecipação dos efeitos da tutela.
Sentença não sujeita a reexame necessário (art. 475, § 2º, do CPC).
Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Cumpram-se as Normas de Serviço da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de São Paulo.
Registro, data.
AYRTON VIDOLIN MARQUES JÚNIOR
Juiz Substituto

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