13 de janeiro de 2012

Cartão clonado e Google Maps ajudando a sentenciar


DATA: autodata
LOCAL: Sala de Audiências do Fórum de Jacupiranga
AUTOS Nº: 195/2011
JUIZ SUBSTITUTO: Dr. Ayrton Vidolin Marques Júnior
AUTORA(S): M (presente)
ADVOGADO(S): Dr. XXXX (presente)
RÉU(S): Banco YYYY
PREPOSTO: XXXX (presente)
ADVOGADO(S): Dr. XXXX (presente)

TERMO DE AUDIÊNCIA

Iniciados os trabalhos, a proposta conciliatória resultou infrutífera. Pelo réu foi apresentada contestação escrita. Sobre a contestação, manifestou-se o procurador da autora reiterando os termos da inicial, requerendo o afastamento da preliminar e a procedência da demanda quanto ao mérito. A seguir, as partes disseram que não tinham outras provas a produzir.
Na sequência, pelo MM. Juiz foi proferida a seguinte sentença:
Vistos, etc.
1. Relatório dispensado (art. 38, caput, da Lei nº 9.099/95). Decido.
2. Rejeito a questão preliminar defensiva. Está-se diante de relação de consumo e, participando o réu da cadeia de consumo, é parte legítima a responder no pólo passivo. Ademais, há condutas praticadas diretamente pelo réu que consistem em atos ensejadores da responsabilização (ausência de efetividade na não autorização eletrônica de compras suspeitas e ausência de atendimento adequado à pronta solução da questão apresentada pela consumidora, sujeitando-a a inúmeros e reiterados pedidos administrativos e contestações de débitos), o que torna cristalina sua legitimidade.
Quanto ao mérito, a pretensão inicial é procedente em parte.

Os elementos de convicção carreados ao feito permitem a conclusão de que se está diante da existência de clonagem de cartão.
Os documentos apresentados pela autora assim o traduzem, pois constam inúmeros débitos realizados em outro Estado da Federação, sendo óbvio que a autora não poderia lá estar, pois, por exemplo, no dia 9.11.2010 gerou débito onde ela se localizava (Jacupiranga) e no mesmo dia teve débitos lançados em Juiz de Fora. É que as cidades de Jacupiranga e Juiz de Fora são muito distantes, sendo extremamente difícil que a autora tivesse se deslocado entre tais cidades em poucas horas de diferença, porquanto, segundo a ferramenta disponível na internet pelo endereço <http://maps.google.com.br/>, as distâncias entre tais cidades são de 683 km pela rota da BR116 e de 764 km pela rota da BR267, o que correspondem a tempos médios de viagem de automóvel de 8 horas e 34 minutos pelo caminho mais curto e de 9 horas e 11 minutos pelo trajeto mais longo. E como não há aeroportos que liguem diretamente ambas as cidades, resulta de todo improvável que a autora pudesse ter realizado os débitos na cidade de Juiz de Fora. Ademais, chega a ser notória a possibilidade de clonagem de cartões, além da circunstância de que não há quaisquer indícios de que a autora esteja tentando se locupletar indevidamente.
Mas não é só.
Como já assinalado desde a decisão inicial (fl. 29), o ônus da prova cabia ao réu, e não se desincumbiu ele de tal ônus, pois não produziu qualquer prova oral e sequer instruiu sua peça de defesa com quaisquer documentos, avultando o não atendimento ao seu ônus probatório.   
De se ressaltar que o ônus da prova incumbia ao réu, pois além de ser matéria inerente à defesa (tendente a elidir a responsabilidade), na espécie se tem por verossimilhantes as alegações da autora, o que torna aplicável o disposto no artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90).
Mais. A prova cabia ao réu também pela distribuição dinâmica do ônus da prova (pois tal prova apenas seria possível à própria instituição financeira) e, mais, pela teoria do risco da atividade, eis que é cediço que o réu deve suportar os riscos dos serviços prestados quando estes serviços lhe trazem vantagens. E os pagamentos eletrônicos inegavalmente trazem inúmeras vantagens às instituições financeiras, eis que além de substituir a mão de obra humana e seus consectários legais (notadamente de índole trabalhista) ainda lhe tornam mais atrativas aos consumidores em virtude de ampliar o alcance aos serviços (permitindo incremento da clientela). Desse modo, se os cartões magnéticos trazem bônus para as instituições financeiras, devem elas também suportar os ônus inerentes a tais serviços. É a correlação entre o bônus e o ônus (teoria do risco/proveito).
Assim, e como o réu não produziu qualquer prova de que os métodos de segurança empregados tivessem sido suficientes a impedir por completo qualquer desfalque ou transtorno à consumidora, torna-se inafastável tanto a declaração de inexigibilidade dos débitos contestados, quanto a sua responsabilidade em reparar a consumidora pelos danos experimentados no que concerne aos débitos contestados que tenham sido pagos pela consumidora e aos danos morais.    
Quanto aos danos materiais, apenas não tem lugar a reparação pelos honorários pagos pela contratação de advogado, pois embora tenha a autora se valido de advogado, a reparação a esse respeito (honorários contratuais, que não se confundem com os sucumbenciais) somente seria viável caso a inicial houvesse sido instruída com prova de que efetivamente suportou a despesa respectiva e do seu correlato valor. 
Os danos morais também estão presentes. Não apenas pela falha do réu em seus sistemas de segurança para impedir a clonagem de cartões e a realização de compras com cartões clonados, mas pela conduta mantida pelo réu depois, exigindo que a autora precisasse realizar inúmeras reclamações administrativas por telefone, contestasse os débitos que obviamente não haviam sido por ela realizados, além da necessidade de ter que procurar órgão de defesa ao consumidor e o Poder Judiciário. De fato, o calvário pelo qual a autora precisou passar para ter reconhecido seu direito, quando deveria tê-lo tido prontamente atendido quando procurou pelo réu ainda extrajudicialmente, traz elementos suficientes a tornar claro que os transtornos transbordaram o mero dissabor, passando a atingir e a ofender a própria dignidade da autora.      
Desse modo, considerando que a fixação do valor da reparação moral deve ser suficiente a recompensar o lesado (sem ser irrisória e, ao mesmo tempo, sem se constituir em causa de enriquecimento indevido), bem como sopesando no caso as condições econômicas do réu (sólida e lucrativa empresa), a intensidade das ofensas (cujos efeitos repercutiram durante longo período, tal como se verifica à fl. 31) e a suficiência para coibir a reiteração de condutas semelhantes (pois deve ser conferido tratamento digno e eficaz a todos os consumidores dos serviços prestados), bem como os valores envolvidos na cobrança indevida, reputo coerente a mensuração do valor para reparação dos danos morais na quantia de R$ 10.000,00 (dez mil reais).
3. Diante do exposto, julgo procedente em parte a pretensão inicial, extinguindo o feito com resolução do mérito (CPC, art. 269, inciso I), para os fins de:
(a) DECLARAR a inexigibilidade dos valores que foram contestados pela autora junto ao réu e que decorrem de compras realizadas com cartão clonado;
(b) CONDENAR o réu a ressarcir a autora nas quantias referentes aos valores inexigíveis a que se refere o item “a” deste dispositivo e que já tenham sido pagos pela autora, tudo com correção monetária pela Tabela Prática do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e juros moratórios de 1% (um por cento) ao mês, contados desde casa desembolso; e
(c) CONDENAR o réu a pagar à autora reparação civil por danos morais no montante de R$ 10.000,00 (dez mil reais), com correção monetária pela Tabela Prática do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo a partir da presente data (momento em que o valor foi arbitrado – Súmula n. 362 do STJ) e juros moratórios de 1% (um por cento) ao mês, estes contados desde a data do início dos eventos danosos (dezembro de 2010 – Súmula n. 54 do STJ).
Sem condenação em custas ou honorários nesta instância (arts. 54 e 55 da Lei nº 9.099/95)
Sentença publicada em audiência. Dou todas as partes por intimadas.
Registre-se.
Nada mais. Lido e achado conforme, vai devidamente assinado. Termo digitado e lavrado por mim, ________________________ (Diego Coleto), secretário ad hoc das audiências.

MM. JUIZ:                                                                  

AUTORA:

ADVOGADO:

PREPOSTO DO RÉU:

ADVOGADO:

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