23 de janeiro de 2012

Uma questão de Justiça à Justiça

As palavras a seguir são de autoria do Juiz José Barroso Filho, Presidente da Associação dos
Magistrados da Justiça Militar Federal (AMAJUM), e esclarecem vários aspectos da "crise" do Judiciário.




Falemos da busca de um ideal comum: Justiça.
Destaco alguns dados objetivos sobre esta "crise" que atinge a imagem do Judiciário.
No tocante a competência disciplinar do Conselho Nacional de Justiça:
O Texto constitucional atribui ao CNJ a competência para “rever” e “avocar “ processos disciplinares, conforme dispõe o art. 103-B, § 4º
Rever – em grau de recurso, questão já decidida no Tribunal local.
Avocar – chamar para si o processamento e o julgamento da questão, ou seja, a competência é do órgão local, mas por questões de demora injustificada, protecionismo ou extrema relevância da matéria ... o processo tramitará no CNJ.
Assim, claro está a competência inicial da Corregedoria local, até porque o CNJ não teria condições físicas de tratar todos os processos disciplinares do País, justamente, por isso, a Constituição Federal indica as ações REVER e AVOCAR.
Se o argumento é que as Corregedorias locais são corporativas, por certo, não o são em todos os casos e quando tal desvio se revela, cabe ao CNJ avocar o processo.
Vale ressaltar que, em vários casos, o CNJ - em revisões disciplinares - absolveu ou minorou a sanção disciplinar aplicada pelo Tribunal regional.
Aos que sustentam a tese da competência concorrente do CNJ e das Corregedorias para a apreciação dos processos disciplinares, a ancoragem da argumentação está na expressão encontrada no art. 103-B, Inc. III, da Constituição Federal, de específico:
Art. 103-B. O Conselho Nacional de Justiça...
§ 4º Compete ao Conselho...
III - receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário ... sem prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribunais...”
Não resiste a um choque de realidade pois, repise-se, o Conselho Nacional de Justiça não tem estrutura para processar todos os procedimentos disciplinares porventura existentes no Brasil.
Revela-se impreciso, pois longe de definir com clareza a competência dita concorrente, abre a possibilidade de que o magistrado possa responder – pelo mesmo fato – em duas searas diferentes: CNJ e Tribunal local.

Não bastasse a inexistência de regra de modo a evitar a concomitância, a prevalência de uma delas fulminaria o direito ao recurso administrativo a instância diversa, situação que contraria Garantia Fundamental prevista na Lei Magna.
Argumentar que a expressão “sem prejuízo” repetida por diversas vezes na Lei Maior, no caso específico, justifica o entendimento pela concorrência parece olvidar que sempre que a Constituição Federal toca o tema concorrência estabelece regramento à concomitância, seja pela prevalência, seja por vincar que a concorrência leva que determinado órgão possa estabelecer regras gerais, cabendo a especificação ao órgão regional.
É o quanto basta, tal possibilidade de concomitância destituída de regra faz necessária uma interpretação conforme que harmonize a imprescindível atuação disciplinar do CNJ com a observância do Princípio Federativo com fulcro na fundamental visão sistêmica e funcional que nos confere a própria Lex Magna ao utilizar as expressões REVER e AVOCAR.
Subsidiariedade nunca foi problema, mormente pela possibilidade, de a qualquer momento, o processo ser avocado pelo Plenário do Conselho Nacional de Justiça.
Sustentar tese contrária pode ser negativo para o próprio CNJ, pois se há inércia das Corregedorias locais, há de se reconhecer inércia por parte do CNJ em não avocar os respectivos processos.
Nos sete anos de existência do CNJ, 49 magistrados foram punidos com sanções que variaram desde a advertência até a aposentadoria compulsória.
Vale observar que há 17.000 juízes atuando no Brasil, nas diversas áreas (Federal, Estadual, Trabalhista e Militar), novamente, levantamos a proporção, o que representa 49 em 17 mil; cerca de 0,2%.

Destaco: 99,8% dos Magistrados se portam de maneira correta e dedicada.
Que fique bem claro, a Magistratura Nacional não compactua com desrespeito a lei e manifesta-se pela plena apuração dos fatos e, se for o caso, a punição dos culpados, sempre respeitando o devido processo legal.

Portanto, não há qualquer intenção de retirar o poder disciplinar do CNJ, tal previsão é constitucional.
Sobre quebra de sigilo bancário e fiscal, relatório do COAF etc...
Nós, Juízes, por dispositivo legal, devemos apresentar anualmente, as nossas Declarações de Imposto de Renda, seja para a Receita Federal, seja - em cópia - para os nossos Tribunais.
Além disso, qualquer verificação sobre pagamentos pode ser feita em uma auditagem na Folha de Pagamento do respectivo Tribunal.
Se detectada qualquer anormalidade nestas averiguações, o devido processo investigatório deve ser instaurado.
Claro está que uma eficiente verificação não desperdiça energia sobre matéria que não alimentará um procedimento investigatório, a significar:
Só justificará um aprofundamento de análise, os casos em que a realidade patrimonial não for condizente com os vencimentos do magistrado. Vale observar que tal constatação deve levar em conta as circunstâncias de cada um pois, se o Juiz receber um herança ou for casado com uma pessoa rica, tais situações podem explicar a sua evolução patrimonial.
Inobstante, o Conselho de Controle de Acompanhamento de Atividades Financeiras – COAF – órgão de reconhecida capacidade técnica - foi acionado, de forma generalizada, instado a verificar a movimentação financeira de 216.800 pessoas ligadas ao Judiciário.
Repito: Foi analisado um universo de 216.800 pessoas ligadas ao Judiciário (Juízes, servidores e familiares).
Segundo informações que obtive do próprio presidente do COAF, movimentações atípicas não representam, necessariamente, ilícito, mas sim, movimento que foge ao normal (comparando-se com os valores habitualmente movimentados, com a renda do analisado etc).
Neste contexto, 369 pessoas apresentaram movimentações atípicas.
Muitas dessas movimentações foram justificadas por heranças, empréstimos pagos ou contraídos, segundo o próprio COAF.
Quando o COAF não encontra justificativa para a atipicidade da movimentação é gerado um Relatório de Inteligência Financeira que será encaminhado aos órgãos competentes para a investigação: Ministério Público e Polícia.
O COAF é um órgão de monitoramento e não de investigação, uma vez constada a atipicidade, a investigação sobre a licitude da movimentação cabe a Polícia e ao Ministério Público.
Neste diapasão, vale destacar:
O Relatório requisitado pelo CNJ refere-se a um período de 10 anos (2000 a 2010), neste lapso temporal, o COAF agiu como sempre o fez, no monitoramento das movimentações financeiras que, in casu, não passaram a ser atípicas a partir da requisição do CNJ, sempre o foram por definição da Lei e das resoluções do próprio COAF, bem assim, a imensa maioria destas movimentações constantes no relatório elaborado em 2011 refere-se a movimentações que, nestes 10 anos, já constaram de inúmeros outros relatórios que seguiram o procedimento corriqueiro de encaminhamento aos órgãos de investigação.
Toda esta celeuma girou sobre assunto que já trilhou os caminhos normais previstos na lei e na Constituição da República.
Porém, valioso é observar que em um universo de 216.800 pessoas, 369 apresentaram movimentações atípicas, o que representa o percentual de 0,01% do total pesquisado.

Assim, 99,9% das pessoas analisadas não apresentaram qualquer anormalidade nas suas movimentações financeiras

Inexistindo processo investigatório regular ou mesmo que instaurado o devido processo, os dados bancários e fiscais são sigilosos e não devem ser expostos a público.
A própria Receita Federal quando informa os dados - mediante uma requisição judicial - faz a advertência que "está transferindo o dever de sigiloso à autoridade requisitante".
Inobstante, dados bancários e fiscais de magistrados - que sequer figuravam em regular processo investigatório - foram publicados na Imprensa por obra de ilícita quebra de sigilo constitucionalmente previsto.
Não há como transigir com ilegalidade, por estas razôes, as Associações, no entendimento de que os direitos dos Magistrados estavam sendo violados, ajuizaram medidas judiciais perante o Supremo Tribunal Federal.
Alguns segmentos sociais que defendem teses contrárias, como forma de enfraquecer os argumentos expostos pelas Associações de Magistrados, de forma genérica, lançaram acusações que afetam, sem base séria e isenta, a credibilidade que o cidadão deve ter no Judiciário.
Sobre a prestação jurisdicional
No tocante ao serviço prestado à população, vale trazer os dados estatísticos do Sistema de Estatísticas do Poder Judiciário (SIESPJ) relativos ao ano de 2009, publicados pelo Conselho Nacional de Justiça.
Ao final do ano de 2009, todos os ramos da Justiça mobilizavam 16.108 magistrados e 312.573 servidores. Existiam, na média geral, oito magistrados para cada cem mil habitantes. Na Justiça Estadual, constatou-se o maior número: seis magistrados por cem mil habitantes, com 70,5% dos juízes e 72,8% dos servidores atuando nesse ramo da Justiça.
Tramitaram na Justiça Brasileira cerca de 86,6 milhões de processos em 2009, com a soma dos casos novos com o dos processos pendentes de baixa, sendo 26,9 milhões processos de execução fiscal, constituindo aproximadamente um terço do total.
Magistrados e servidores lidaram, durante o ano de 2009, com o ingresso de 25,5 milhões de processos na Justiça.
Pode ser observado, em média, que a demanda pela Justiça brasileira foi de 11.865 processos para cada cem mil habitantes.
Analisemos alguns números:

Total de casos pendentes: 61.120.888

Total de casos novos: 25.509.463

Total de processos em andamento= 86.630.351

Total de Magistrados: 17.000

Total de processos baixados: 25.134.794

Total de sentenças: 23.181.558
Os gastos com o Judiciário no Brasil representam cerca de 1,2% do PIB nacional e acompanham o aumento progressivo de demandas levadas ao Poder Judiciário, o qual tem sido chamado a ocupar espaço crescente na sociedade brasileira desde a promulgação da Constituição Federal de 1988.
Tal como para os gastos públicos nas demais esferas de governo, mostra-se necessário o estudo da temática de custos no Judiciário, os quais se mostram perfeitamente legítimos quando utilizados em prol do melhor acesso à Justiça e de uma maior qualidade e eficiência dos serviços judiciais.
Se a Justiça brasileira envolve grandes despesas, destaca-se que o Judiciário envolve receitas significativas para o Estado. Durante o ano de 2009, foram arrecadados R$ 19,3 bilhões em receitas de execuções, sendo R$ 9,3 bilhões na Justiça Federal (48%), R$ 6,6 bilhões na Justiça Estadual (34%) e R$ 3,4 bilhões na Justiça do Trabalho (18%). Vale mencionar que, em média, 54,6% dos valores gastos pela Justiça são devolvidos aos cofres públicos por meio das arrecadações realizadas.
Isto sem contar, o valor positivo que é a prestação jurisdicional, fator fundamental para o Estado de Direito Democrático.
Incalculável o valor de uma vida salva por uma decisão judicial que determinou o internamento de uma criança em grave crise de saúde e que por ser pobre não tinha acesso ao serviço de saúde...
Não há como mensurar o sentimento de justiça quando um criminoso é punido ou quando um inocente tem sua liberdade restituída por decisão de Juiz.
Como aquilatar a satisfação de um trabalhador que vê, na Justiça, os direitos reconhecidos...
Com resultados quantificáveis ou não, justiça é muito um sentimento de segurança e confiança, as estatísticas informam que o Poder Judiciário Nacional passa por um profundo aperfeiçoamento em face da adoção dos modernos métodos de gestão administrativa, de modo a enfrentar o desafio maior de uma prestação jurisdicional justa e rápida, para tanto, é necessária a colaboração de toda a sociedade em um processo de contínua discussão e aperfeiçoamento.
Sem dúvida, é um quadro alarmente:
- Elevadíssimo número de processos (cerca de 80 milhões em todo o país);
- carência de pessoal e de recursos;
- falta de segurança para os juízes, notadamente na área criminal;
- ritos processuais que eternizam os processos;
- generalização quanto aos desvios de conduta ocorridos no Judiciário.

A Magistratura Nacional tem bem clara a sua missão:

Prover a prestação jurisdicional rápida e justa.

Para tanto, certos temas devem ser cotejados:
- o reconhecimento pelo trabalho desempenhado, por intermédio de uma remuneração compatível com o nível de responsabilidade e exigência inerentes ao exercício da Magistratura;
- adequadas condições de trabalho, muitas vezes comprometidas em face das constantes restrições orçamentárias;
- efetivas condições de segurança, são freqüentes os casos de juízes ameaçados de morte por conduzirem processos envolvendo poderosos criminosos ou afetarem grandes interesses econômicos;
- constante capacitação no intuito de manter-se atualizado com a doutrina e jurisprudência, no intuito de bem desempenhar os deveres de seu cargo e
- a necessária racionalização da legislação processual, o exagerado número de recursos e incidentes postergam a solução definitiva dos litígios, situação que não pode ser imputada aos Magistrados, pois esta pletora de recursos está prevista em lei.

Enfim, precisamos todos, juízes, membros do Ministério Público, advogados, sociedade em geral, adotar uma postura prospectiva de modo a aperfeiçoar o nível de prestação jurisdicional e que se possa ter segurança e confiança no Poder Judiciário como uma instituição garantidora dos direitos fundamentais da cidadania.
Os brasileiros precisam da Justiça todos os dias de suas vidas. Sem Judiciário forte e independente, não há direitos resguardados; não há verdadeiro Estado Democrático de Direito.
O caminho a ser trilhado é longo e tortuoso, porém, a Sociedade deve internalizar e nutrir um sentimento de confiança na Justiça, repito, por vezes, o último bastião de que se vale o cidadão para ter os seus direitos reconhecidos.
Confronto institucional inexistente.
Todas as instituições envolvidas, nesta busca pelo aprimoramento da Justiça, tem dado a suas contribuições.
O objetivo maior é que possamos construir, a cada dia e a cada ato, uma Justiça mais célere e justa.
A importância do Conselho Nacional de Justiça é reconhecida por todos vez que lhe cabe, constitucionalmente, o Planejamento e Gestão Estratégica do Poder Judiciário com as inerentes competências disciplinares farolizadas pelo Princípio Federativo e a busca da Efetividade de uma Justiça cada vez mais próxima do Cidadão.
Este é o objetivo maior de todas as Instituições ligadas ao Sistema de Justiça neste País e cada uma delas contribui de forma valiosa para a consecução destes ideais.
Se o objetivo comum nos irmana – Justiça célere e justa – a contribuição de cada um é um fator de agregação e não de separação sectária.
Qual a melhor maneira do Conselho Nacional de Justiça cumprir a sua missão republicana, no tocante ao aspecto disciplinar ?
Competência subsidiaria ou competência concorrente?
Ambas são teses que visam o aprimoramento do sistema e o atingimento dos seus objetivos, repise-se, objetivos comuns a todos estes integrantes do Sistema Judiciário.
Onde está o confronto entre instituições que tem os mesmos objetivos?
Teses divergentes representam o melhor de contribuição intelectual que cada envolvido possa apresentar em prol da eficiência do Sistema.
Tal dialética é positiva e leva ao aperfeiçoamento da Justiça.
Não há crise, nem confronto.
Construir uma Justiça mais célere e justa é um desafio de todos nós, Juízes, Membros do Ministério Público, Advogados, Sociedade como um todo.
Sigamos em frente com a altivez necessária e com o gesto largo de darmos as mãos, respeitando-se as diferenças e eventuais divergências, mas, sobretudo, investindo firmemente nas convergências maior que a busca pela concretização da Justiça, condição fundamental para que o Brasil cumpra o seu destino, tão grandioso quanto seu povo e do tamanho das Instituições que ajudamos a construir.
Cordialmente,
José Barroso Filho
Presidente da Associação dos Magistrados da Justiça Militar Federal – AMAJUM

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