13 de novembro de 2011

O desfecho do caso do banho de sol.


CONCLUSÃO
Aos 9 de novembro de 2011, faço estes autos conclusos ao MM. Juiz Substituto, Dr. AYRTON VIDOLIN MARQUES JÚNIOR. Eu, _______________________, escrevente, subscrevo.

          Vistos, etc.
1.       Recebi na presente data o requerimento formulado pelo Ministério Público do Estado de São Paulo.
2.       Autue-se e registre-se junto ao setor da Execução Criminal e Corregedoria.
3.       Passo a decidir.
          Cuida-se de pedido apresentado pelo Ministério Público em que se requer a ampliação do horário de banho de sol concedido às mulheres presas na Cadeia Pública de Pariquera-Açu.

          No ofício n. 114/2011 oriundo do senhor Diretor da Cadeia Pública (como resposta ao ofício n. 22/2011 deste juízo), informou-se que: (a) as atividades de recreação se desenvolvem no horário compreendido entre as 14 e as 17 horas, horário esse que foi estipulado há mais de vinte anos e sem ato administrativo documentado, seguindo as regras das demais cadeias da região; (b) o número de presas custodiadas está se reduzindo diante das transferências que estão sendo realizadas para outros estabelecimentos; (c) o tempo de três horas de recreação é adequado às questões administrativas e de segurança, como a chegada das refeições e a piora na segurança diante da ausência de guarda externa da cadeia pela polícia militar; (d) a Lei de Execução Penal não prevê horários para recreação; (e) o pátio não dispõe de cobertura, de modo que fora das celas existe maior exposição aos raios solares do que dentro delas; e (f) é possível que nos próximos meses ocorra o fechamento da unidade em função da adiantada construção de um CDP feminino na baixada santista.
          Com a devida vênia, os argumentos apresentados pelo senhor diretor do estabelecimento não resistem a exame mais atento da situação.
          Mesmo este magistrado sendo adepto da necessidade de recrudescimento das normas criminais e entender como vazios a maior parte dos discursos que invocam os direitos humanos dos presos, reputo que especificamente na situação da Cadeia Pública feminina de Pariquera-Açu o caso é mesmo de se ampliar o horário de recreação.
          As circunstâncias de ser possível o futuro fechamento da unidade e de a situação perdurar da mesma forma há mais de vinte anos não guardam relevância, pois cada dia de violação ao ordenamento jurídico é um dia que não volta e isso se torna de ainda maior importância em matéria que toca a dignidade de um grupo de pessoas (na espécie, as presas da cadeia feminina local).
          A ausência de ato administrativo formal para limitar o horário de recreação a apenas três horas diárias por si só já traduz uma conduta inválida, porquanto a administração pública seja regida por preceitos que não deixam margem para o mero alvitre imotivado de seus integrantes.
          O fato de não haver segurança externa pela Polícia Militar também não tem influência, pois do contrário não seria possível a recreação em qualquer horário, já que nunca há essa segurança externa em tal estabelecimento.
          A ampliação da recreação para o horário compreendido entre as 12 e as 18 horas não precisa necessariamente trazer transtorno para chegada da alimentação (horários esses que, diga-se, não foram mencionados pelo senhor Diretor), bastando melhor organização de modo a que a chegada ocorra em horários compatíveis com o banho de sol (como até as 12 horas e depois das 18 horas). 
          O fato de o pátio não dispor de cobertura não elide a melhora das condições de salubridade e higiene. Mesmo a exposição solar não é direta sobre todo o pátio, já que o Sol não está o tempo todo de modo a se posicionar exatamente acima do pátio, o que permite pontos e áreas de sombra. Aliás, de todo modo não há dúvidas de que quanto maior o espaço de circulação, menor é a aglomeração e o confinamento das pessoas, o que torna o ambiente mais higiênico, menos insalubre e permite maior frescor. É questão de lógica e física: é mais insalubre colocar, suponha-se, cinco pessoas em um espaço enclausurado de 16 metros quadrados e coberto ou em um espaço de 100 metros quadrados com a opção de se permanecer no coberto, no espaço aberto ao tempo ou na sombra? A resposta é óbvia.
          Não é porque a Lei de Execução Penal não prevê um horário fixo e previamente determinado que isso fique ao mero alvedrio do Diretor da Cadeia Pública. Muito pelo contrário, a LEP não prevê um horário fixo justamente por ser consciente de que o Brasil tem dimensões continentais e peculiaridades diferentes em suas distintas regiões, estados e municípios. Por exemplo, o horário de banho de sol no inverno da região serrana do Estado do Rio Grande do Sul obviamente que precisa ser diferente do horário do banho de sol no verão da região Amazônica.
          Inclusive, a LEP prevê expressamente que aqueles presos submetidos ao regime prisional mais severo (o regime disciplinar diferenciado) têm o direito à saída da cela por pelo menos 2 horas diárias para banho de sol (artigo 52, inciso IV, da LEP). Ora, se os presos mais perigosos e submetidos ao RDD (e mesmo assim com observância ao procedimento previsto na LEP e dependendo de prévia decisão jurisdicional) tem duas horas de banho de sol, o que se dizer das presas mulheres que se encontram na cadeia feminina local e que não estão submetidas ao RDD? A este juízo parece cristalino que não é proporcional que a elas se conceda apenas uma hora a mais de banho de sol do que para os presos em RDD. Isso vulnera a isonomia.
          Inclusive, para não deixar qualquer dúvida, a LEP prevê expressamente que constitui direito dos presos (tanto dos condenados quanto dos provisórios) a “proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação” (artigo 41, inciso V, e artigo 42, ambos da LEP). Logo, tendo o dia a duração de 24 horas e não havendo a imposição e ampla disponibilidade às presas locais de trabalho, do modo atual restam apenas 3 horas para recreação, enquanto que de outro lado se tem 21 horas para “descanso” em confinamento. Há clara desproporção.
          Mais: para que haja restrição de modo que contrarie a proporcionalidade se faz imprescindível a existência de ato motivado do diretor do estabelecimento, o que ocorre por força do artigo 41, parágrafo único, da LEP.
          E, como se viu, no caso da cadeia local não existe qualquer ato administrativo, quanto mais motivado de modo hábil a chancelar a restrição. Aliás, talvez seja em decorrência dessa informalidade que a situação tenha perdurado por tanto tempo (mais de vinte anos).
          Para além dos fundamentos decorrentes da própria Lei de Execução Penal, está a Constituição da República Federativa do Brasil, que traz a proteção à dignidade da pessoa humana, a isonomia, a proibição ao tratamento desumano ou degradante, a proibição à sujeição a penas cruéis e que assegura aos presos o respeito à integridade física e moral, tudo conforme artigo 1º, inciso III, e artigo 5º, caput e incisos III, XLVII (alínea “e”) e XLIX, da Constituição.
          E toda essa plêiade constitucional e legal resulta inexoravelmente vulnerada com o confinamento das presas mulheres às celas durante 21 das 24 horas do dia, máxime diante da peculiaridade desta localidade, em que, como bem assinalado pela ilustre representante do Ministério Público, “é notório que as temperaturas na cidade de Pariquera-Açu são elevadas, frequentemente acima dos 30º Celsius, chegando nos meses de dezembro e janeiro até mesmo acima dos 40º Celsius, o que propicia o aparecimento de doenças, especialmente as causadas por fungos e bactérias”.
          Diante do exposto, com esteio na competência decorrente expressamente do artigo 66, incisos VI e VII, e do artigo 185, ambos da Lei de Execução Penal, além do poder geral de cautela atribuído constitucionalmente a todos os juízes e que emana do artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição da República Federativa do Brasil, determino a ampliação do horário de recreação (“banho de sol”) das presas recolhidas na Cadeia Pública Feminina de Pariquera-Açu, que passará a ser das 12 às 18 horas, em todos os dias da semana (inclusive sábados, domingos e feriados), ampliação essa que deverá ocorrer já a partir do dia 11 de Novembro de 2011.  
          Mediante ofício, encaminhe-se cópia da presente decisão (com urgência e via fax) ao ilustre diretor da Cadeia Pública de Pariquera-Açu, a quem caberá dar cumprimento ao conteúdo desta decisão a partir do dia 11 de novembro de 2011.
          Encaminhe-se cópia da presente decisão também ao ilustre Delegado Seccional de Polícia Civil para conhecimento.
          Anoto que o descumprimento da presente decisão acarretará na remessa de peças ao Ministério Público para fins da apuração civil e criminal, sem prejuízo da comunicação também à Secretaria de Segurança Pública para averiguação de eventual infração administrativo-disciplinar.
          Ciência ao Ministério Público.
          Pariquera-Açu, 9 de novembro de 2011.

AYRTON VIDOLIN MARQUES JÚNIOR
Juiz Substituto

RECEBIMENTO
Aos 9 de novembro de 2011, recebi estes autos em cartório. Eu, ______________________, escrevente, subscrevo.

Ciente o Ministério Público.
Em 09/11/2011.

Promotora de Justiça

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