10 de novembro de 2011

Ex-proprietário de veículo prejudicado por financiamento realizado por terceiro

O caso a seguir é interessante tanto por ser uma situação que acontece muito e que vitima milhares de pessoas, quanto pela comparação realizada na fixação do valor dos danos morais (no sentido de que vinte mil reais não é suficiente sequer para tornar um andarilho rico).


                                        TERMO DE AUDIÊNCIA

Processo n. 424.01.2011.001431-2/000000-000                                N. de Ordem: 096/11
                                                                                                  
Ação: Cominatória c/c Perdas e Danos

Autor(es): J

Réu(s): I
           Banco X

                                                      Aos 09 de novembro de 2011 às 11:15 horas, nesta cidade de Pariquera-Açu, na sala de audiências, sob a presidência do MM. Juiz Substituto DR. AYRTON VIDOLIN MARQUES JÚNIOR, comigo escrevente abaixo assinado, foi aberta a audiência de instrução e julgamento, nos autos da ação e entre as partes supra-referidas. Abertas, com as formalidades legais, e apregoadas as partes, compareceu(ram): o requerente J, seu advogado Dr. XXXX, OAB/SP n. XXXX; o preposto da requerida I, Sr. XXXX, portador do RG n. XXXX, inscrito no CPF sob n. XXXX, conforme carta de preposição apresentada neste ato, que segue em apartado, seu advogado Dr. XXXX, OAB/SP n. XXXX; a preposta do requerido Banco X, Sra. XXXX, portadora do RG n. XXXX, inscrita no CPF sob n. XXXX, e sua advogada Dra. XXXX, OAB/SP XXXX.
Iniciados os trabalhos foi tentada novamente a conciliação. A ré I se dispôs a quitar os débitos fiscais do veículo e a transferir ele pára seu próprio nome, salientando que para que possa assim proceder se faz necessária a baixa do gravame pelo réu Banco X. Pelo réu Banco X foi dito que não havia sido enviada proposta de acordo, anotando que poderá verificar posteriormente a possibilidade de baixa do gravame. Desse modo, a conciliação resultou infrutífera.
Pelos réus foram apresentados os substabelecimentos e cartas de preposição, cuja juntada foi deferida pelo MM. Juiz.
Pelo réu Banco X foi requerido que as futuras intimações e publicações sejam lançadas em nome do advogado XXXX. O MM. Juiz determinou que sejam procedidas as anotações a respeito para as futuras publicações e intimações.
Na sequência, os réus apresentaram contestações escritas. Sobre as contestações, em réplica, manifestou-se o advogado do autor reiterando os termos da inicial.
O MM. Juiz extraiu via RENAJUD extrato sobre as informações cadastrais do veículo, determinando a sua juntada aos autos e dando neste ato ciência do documento às partes.
A seguir, pelas partes foi dito que não tinham outras provas a produzir.
Estando encerrada a fase de instrução, o MM. Juiz proferiu a seguinte decisão: 

“Vistos, etc.
1. Relatório dispensado (art. 38, caput, da Lei nº 9.099/95). Decido.
2. Rejeito a questão preliminar de ilegitimidade passiva suscitada pelo réu Banco X. Isso porque a alegação é de todo alheia ao caso dos autos (como, aliás, todos os demais argumentos da peça de defesa), na medida em que não está em discussão o dever de tal réu fornecer a documentação de venda ao autor.
O presente feito versa a seguinte situação fática: O autor em 2.12.2010 vendeu o veículo de placa XXXX para a ré I. A ré, por sua vez, vendeu o veículo para terceira pessoa. Esse terceiro que adquiriu o veículo, sem o transferir para seu nome, realizou financiamento junto ao réu Banco X. Desse modo, o Banco X em razão do financiamento com esse terceiro lançou o gravame junto ao DETRAN, embora o automóvel ainda estivesse administrativamente cadastrado como sob a propriedade do autor. Em razão do gravame lançado, tornou-se impossível à ré I operar a transferência do bem para seu próprio nome (embora o bem já devesse estar no nome da pessoa que com ele se encontra efetivamente), pois para que assim pudesse proceder seria necessária a baixa do gravame (ainda que provisoriamente), providência essa que não tem sido realizada pelo réu Banco X. O autor em 17 de maio de 2011 efetuou a comunicação da venda ao DETRAN. Nesse intervalo (entre 2.12.2010 e 17.5.2011), incidiram tributos relacionados ao veículo e a, ainda, pessoa que se encontra em poder do bem cometeu infrações de trânsito que geraram multas.
Esse é o panorama do caso. Passo a dar as soluções jurídicas.

O pedido autoral de imposição de obrigação de fazer consistente na transferência do veículo perdeu sua utilidade diante da comunicação de venda já registrada junto ao DETRAN (consoante extrato obtido na presente data via RENAJUD). Assim, desde 17 de maio de 2011 o autor já não mais tem qualquer responsabilidade administrativa sob o veículo, consoante previsão da parte final do artigo 134 do Código de Trânsito Brasileiro (“no caso de transferência de propriedade, o proprietário antigo deverá encaminhar ao órgão executivo de trânsito do Estado dentro de um prazo de trinta dias, cópia autenticada do comprovante de transferência de propriedade, devidamente assinado e datado, sob pena de ter que se responsabilizar solidariamente pelas penalidades impostas e suas reincidências até a data da comunicação). Por conseguinte, essa pretensão deve ser extinta pela perda superveniente do interesse processual (art. 267, inciso VI, do CPC).
Não obstante, remanesce a discussão sobre a responsabilidade pelo pagamento dos tributos e penalidades incidentes no período de 2.12.2010 a 17.5.2011. Nesse aspecto, ambos os réus devem ser obrigados a quitar os débitos relativos, solidariamente.
Com efeito, a solidariedade prevista pelo artigo 134 do CTB é apenas com relação à fazenda. Ou seja: perante a fazenda o autor também é responsável pela quitação dos débitos, mas isso não se estende na relação privada surgida entre as partes. É que sendo o veículo um bem móvel, desde a tradição o autor já deixou de ser proprietário (à luz do direito civil) do bem; não sendo proprietário, não praticou o fato gerador dos tributos e, assim, embora tenha solidariedade perante o fisco, pode no âmbito privado pretender obrigar outrem a solver os respectivos débitos. As penalidades (multas) também consistem em punição à pessoa que transgrediu a regra social (no caso, a regra de trânsito), de modo que o autor também não foi quem as praticou e, da mesma forma, embora seja responsável perante a fazenda, novamente pode se valer do âmbito privado para obter a satisfação efetiva de quem tem responsabilidade efetiva pela ocorrência das infrações.
Vale dizer. Em última instância, quem tem o dever no âmbito privado de solver os débitos é o terceiro que se encontra em poder do veículo. Todavia, embora aos réus venha a assistir (em tese) direito de regresso contra esse terceiro, perante o autor ambos têm o dever de fazer frente a tais débitos. É que a ré I agiu de modo negligente ao não transferir o bem para seu nome antes de efetuar a venda a terceiro (e, por conseguinte, antes do financiamento e do lançamento do gravame). Já o réu Banco X incorreu até mesmo em negligência grave (à beira do dolo), pois não apenas podia ter possibilitado a simples solução do caso antes de ser submetido à tutela jurisdicional (baixando temporariamente o gravame para que a I pudesse transferir para seu próprio nome e retirar o veículo do nome do autor), tendo optado por se manter inerte (insistindo na negligência), como, principalmente, aceitou realizar financiamento para terceiro, aceitando em garantia (e lançando o respectivo gravame) sobre um bem que não se encontrava administrativamente cadastrado em nome desse terceiro. Vale dizer, a conduta do réu Banco X não apenas atuou na geração de toda a problemática do caso (e em seguida impediu sua pronta solução), como até mesmo fomentou a conduta indevida do terceiro que se encontra em poder do automóvel.
Logo, ambos os réus agiram de modo civilmente ilícito perante o autor, devendo ser obrigados a fazer frente ao pagamento integral das despesas fiscais incidentes sobre o bem entre 2.12.2010 e 17.5.2011.
Prossigo agora ao exame dos danos morais.
Com relação à ré I, apesar de sua conduta civilmente ilícita no que tange àquele primeiro momento (até a venda do automóvel ao terceiro), posteriormente tentou dar solução ao problema e na presente audiência se mostrou até mesmo disposta a solver integralmente os débitos fiscais do veículo e a transferi-lo para seu próprio nome, apenas não tendo podido realizar esse intento em função do gravame lançado pelo réu Banco X. Assim, tenho que aquela conduta irregular inicial da ré I apenas teria o condão de gerar aborrecimentos ao autor, não transcendendo para o dano moral, máxime diante de sua posterior conduta em busca de dar solução ao problema. A I não deve, pois, ser condenada à reparação moral.
Já a situação do réu Banco X é bem diversa. Tal réu praticou condutas que extrapolaram os meros aborrecimentos, causando verdadeiro calvário ao autor. Calvário esse que poderia ter sido evitado por uma simples conduta do réu (baixar provisoriamente o gravame para que a I o transferisse para seu próprio nome). Como já visto, a negligência do réu foi grave a ponto de não apenas atuar nas causas do problema, como a fomentá-lo e a impedir sua solução. Esse modo de agir inegavalmente se afigura um tratamento de todo indigno para com qualquer pessoa e, como tal, hábil tornar imprescindível a reparação moral.    
Resta mensurar o montante do dano.
Considerando que a fixação deve ser suficiente a recompensar o lesado (sem ser irrisória e, ao mesmo tempo, sem se constituir em causa de enriquecimento indevido), bem como sopesando no caso as condições econômicas do réu Banco X (instituição financeira de grande porte com atuação em várias cidades e Estados da Federação) e do autor (fiscal de obras), a intensidade da ofensa (que consistiu em negligência grave) e a suficiência para coibir a reiteração de condutas semelhantes (merecendo realce na espécie que as instituições financeiras que atuam no ramo de financiamento de veículos costumeiramente praticam essa forma de conduta consistente no financiamento sem que o automóvel esteja em nome da pessoa que celebra o contrato, o que implica em severos transtornos às pessoas que persistem com os automóveis em seus nomes e gera inúmeras demandas judiciais, atulhando desnecessariamente o Poder Judiciário; modo de agir esse que obviamente se afigura lucrativo, pois do contrário haveria modo de agir mais diligente e atencioso para com as pessoas em geral), reputo coerente e proporcional a mensuração do valor para reparação dos danos morais na quantia de R$ 20.000,00 (vinte mil reais). Esclareço, por oportuno, que embora essa quantia seja elevada se comparada a outros salários, não se trata de quantia capaz de enriquecer ninguém; nem mesmo um andarilho é capaz de se tornar rico com a quantia de vinte mil reais, de modo que não se há que ter essa quantia como um enriquecimento desproporcional. Anoto, ainda, que como a quantia é inferior à pretendida na inicial, a procedência da demanda nesse aspecto é parcial.  
3. Diante do exposto:
(a) JULGO EXTINTO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO o pedido de imposição de obrigação de fazer consistente na transferência do veículo, o que faço com esteio no artigo art. 267, inciso VI, do CPC.
(b) JULGO PROCEDENTE (com resolução do mérito) o pedido de obrigação de fazer relativo aos débitos fiscais e, por conseguinte, imponho aos réus solidariamente a obrigação de quitar todos os débitos fiscais incidentes sobre o veículo de placa XXXX que tenham incidido em razão de situações ocorridas entre 2.12.2010 e 17.5.2011.
(c) JULGO IMPROCEDENTE (com resolução do mérito) o pedido de reparação civil por danos morais formulado contra a ré I.
(d) JULGO PROCEDENTE EM PARTE (com resolução do mérito) o pedido de reparação civil por danos morais formulado contra o réu Banco X para o efeito de CONDENAR o réu a pagar ao autor reparação civil por danos morais no montante de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), com correção monetária pela Tabela Prática do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e juros moratórios de 1% (um por cento) ao mês, ambos contados a partir da presente data (momento em que o valor foi arbitrado – Súmula n. 362 do STJ).
Por fim, concedo a tutela liminar da prestação específica. É relevante o fundamento da demanda, pois os elementos de convicção carreados ao feito demonstram o direito do autor em obter que os réus providenciem a satisfação dos débitos fiscais do veículo, tanto que já recebeu provimento meritório a esse respeito em primeiro grau de jurisdição. Existe justificado receio de ineficácia do provimento final, o que decorre do fato de perante a fazenda pública o autor ser reputado como solidário no adimplemento dos débitos fiscais, o que pode vir a sujeitá-lo a negativação creditícia e até mesmo a execução fiscal (situações que teriam o condão de agravar ainda mais a situação até o momento retratada). Destarte, com esteio no artigo 461, § 3º, do Código de Processo Civil, concedo medida liminar para o efeito de determinar que os réus I e Banco X providenciem no prazo de 30 (trinta) dias (contados a partir da presente data) o pagamento de todos os débitos fiscais incidentes sobre o veículo de placa XXXX que tenham incidido em razão de situações ocorridas entre 2.12.2010 e 17.5.2011, tudo sob pena de multa diária no valor de duzentos reais, até o limite de dez mil reais.
Sem condenação em custas ou honorários nesta instância (arts. 54 e 55 da Lei nº 9.099/95).
Sentença publicada em audiência.
Dou todas as partes por pessoalmente intimadas.
Registre-se”. 

Nada mais. Eu._______(Marise Lisboa Martins Pacca) Supervisora, digitei e imprimi.

MM. Juiz:

Adv. rqte:

Adv. reqda:

Adv. reqdo:

Reqte:

Prep. reqda:

Prep. reqdo:

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