8 de novembro de 2011

tráfico, tatuagem, anotações e organização criminosa



Vara Judicial da Comarca de Cananéia
Autos nº 126/2011
Autor:                       Ministério Público do Estado de São Paulo
Denunciada:             XXXX

S  E  N  T  E  N  Ç  A

Vistos, etc.
1. Relatório:
XXXX foi denunciada como incursa nas sanções do artigo 33, caput, da Lei nº 11.343/2006, por fato ocorrido em 24 de março de 2011 (fls. 2-3).
Imprimiu-se o procedimento comum ordinário, com a concordância das partes, consoante expressa manifestação em audiência.
A denúncia foi recebida em 19 de abril de 2011 (fl. 51).
Apresentada defesa (fl. 73), e não sendo caso de absolvição sumária (fl. 74), em instrução foram inquiridas duas testemunhas, procedendo-se o interrogatório ao final.
Em sede de alegações finais o Ministério Público promoveu análise sobre as provas e requereu a condenação da acusada. A defesa deduziu pretensão de absolvição por insuficiência probatória. 
É o relatório. Decido.
2. Fundamentação:
A pretensão punitiva tem procedência.
A materialidade está demonstrada pelo auto de exibição e apreensão (fls. 17-18), pelas fotografias (fls. 30-32), pelo laudo de constatação de substância entorpecente (fls. 19-20) e pelo exame químico toxicológico (fl. 59), sendo que este último atestou pericialmente serem drogas as substâncias, estando relacionadas na Portaria SVS/MS 344, de 12 de maio de 1998.
A finalidade diversa do uso próprio (e, por conseguinte, suficiente a configurar a traficância) é manifesta diante da diversidade, quantidade e qualidade das drogas, além da apreensão de embalagens tipicamente utilizadas por traficantes e até mesmo de uma agenda com apontamentos do tráfico de drogas e com claras menções à facção criminosa conhecida como PCC.
Quanto à autoria, o conjunto dos elementos coligidos ao feito permite o alcance da convicção jurisdicional de que a acusada foi autora do crime.
A versão judicial da acusada não convenceu. Basta ver ter ela aduzido que foi alvo de perseguição por parte da polícia militar. Porém, curiosamente, contou que em todas as outras vezes em que foi abordada nunca chegou a ser presa injustamente. Ora, quisessem os policiais incriminar a acusada de modo falso e já o teriam feito em oportunidade anterior. Isso não bastasse, não tinha ela quaisquer vínculos fortes com a Cidade de Cananéia, de modo que se estivesse mesmo sendo alvo de perseguição injusta quer parecer claro que não teria permanecido nesta cidade. Ademais, esforçou-se para impedir a localização da outra mulher que com ela residia e que também estaria a traficar, tendo se limitado a indicar o nome dela como sendo “Aline”, ocultando o sobrenome intencionalmente, pois não é crível que aceitasse morar com uma pessoa e dividir aluguel sem conhecer maiores detalhes acerca de sua identidade. Ademais, a palavra da acusada tanto não merece credibilidade que conflita inclusive com o quanto por ela declarado na fase policial.
A versão policial da acusada (fl. 9) aventou a possibilidade de a droga pertencer à “namorada de Felipe” (também olvidando de indicar modos de localizar tal pessoa, pessoa essa que, aliás, em juízo veio a qualificar como sua amiga). Ocorre que as drogas estavam escondidas atrás da geladeira, em ambiente de comum frequência da acusada, não sendo crível que desconhecesse a existência da droga no local, máxime sendo amiga da namorada de Felipe a ponto de aceitarem morar conjuntamente. E, nesse passo, no mínimo se deve considerar que a acusada tinha conhecimento de que a “amiga” promovia o tráfico de drogas (e era vinculada ao PCC) e consentia que ela se utilizasse do imóvel de que tinha a posse para tal desiderato, o que é também suficiente a configurar conduta equiparada a tráfico de drogas (art. 33, § 1º, inciso III, da Lei n. 11.343/2006). 
Aqui é inclusive importante abrir um parêntese. Embora a acusada negue ter envolvimento com a facção criminosa PCC, ostenta ela a tatuagem de uma carpa em sua perna, tatuagem essa notoriamente conhecida no ambiente criminal como sendo de membros do PCC. E a acusada não tem como negar que disso soubesse, máxime porque já ficou anteriormente presa também por crime de tráfico de drogas. Mais (e aqui a menção é como reforço circunstancial de argumentação, pois não chegou a se realizar perícia grafotécnica durante a instrução): mesmo negando a autoria dos escritos na caderneta, é possível verificar que na presente audiência ao escrever pela primeira vez a palavra “inimigos”, as letras “i” e “n” escritas pela acusada são em muito semelhantes às constantes na palavra “nóis”, que se encontra na agenda com menção ao PCC e ao lado de outro símbolo característico da facção criminosa, o yin yang. Assim, além da tatuagem de carpa característica do PCC, a circunstância de a letra da acusada se assemelhar àquela constante na caderneta é outro forte indicativo da filiação da acusada à facção criminosa. Inclusive, mesmo que não tivesse ela escrito a anotação, está claro que quem escreveu tem vínculos com o PCC e também com a acusada (eis que o nome dela consta lançado já no verso da capa); obviamente, tendo a caderneta sido encontrada na casa em que residia a acusada, torna-se mais do que cristalina a proximidade da ré com membros da facção criminosa e o seu consentimento de que no imóvel fosse promovido o tráfico de drogas (conduta essa que, como já visto, também configura o crime em modalidade equiparada).
Retornando às provas dos autos, já na fase de inquérito os dois policiais que efetuaram a diligência confirmaram a apreensão das drogas e as notícias de que a ré estava promovendo o tráfico de drogas. Em juízo, um dos policiais não foi inquirido por se encontrar em férias, mas o outro policial testemunhou e confirmou integralmente o quanto constante da fase policial, demonstrando que para a autoridade policial não houve quaisquer dúvidas do envolvimento da acusada no tráfico de drogas e que as notícias eram mesmo de que a ré se dedicasse ao tráfico. A veracidade do testemunho do policial é perceptível não apenas por ser inerente à função que exerce, mas principalmente do modo firme com que prestou suas declarações. Há de se ver até mesmo que o policial já tinha antes abordado a acusada em outras oportunidades, nunca a tendo prendido injustamente, o que reforça a credibilidade de seu testemunho.
Assim, diante do somatório entre (I) as declarações dos policiais na fase de inquérito; (II) a versão da acusada por ocasião do interrogatório no auto de prisão em flagrante; (III) o testemunho do policial em audiência; (IV) a versão inacreditável da acusada em seu interrogatório judicial; (V) os laços da ré com a pessoa que lançava anotações na caderneta que continha apontamentos acerca da contabilidade do tráfico de drogas; (VI) os vínculos da acusada com facção criminosa; (VII) a quantidade, diversidade e qualidade das drogas apreendidas; e (VIII) o fato de a acusada ser reincidente específica (tornando inequívoco que sabia identificar e reconhecer como drogas as substâncias que estavam guardadas na casa em que residia); tenho que a prova realizada nos autos é suficiente a assegurar a convicção de que a acusada estava envolvida no tráfico relacionado às drogas apreendidas, sendo de rigor a solução condenatória.    
Por fim, anoto ser inviável a aplicação do disposto no § 4º do artigo 33 da Lei nº 11.343/2006, pois a acusada é reincidente específica e nutre laços com organização criminosa.
3. Dispositivo:
Diante do exposto, julgo procedente a pretensão punitiva consubstanciada na denúncia para o fim de CONDENAR XXXX como incursa nas sanções do artigo 33, caput, da Lei nº 11.343/2006.
Nessas condições e partindo do mínimo legal, passo à dosimetria e individualização da pena, com observância ao sistema trifásico adotado pelo Código Penal (CP, art. 68).
Na primeira fase reputo desfavorável a circunstância da culpabilidade. Dentre as diversas expressões da culpabilidade no direito penal, no momento da dosimetria funciona como limite da pena, agindo como “elemento de determinação ou de medição” (Cezar Roberto Bitencourt. Tratado de Direito Penal: parte geral. 9ª ed., Saraiva, p. 607). Como explica a exposição de motivos do Código Penal (Lei nº 7.209/84) em sua nota 50, a opção legislativa pela utilização de tal circunstância reside na observação de que “graduável é a censura, cujo índice, maior ou menor, incide na quantidade da pena”. Trata-se, a meu ver, da mais importante e ampla circunstância judicial. A avaliação, assim, deve passar pelo exame do maior ou menor grau de reprovabilidade da conduta praticada, não só em razão das condições pessoais do agente, como também em vista da situação de fato em que ocorreu a ação delitiva. No caso, e especialmente atento ao disposto no art. 42 da lei antidrogas, a quantidade, a diversidade (cocaína, crack e maconha) e a qualidade de duas das drogas serem das mais nefastas (crack e cocaína), tem-se como demonstrado que a conduta merece maior grau de censura, razão pela qual elevo a pena em seis meses de reclusão e cinquenta dias-multa. Pena base: cinco anos e seis meses de reclusão e quinhentos e cinquenta dias-multa.
Na segunda fase não incidem atenuantes, mas está presente a agravante da reincidência (conforme fl. 41 dos presentes autos e fl. 4 do apenso específico), motivo pelo qual elevo a pena em um ano de reclusão, sem alteração da multa. Pena provisória: seis anos e seis meses de reclusão e quinhentos e cinquenta dias-multa.
Na terceira fase não incidem causas de aumento ou de diminuição de pena.
Assim, resulta a pena definitiva em 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 550 (quinhentos e cinquenta) dias-multa.
O regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade deve ser o fechado, a ser executado em estabelecimento de segurança máxima ou média, de acordo com a disponibilidade do sistema penitenciário, com observância às regras do art. 34 do CP, bem como observando que a integralidade da pena se refere a crime equiparado a hediondo em relação a condenada reincidente, contando com prazo mais rigoroso para progressão. Observo que o regime de cumprimento fechado é o único indicado ao caso, tanto pela quantidade da pena, quanto pela presença de circunstância judicial desfavorável reveladora de maior periculosidade (art. 33, § 3º, do Código Penal), quanto pela reincidência específica, quanto por se mostrar o regime justificável em atenção às finalidades da pena, notadamente a necessidade de proporcionalidade entre o grau da ofensa e a resposta estatal, observando a grave violação a bens jurídicos.
Incabível a substituição por restritivas de direitos dada a quantidade da pena, a reincidência e a circunstância judicial desfavorável (art. 44 do Código Penal).
Inviável o sursis em função do quantum da pena aplicada, da reincidência e da circunstância judicial desfavorável (CP, art. 77).
Fixo o valor unitário do dia-multa em um trigésimo do montante do salário mínimo vigente ao tempo do fato, ante a condição econômica da sentenciada.
Resumo da sentença:
A denúncia foi julgada procedente. A acusada XXXX foi condenada como incursa nas sanções do artigo 33, caput, da Lei nº 11.343/2006. Deverá cumprir a pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 550 (quinhentos e cinquenta) dias-multa. O regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade é o fechado. A pena de multa foi fixada na proporção mínima.
Disposições finais:
(a) Tendo em vista que a prisão foi mantida durante o curso processual e considerando que a segregação se afigura necessária por garantia da ordem pública (CPP, art. 312), diante da gravidade concreta do crime (em razão da quantidade, diversidade e qualidade das drogas, somadas à reincidência específica e ao envolvimento da acusada com organização criminosa), a prisão cautelar deve ser mantida (CPP, art. 387, parágrafo único).  
(b) Nos termos do art. 804 do CPP condeno a acusada ao pagamento das custas processuais, calculadas ex lege, com a ressalva do artigo 12 da Lei n. 1.060/50.
(c) Por ser vítima a coletividade deixo de fixar valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração (CPP, art. 387, inciso IV). Não desconheço a existência de posicionamento no sentido de que o Estado poderia ser destinatário da indenização, entretanto, reputo que a reparação pecuniária ao Estado já ocorre através da previsão legal da multa.
(d) Incide no caso apenas o efeito genérico da condenação contido no inciso I do art. 91 do CP, não incidindo quaisquer dos específicos (CP, art. 92).
(e) Em atenção ao art. 15, inciso III, da Constituição da República declaro a suspensão dos direitos políticos da sentenciada.
(f) Considerando que eventual recurso sobre a sentença condenatória não terá efeito suspensivo, em atenção à Resolução nº 19 do Conselho Nacional de Justiça, havendo apelação, expeça-se guia de recolhimento provisório.
(g) Em observância ao item 22, “d”, do Capítulo V das Normas de Serviço da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de São Paulo, e com a qualificação completa da sentenciada, comunique-se o desfecho da ação penal ao serviço distribuidor e ao Instituto de Identificação Ricardo Gumbleton Daunt (IIRGD).
(h) Oportunamente, expeça-se certidão de honorários em prol da ilustre advogada que atuou no feito.
(i) Por decorrência do art. 58, § 1º, da Lei nº 11.343/2006, não tendo havido controvérsia no curso do processo sobre a natureza ou quantidade das substâncias, nem sobre a regularidade do laudo técnico, determino que seja procedida a destruição, por meio de incineração, dos entorpecentes apreendidos (art. 32, § 1º), que deverá ser executada pela autoridade de polícia judiciária, na forma do art. 32, § 2º, da Lei nº 11.343/2006. Em havendo interposição de recurso sobre a decisão, fica mantida a determinação de incineração dos entorpecentes, hipótese em que, não obstante, deverá ser preservada a quantidade suficiente para eventual contraprova.
(j) Após o trânsito em julgado: (j.1) lance-se o nome da condenada no rol dos culpados (CPP, art. 393, inciso II); (j.2) oficie-se ao juízo eleitoral do local do domicílio da sentenciada comunicando a suspensão dos direitos políticos; (j.3) lance-se o cálculo das custas processuais; e (j.4) expeça-se a definitiva guia de recolhimento para execução da pena.
A detração penal será apreciada na fase de execução, na forma do art. 66, inciso III, alínea “c”, primeira figura, da LEP.
Sentença publicada em audiência. Dou todas as partes por intimadas
Registre-se.
Cananéia, autodata.

AYRTON VIDOLIN MARQUES JÚNIOR
Juiz Substituto



Ciente o Ministério Público.
Em autodata.

Promotor de Justiça


Ciente a defesa.
Em autodata.

Advogada




Ciente da sentença em autodata.
Sentenciada: _________________________________________________


TERMO DE RENÚNCIA AO DIREITO DE RECURSO
Declaro estar conformada com a sentença, renunciando ao direito de recurso para a Superior Instância.
Sentenciada: _________________________________________________


TERMO DE RECURSO
Desejo recorrer para a Superior Instância, requerendo seja o recurso recebido e processado na forma da lei.
Sentenciada: _________________________________________________


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