11 de janeiro de 2012

Seguradoras de veículo e oficinas credenciadas


DATA: autodata
LOCAL: Sala de Audiências do Fórum de Jacupiranga
AUTOS Nº: 293/2011
JUIZ SUBSTITUTO: Dr. Ayrton Vidolin Marques Júnior
AUTOR(S): R (presente)
ADVOGADO(S): Dr. XXXX (presente)
RÉU(S): CCCC
REPRESENTANTE LEGAL: XXXX (presente)
RÉU(S): SSSS Companhia de Seguros
PREPOSTA: XXXX (presente)
ADVOGADO(S): Dr. XXXX (presente)

TERMO DE AUDIÊNCIA

Iniciados os trabalhos, a proposta conciliatória resultou infrutífera. Pelos réus foram apresentadas contestações escritas. Sobre as contestações, manifestou-se o procurador do autor reiterando os termos da inicial. A seguir, pelo autor e pela ré CCCC foi dito que tinham uma testemunha cada a inquirir. Pela ré SSSS foi dito não ter provas orais a produzir. A seguir foram inquiridas a testemunha do autor (J) e da ré CCCC (M) em termos apartados.
Na sequência, estando encerrada a instrução, pelo MM. Juiz foi proferida a seguinte sentença:

Vistos, etc.
1. Relatório dispensado (art. 38, caput, da Lei nº 9.099/95). Decido.
2. A prova dos autos (notadamente as declarações de M) demonstra que o autor não realizou contrato com a ré CCCC; e que o valor do conserto do veículo, por ajuste exclusivo entre a oficina credenciada e a seguradora, é quitado parte com o próprio valor da franquia e o restante complementado pela seguradora. Os documentos de fls. 13 e 38 comprovam que houve o protesto do cheque dado como pagamento de parte da franquia, protesto esse que foi apontado pelo representante legal da empresa CCCC.
É inequívoco que o veículo do autor, logo após sair do conserto na oficina CCCC, credenciada pela seguradora ré, teve que passar por conserto no radiador.

Tenho também como suficientemente comprovado que o problema existente no radiador decorreu da colisão ocorrida em 19 de junho de 2009 e que ensejou o acionamento da seguradora (e subsequente utilização dos serviços da oficina CCCC). Nesse aspecto, para essa conclusão concorrem: (a) as próprias circunstâncias de tempo e proximidade em relação ao evento da colisão; (b) a situação de que uma das principais causas de rachadura em radiador é o impacto (conforme relataram as duas testemunhas inquiridas); e (c) o fato de que a colisão envolveu as proximidades do radiador, tanto que a grade do radiador foi substituída junto à oficina CCCC (conforme relatado por sua testemunha). Assim, é certo que havia fissura no radiador em decorrência do acidente, fissura essa que não foi constatada pelos réus.
Pela distância que foi rodada pelo autor com o veículo após retirá-lo da CCCC é plausível que a fissura fosse pequena ao tempo em que esteve na CCCC, tendo depois aumentado em razão da pressão do motor. Isso atenua em parte a falha em não se constatar o problema mecânico, mas não exclui o vício do serviço.
Diante desse quadro fático, passo a dar solução jurídica ao caso.
O vício no serviço justificava que o autor não efetuasse o cumprimento integral de seu dever contratual (o pagamento integral da franquia), pois a seguradora também não atendeu ao seu dever de providenciar o conserto integral do veículo, de modo que não era dado à seguradora exigir que apenas o autor cumprisse integralmente com seus deveres contratuais, sem a correlata contraprestação consistente no cumprimento integral pela seguradora também de seus deveres contratuais. Nesse aspecto, e como a despesa que o autor teve para o conserto integral do veículo (com a reparação do defeito não constatado pela seguradora e pela CCCC) foi da ordem de R$ 1.065,00 (conforme comprovantes de despesa que instruíram a inicial), não podia ter exigido o pagamento dos R$ 1.230,00 relativos à parte da franquia que estava exprimida em cheque. Por conseguinte, apesar da existência de crédito R$ 165,00 em favor da seguradora em relação ao saldo da franquia (descontado o valor pago pelo autor no conserto integral do veículo), resulta invalidada a causa do cheque, tornando-o inexigível.
E sendo inexigível o cheque, não podia ele ter sido levado a protesto.
Todavia, apesar de o protesto haver sido apontado pelo representante legal da CCCC, tenho que a responsabilidade pelos danos dele decorrentes deva recair exclusivamente sobre a seguradora.
É que a relação jurídica que seria correta e estabelecida era no sentido de que cabia ao autor pagar à seguradora o valor da franquia e, por sua vez, cabia à seguradora suportar a integralidade do valor do conserto perante a CCCC. Isso porque a relação contratual do autor era com a seguradora e era entre eles que tinha lugar a franquia. Como o autor não participava da relação existente entre a seguradora e a oficina a ela credenciada, essa relação não pode ser a ele oposta, pois não figurou o autor como parte de qualquer contrato que lhe imputasse o pagamento diretamente à oficina de parte do valor do conserto do veículo. Então, quem agiu mal foi a seguradora ao colocar para a oficina credenciada o valor da franquia como parte do pagamento do conserto. Daí a legitimidade da seguradora para figurar no pólo passivo e ser responsabilizada pelos danos experimentados pelo autor (de modo que resulta afastada a preliminar defensiva de ilegitimidade passiva).
É claro que a seguradora, caso recebesse diretamente o cheque como pagamento poderia endossá-lo e repassá-lo à CCCC, por se tratar de um título de crédito. Mas a circulação (e a consequente abstração) do cheque somente ocorreria se tivesse havido esse endosso e esse encadeamento de relações. Como a CCCC ficou diretamente com o cheque, sem o endosso na própria cártula pela seguradora, há de se considerar que o cheque não circulou e, por conseguinte, não se desvinculou da sua causa de emissão, que era o pagamento da franquia pelo conserto integral do veículo.
Entendo, por conseguinte, que a má conduta comercial da seguradora foi a que preponderou para a causação dos danos sofridos pelo autor.
E reputo que a CCCC não deve ser responsabilizada perante o autor (aqui se inserindo a razão pela qual a pretensão inicial será julgada procedente apenas em parte e não na sua integralidade). Embora seja verdade que ela não andou bem em apontar o cheque a protesto, não se pode olvidar que assim agiu por decorrência da conduta da seguradora. A seguradora é que possui grande expressão econômica, podendo impor suas más práticas comerciais às oficinas credenciadas. É que como o pagamento integral do conserto à oficina era exigível da própria seguradora, óbvio se afigura que se a oficina tivesse real opção iria realizar a cobrança do valor da forma correta e diretamente da seguradora, pois assim não teria despesas de cobrança de terceiros e certamente teria a satisfação de seu crédito, pois a seguradora é notoriamente solvente. Mas como a oficina credenciada não tem como realmente exercer esse direito, para permanecer credenciada acaba se submetendo ao poderia econômico da seguradora, tendo que se contentar em receber como parte do pagamento do conserto o valor que deveria ser pago pelo consumidor diretamente à seguradora a título de franquia. Ou seja, a seguradora impõe o repasse de riscos econômicos à oficina, o que traduz abuso de direito. Desse modo, como a CCCC ainda tem um crédito de R$ 1.230,00, e como esse crédito, por justiça, lhe é devido pela seguradora (e não pelo autor), bem como porque não tem real opção para manejo da cobrança adequada, tenho que a CCCC não deve ser responsabilizada perante o autor. A rigor, nesse aspecto atua ela como títere da seguradora, de modo que a responsabilidade deve ser imposta a quem está no comando das cordas (ou seja, à seguradora).
Nesse contexto, como o cheque é inexigível e, por consequência, o protesto resulta indevido, entendo que a seguradora ré deve ser responsabilizada pelos danos morais decorrentes do protesto. E os danos morais se fazem presentes por se cuidar de situação em que eles emergem in re ipsa, diante da notória restrição creditícia que o protesto ocasiona.
Mas não é só. Os danos morais decorrem de mais condutas praticadas pela seguradora e que consistem na demora na liberação do conserto do veiculo, na ausência de vistoria eficaz a ponto de constatar de modo efetivo todos os problemas que demandavam conserto, e no tratamento desidioso em não dar pronta solução à situação que lhe foi apresentada pelo consumidor (ainda extrajudicialmente). De fato, o calvário pelo qual o autor precisou passar para ter reconhecido seu direito, quando deveria tê-lo tido prontamente atendido, é elemento que se soma a traduzir a existência de transtornos que transbordaram o mero dissabor, passando a atingir e a ofender a própria dignidade do autor.      
Desse modo, considerando que a fixação do valor da reparação moral deve ser suficiente a recompensar o lesado (sem ser irrisória e, ao mesmo tempo, sem se constituir em causa de enriquecimento indevido), bem como sopesando no caso as condições econômicas da seguradora ré (sólida e lucrativa empresa), a intensidade e quantidade das ofensas e a suficiência para coibir a reiteração de condutas semelhantes (pois deve ser conferido tratamento digno e eficaz a todos os consumidores dos serviços prestados), bem como os valores envolvidos no caso, reputo coerente a mensuração do valor para reparação dos danos morais na quantia de R$ 10.000,00 (dez mil reais).
3. Diante do exposto, julgo procedente em parte a pretensão inicial, extinguindo o feito com resolução do mérito (CPC, art. 269, inciso I), para os fins de:
(a) DECLARAR a inexigibilidade do cheque n. 000114 emitido pelo autor no valor de R$ 1.230,00, de modo que determino o cancelamento definitivo do protesto realizado junto ao 1º Tabelionato de Notas e de Protesto de Letras e Títulos de Peruíbe (ocorrido em 4.11.2009, no livro 113-G, fl. 197); e
(b) CONDENAR exclusivamente a ré SSSS Companhia de Seguros a pagar ao autor reparação civil por danos morais no montante de R$ 10.000,00 (dez mil reais), com correção monetária pela Tabela Prática do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo a partir da presente data (momento em que o valor foi arbitrado – Súmula n. 362 do STJ) e juros moratórios de 1% (um por cento) ao mês, estes contados desde a data do início dos eventos danosos (29.6.2009 – Súmula n. 54 do STJ).
Sem condenação em custas ou honorários nesta instância (arts. 54 e 55 da Lei nº 9.099/95).
Após o trânsito em julgado, oficie-se para cancelamento definitivo do protesto.
Sentença publicada em audiência. Dou todas as partes por intimadas.
Registre-se.

Nada mais. Lido e achado conforme, vai devidamente assinado. Termo digitado e lavrado por mim, ________________________ (Diego Coleto), secretário ad hoc das audiências.

MM. JUIZ:                                                                  

AUTOR:

ADVOGADO:

REPRESENTANTE DA RÉ CCCC:

ADVOGADO:

PREPOSTA DA RÉ SSSS:

ADVOGADO:

Nenhum comentário:

Postar um comentário