18 de novembro de 2011

Abordagem policial ríspida justificada pela situação concreta


Vara Judicial da Comarca de Cananéia
Autos nº 232/2010
Autor:                       Ministério Público do Estado de São Paulo
Denunciado:             XXXX

S  E  N  T  E  N  Ç  A

Vistos, etc.
1. Relatório:
XXXX foi denunciado como incurso nas sanções do artigo 16, parágrafo único, inciso IV, da Lei n. 10.826/2003 e do artigo 28 da Lei n. 11.343/2006, em razão de fatos ocorridos em 20 de julho de 2010 (fls. 2-4).
O recebimento da denúncia ocorreu em 4 de agosto de 2010 (fl. 39) e, depois da apresentação de defesa (fls. 62-63), restou confirmado (fl. 64).
Durante a instrução foram inquiridas sete testemunhas e realizado interrogatório.
Em alegações finais a acusação apresentou manifestação pela condenação (fls. 155-163). A defesa deduziu pretensão absolutória e requereu a adoção de providências em razão da conduta dos policiais (fls. 170-175).
É o relatório. Decido.
2. Fundamentação:
É certo que os crimes ocorreram e a esse respeito há provas materiais (fls. 19, 21, 51 e 53-55). Apesar de não alegado expressamente pelo acusado, sua defesa deixou no ar uma tese implícita de que as provas teriam sido plantadas. Todavia, estou convencido de que isso não ocorreu. Uma arma e doze papelotes de cocaína são relativamente caros no mercado ilícito, não sendo plausível que os policiais fossem maus ao ponto de plantar tais provas contra uma pessoa até então deles desconhecida e que com isso abrissem mão de mercadorias ilícitas tão valiosas. Ora, fossem maus e obviamente optariam por obter lucro com as mercadorias ilícitas, em vez de procurar incriminar alguém desconhecido. Assim, tem-se como inequívoco que a arma e as drogas foram mesmo encontradas dentro do imóvel em que se encontrava o acusado, sendo irrelevante que estivesse o acusado trajando uma toalha por ocasião da abordagem, pois isso não é suficiente a excluir o fato de que a arma e as drogas estavam guardadas dentro do imóvel.
Quanto à autoria, tenho que há veementes indícios de que o réu foi autor dos dois crimes. Veja-se.
A versão apresentada pelo acusado em juízo fica com a credibilidade reduzida a partir do momento em que optou por não contá-la à autoridade policial civil já na ocasião do interrogatório policial, mesmo tendo sido conduzido para a realização de exame de lesões corporais e deixando transparecer em seu interrogatório judicial a impressão de que foi bem atendido pela Polícia Civil durante a lavratura do auto de prisão em flagrante.
A explicação do acusado para estar na região especificamente em razão de que sua mãe havia brigado com o companheiro dela também não se mostra verossímil, eis que mesmo alegando já estar na cidade desde o dia anterior ainda não a havia procurado efetivamente e mesmo no dia da prisão teria optado por ir passar a manhã num banho de rio em vez de procurar por ela (máxime pelo fato de ela estar com problema conjugal tão grave a ponto de fazer com o que o réu supostamente viesse ao seu encontro).
A própria alegação do acusado de ter sido vítima de violência excessiva entra em inúmeras contradições. Por vezes ele mencionou genericamente ter apanhado “dos policiais”; depois focou que a agressão teria sido realizada apenas por um deles; depois voltou a dizer que todos agrediram. Disse também que logo no início da abordagem, ao ser levado para a parte da frente do imóvel foi agredido, mas nenhuma das suas supostas testemunhas presenciais contou ter visto essa agressão ocorrida já no início da abordagem e na parte da frente e externa do bar.
O acusado conta com antecedente específico pelo crime de porte ilegal de arma de fogo, evidenciando que já tem intimidade com tal modalidade de crime e conhecimento suficiente acerca de como e onde conseguir armas ilícitas.
Apesar de a testemunha de defesa E haver falado que ele chegou a Cananéia de ônibus no dia anterior (o que contraria a versão policial da adolescente – fl. 11), a defesa não coligiu qualquer prova efetiva a esse respeito, não tendo apresentado a passagem de ônibus e nem sequer declaração da empresa de ônibus respectiva que comprovasse que o acusado teria efetuado viagem segundo a listagem de passageiros. E também não apresenta credibilidade, não apenas pela questão da ausência de qualquer corroboração quanto à situação da chegada de ônibus, quanto porque era funcionária do bar (nutrindo, por conseguinte, laços com a família do réu), pelas discrepâncias entre o que ela disse e o que próprio acusado contou em relação ao modo como estava fechada a porta do bar, quanto porque em dados momentos ela narrou como se a tudo tivesse assistido de modo próximo e presencial, enquanto que em outros momentos deu a entender que deduziu os acontecimentos de modo indireto.
J (testemunha de defesa) alegou ter ficado do lado de fora assistindo a abordagem, tendo ouvido gritos, tiro, e depois vendo o réu sair sangrando. Mas causam muita estranheza tais alegações, pois disse ele que estava acompanhado de crianças. E quem em sã consciência fica assistindo e permite que crianças também assim permaneçam a uma situação de suposta violência e risco? Responde-se: ninguém que se apresente como pessoa idônea.
El (testemunha de defesa) também disse ter visto cenas de truculência policial na ocasião e contou que lá estava porque havia ido levar seus filhos até a escola, sendo que estavam havendo aulas normalmente. Todavia, a própria escola informou à fl. 135 que naquela data a escola estava fechada em razão do recesso escolar, lançando por terra a versão de El Mais: estivesse havendo aula e com certeza existiriam inúmeras outras testemunhas presenciais e certamente que mesmo maus policiais não agiriam com excessiva truculência (justamente em razão desse fator).
Assim, a prova realizada pela defesa e a versão do réu não se mostram passíveis de credibilidade.
Aqui cabe abrir um parêntese. Fossem os policiais tão maus como quer fazer crer a defesa, qual a razão de três pessoas que moram na cidade se disporem a testemunhar em favor do acusado? Não seria lógico que elas preferissem não se envolver no caso para também não serem vítimas de represálias? Com a devida vênia, mais parece que aceitaram elas servir como testemunhas justamente por saberem que os policiais de Cananéia não atuam como vingadores e nem como justiceiros.
Aliás, fossem os policiais tão maus, seria muito simples incriminar o réu de modo quase que imbatível: bastaria que todos contassem haver encontrado a arma e as drogas em meio às coisas do réu e dizer também que na ocasião ele confessou informalmente a propriedade das mercadorias ilícitas. Todavia, assim não agiram. Pelo contrário, nenhum dos policiais demonstrou em juízo qualquer interesse em incriminar injustamente o réu.
De todo modo, ainda que tivesse havido uma abordagem mais firme e ríspida por parte da Polícia Militar isso não configuraria situação abusiva a ponto de transbordar para as raias da ilicitude.
Os policiais estavam atuando em diligência que procurava por pessoas envolvidas em grave crime de roubo, com a forte possibilidade de que estivessem armadas (e de fato havia arma dentro do imóvel), situação essa de óbvia adrenalina e risco, afigurando-se suficiente a justificar uma conduta mais ríspida, decorrente até mesmo do estado emocional que cercava a diligência.
Isso é tão claro que basta que se veja o vídeo do testemunho do policial Ed para que seja confirmado. Durante tal depoimento, mesmo sendo dentro de uma sala de audiências e sem que houvesse qualquer risco à integridade física da defesa, o ilustre advogado inquiriu a testemunha também de modo ríspido, usando tom de voz elevado e até mesmo realizando alertas de “corregedoria”. Ora, se mesmo em um ambiente tranquilo como a sala de audiências a defesa agiu de modo ríspido, parece cristalino que não se podia esperar que os policiais agissem de modo polido e educado em um palco de nervosismo e risco muito mais intensos. Palco esse no qual, repise-se, havia drogas, uma arma e uma pessoa já anteriormente condenada criminalmente por porte ilegal de arma.
E aqui já ficam repelidos os pedidos de providências apresentados pela defesa, pois apenas cabe agir nos moldes do artigo 40 do Código de Processo Penal quando o juiz entende existente crime, o que não é o caso (como antes assinalado). Ademais, até onde é da lembrança do juízo, as alegações de abuso apresentadas pela defesa já foram anteriormente levadas a conhecimento das autoridades respectivas, de modo que qualquer outra atitude seria superfetação.
Retornando ao exame da autoria, é altamente provável que tenha sido o policial Ed quem tenha encontrado a arma e até mesmo avistado o acusado tentando escondê-la dentro do armário. Isso é o que se extrai do inquérito policial.
Em juízo, o policial N confirmou ter sido Ed quem encontrou a arma. O tenente e o sargento também confirmaram que um dos policias locais teria sido quem encontrou a arma.    
Esse somatório entre o inquérito policial e o testemunho de três dos policiais militares é altamente indicativo de que tenha ocorrido o que foi narrado pelo policial Ed na fase de inquérito (fl. 9).
Todavia, só não é possível a condenação do acusado porque em juízo o próprio policial Ed não confirmou haver encontrado a arma, tendo narrado que acredita que ela tenha sido localizada pelo policial N.
Não se sabe a razão de o policial Ed não haver confirmado que foi ele quem localizou a arma e avistou o acusado tentando ocultá-la. Pode ter sido por não se recordar completamente da diligência, por estar enfrentando problemas em sua vida particular (o que por ele foi narrado ao juízo em outra audiência de caso diverso), pelo stress decorrente do modo ríspido como foi inquirdo durante a audiência, ou qualquer outro motivo.
De todo modo, fato é que ele não confirmou a versão anterior.
Assim, embora seja certo que a arma e as drogas estavam no imóvel em que se encontrava o acusado, não há prova suficiente de que ele tivesse conhecimento de que as mercadorias ilícitas ali estivessem. E por isso se faz necessária a solução absolutória.
3. Dispositivo:
Diante do exposto, e com fundamento no art. 386, inciso VII, do Código de Processo Penal, julgo improcedente a pretensão punitiva para o fim de ABSOLVER o acusado XXXX.
Sem custas, em razão da absolvição.
Em observância ao item 22, “d”, do Capítulo V das Normas de Serviço da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de São Paulo, e com a qualificação completa do sentenciado, comunique-se o desfecho da ação penal ao serviço distribuidor e ao Instituto de Identificação Ricardo Gumbleton Daunt.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Cananéia, autodata.

AYRTON VIDOLIN MARQUES JÚNIOR
Juiz Substituto

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