4 de novembro de 2011

Estupro de vulnerável e tratamento ambulatorial (caso excepcional)



Vara Judicial da Comarca de Cananéia
Autos nº 253/2010
Autor:                       Ministério Público do Estado de São Paulo
Denunciado:             XXXX

S  E  N  T  E  N  Ç  A

Vistos, etc.
1. Relatório:
XXXX foi denunciado (fls. 2-4) como incurso nas sanções do artigo 217-A do Código Penal, por duas vezes e em concurso material de crimes, em razão de que nos dias 26 de junho e 3 de julho de 2010 teria praticado atos libidinosos diversos da conjunção carnal com a adolescente M (menor de quatorze anos de idade).
O recebimento da denúncia ocorreu em 19 de agosto de 2010 (fls. 52-53) e, depois da apresentação de defesa (fls. 73-74), resultou confirmado (fl. 75).
Durante a instrução foram inquiridas oito testemunhas e o réu foi interrogado.
Em alegações finais a acusação apresentou manifestação pela condenação integral, com a substituição da pena por medida de segurança de internação em hospital de custódia (fls. 117-128).
A defesa deduziu pretensão absolutória (sob as alegações de consentimento da vítima, ausência de violência e inexistência de conotação lasciva) e subsidiariamente requereu a aplicação de medida de tratamento ambulatorial (fls. 130-135).
É o relatório. Decido.
2. Fundamentação:
A pretensão punitiva é procedente em parte.
Diversamente do contido na denúncia, ultimada a instrução criminal não remanesce prova da existência da prática de atos libidinosos em duas oportunidades. Mas é inequívoco que houve em pelo menos uma oportunidade.
A testemunha T contou que presenciou uma ocasião em que no quarto do acusado ele passou a mão no corpo da ofendida e na qual ela se esquivava, retirando as mãos dele. L também relatou haver presenciado uma oportunidade em que o réu e a adolescente deram beijos conhecidos como “selinhos”, mesma ocasião em que ele colocou a mão nas nádegas da ofendida. A adolescente M, apesar de inicialmente dizer que nada havia acontecido, acabou por confirmar que o acusado dizia que queria casar com ela, bem como que chegou a passar a mão no corpo dela e a beijá-la, tendo ela o afastado. Espancando qualquer dúvida, o próprio réu em seu interrogatório judicial confessou haver beijado a adolescente, contando que a amava e que queria casar com ela.
Nesse contexto, é certo que em pelo menos uma oportunidade houve a prática pelo réu de ato libidinoso diverso da conjunção carnal com pessoa menor de quatorze anos de idade (consoante certidão de nascimento de fl. 34).
Conquanto tenham sido bem aduzidas as teses de defesa relacionadas ao mérito, não estão elas a merecer acolhimento.
Apesar de a adolescente também haver agido de forma reprovável sob o prisma da moral (pois se prevalecia do sentimento do réu para obter dinheiro, consoante relatado por L), o depoimento dela em juízo demonstra de modo claro o seu elevado grau de imaturidade (e até mesmo sua suscetibilidade a ser influenciada), situação essa que é suficiente a tornar viciada a sua vontade, razão pela qual não se há que considerar que houve efetivo consentimento. Aliás, a adolescente não era sexualmente corrompida, na medida em que sequer praticara conjunção carnal em alguma vez anterior (conforme se observa do laudo de fl. 37).
A ausência de violência não guarda relevância para a configuração do crime em questão, pois assim não o exige a tipicidade contida no artigo 217-A do Código Penal.
A conduta mantida pelo acusado não pode ser considerada como desprovida de conteúdo lascivo, pois segundo os adolescentes (L, T e M) o acusado chegou a passar as mãos no corpo da adolescente M em áreas com conotação sexual.  
Assim, tenho que a conduta do acusado se amolda ao crime previsto no artigo 217-A do Código Penal por uma vez, estando também caracterizada no caso a antijuridicidade.
É certo que o acusado era semi-imputável ao tempo do fato (fls. 100-102), mas isso será considerado na fixação da pena, não excluindo a culpabilidade.
3. Dispositivo:
Diante do exposto, julgo procedente em parte a pretensão punitiva para o fim de CONDENAR o acusado XXXX como incurso nas sanções do artigo 217-A do Código Penal.
Nessas condições e partindo do mínimo legal (ou seja, oito anos de reclusão), passo à dosimetria e individualização da pena, com observância ao sistema trifásico adotado pelo Código Penal (CP, art. 68).
Na primeira fase não reputo presentes circunstâncias judiciais desfavoráveis, até porque não há notícias de que qualquer outra criança ou adolescente (afora M) tenha sido vítima de atos praticados pelo acusado. Em relação à segunda fase ocorre a atenuante da confissão judicial, mas a redução da pena para aquém do mínimo legal resulta prejudicada diante do entendimento consolidado na Súmula n. 231 do Superior Tribunal de Justiça. Na terceira fase e tendo em vista a semi-imputabilidade do acusado (fls. 100-102) está a incidir causa de diminuição de pena, sendo que tenho como adequada para o caso a redução máxima (em dois terços) prevista no artigo 26, parágrafo único, do Código Penal. Desse modo, resulta a pena definitiva em 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de reclusão.
Por se tratar de crime hediondo (art. 1º, inciso VI, da Lei de Crimes Hediondos), o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade deve ser o fechado, a ser executado em estabelecimento de segurança máxima ou média, de acordo com a disponibilidade do sistema penitenciário, com observância às regras do art. 34 do CP.
Em razão da natureza do ilícito e tendo em vista ter envolvido adolescente ainda em tenra idade, tenho como inviável na espécie a substituição por penas restritivas de direitos.
O sursis é incabível diante da quantidade de pena.
Não obstante, observo que no caso concreto é recomendável a substituição da pena privativa de liberdade pelo tratamento ambulatorial por tempo indeterminado, a ser reavaliado no prazo mínimo de 2 (dois) anos, substituição essa que agora opero e que encontra amparo no artigo 98 do Código Penal. Justifico. (I) O réu apresentou inteligência abaixo dos limites de normalidade, bem como juízo crítico rebaixado (fls. 100-102). (II) Não apresentou perversão típica de pedófilos ou outros predadores sexuais, tendo agido (equivocadamente, repita-se) por haver acreditado ter se apaixonado pela adolescente. (III) A própria adolescente acabou por se aproveitar da situação para obter vantagens financeiras (tendo a testemunha L relatado que a própria adolescente chegou a instigar o acusado, prometendo a ele beijos e casamento em troca de dinheiro). (IV) O réu já conta com mais de 65 anos de idade e não apresenta qualquer outro apontamento criminal em sua vida pregressa (fl. 44), o que corrobora a conclusão de que até então tinha tido trajetória de vida cumpridora dos deveres para com a sociedade. (V) Várias das testemunhas inquiridas em juízo (A, Ad e V) confirmaram que o réu não age na sociedade com devassidão sexual. (VI) O acusado já está há mais de um ano preso e sem receber tratamento adequado à sua condição de saúde mental. (VII) A conclusão pericial médica foi expressa no sentido de recomendar o tratamento ambulatorial pelo prazo mínimo de dois anos (fls. 100-102). (VIII) A perícia relatou que o acusado não “externou sinais de agressividade ou impulsividade” (fl. 101). (IX) É notório que o Estado de São Paulo não consegue aplicar em tempo oportuno a internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico (salvo em casos de excessiva periculosidade), o que já foi objeto de constatação por este magistrado em outros procedimentos, a exemplo da execução criminal n. 773.813 da Comarca de Eldorado, em que mesmo após muitos anos aguardando vaga para internação o sentenciado ainda se encontrava na posição n. 511 da Listagem Cronológica Oficial. (X) A Lei n. 10.216/2001 prevê que a internação (em quaisquer de suas modalidades) só é indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes (art. 4º, caput); concepção legal essa que decorre da contemporânea orientação psiquiátrica, segundo a qual a internação deve ser reservada para casos extremos, depois de esgotados todos os meios curativos que não impliquem na restrição ao convívio social. (XI) O acusado confessou em juízo haver praticado ato libidinoso com a adolescente, apenas não tendo sido menor a pena aplicada em razão do óbice da Súmula n. 231 do STJ. (XII) E o acusado revelou em seu interrogatório que depois veio a sentir vergonha com o acontecido, tornando improvável que torne a praticar atos semelhantes.
Resumo da sentença:
A denúncia foi julgada parcialmente procedente. O acusado XXXX foi condenado como incurso nas sanções do artigo 217-A do Código Penal (por uma vez). A pena privativa de liberdade foi substituída por tratamento ambulatorial por tempo indeterminado, a ser reavaliado no prazo mínimo de 2 (dois) anos.
Disposições finais:
(a) Em razão da substituição da reprimenda por tratamento ambulatorial, poderá o sentenciado recorrer em liberdade, de modo que também o libero da medida cautelar aplicada à fl. 112. Expeça-se alvará de soltura clausulado em favor do sentenciado.
(b) Nos termos do art. 804 do CPP, condeno o acusado ao pagamento das custas processuais, ficando, entretanto, condicionada a exigibilidade ao disposto no artigo 12 da Lei n. 1.060/50, tendo em vista a condição econômica por ele apresentada.
(c) Não havendo elementos suficientes para mensurar a quantia equivalente ao quanto necessário para indenização da ofendida, deixo de fixar o valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração (CPP, art. 387, inciso IV).
(d) Incide no caso o efeito genérico da condenação contido no inciso I do art. 91 do CP.
(e) Em atenção ao art. 15, inciso III, da Constituição da República, declaro a suspensão dos direitos políticos do sentenciado.
(f) Em observância ao item 22, “d”, do Capítulo V das Normas de Serviço da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de São Paulo, e com a qualificação completa do sentenciado, comunique-se o desfecho da ação penal ao serviço distribuidor e ao Instituto de Identificação Ricardo Gumbleton Daunt (IIRGD).
(g) Após o trânsito em julgado: (g.1) lance-se o nome do condenado no rol dos culpados (CPP, art. 393, inciso II); (g.2) oficie-se ao juízo eleitoral do local do domicílio do sentenciado comunicando a suspensão dos direitos políticos; (g.3) lance-se o cálculo das custas processuais; e (g.4) expeça-se definitiva guia de recolhimento para execução do tratamento ambulatorial.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Cananéia, 31 de agosto de 2011.

AYRTON VIDOLIN MARQUES JÚNIOR
Juiz Substituto

4 comentários:

  1. Em que pese a vontade social de fazer "justiça", os estupradores sao, em alguns casos, pessoas que precisam de ajuda psiquiátrica. Parabéns pela sensibilidade e brilhante decisão!

    Bruno.

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  2. Lindo Blog Dr! Soube hj e vim logo dar uma olhada, afinal sou fã de carteirinha né? rsrs adorei!!! Parabéns!!! Aproveito para pedir que mande noticias e, se for possivel, seu email pois gostaria de te enviar a foto que tiramos na minha formatura ok? Sdds suas por aki. abraço. Adriana Schmidt

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