25 de janeiro de 2012

Empréstimo consignado. Desconto de uma só vez de várias parcelas.


DATA: autodata
LOCAL: Sala de Audiências do Fórum de Jacupiranga
AUTOS Nº: 203/2011
JUIZ SUBSTITUTO: Dr. Ayrton Vidolin Marques Júnior
AUTOR: XXXX (presente)
ADVOGADO: Dr. XXXX (presente)
RÉU(S): Banco XXXX
PREPOSTO: XXXX (presente)
ADVOGADO(S): Dr. XXXX (presente)

TERMO DE AUDIÊNCIA

Feito o pregão, compareceram as partes conforme acima anotado.
Iniciados os trabalhos, pelo procurador do réu foi requerida a juntada de substabelecimento, o que foi deferido pelo MM. Juiz. A seguir, a proposta conciliatória resultou infrutífera. Quanto à contestação escrita já juntada aos autos, manifestou-se o procurador do autor reiterando os termos da inicial. Pelas partes foi dito que não tinham provas orais a produzir. Estando encerrada a fase de instrução, pelo MM. Juiz foi proferida a seguinte sentença:
“Vistos, etc.
1. Relatório dispensado (art. 38, caput, da Lei nº 9.099/95). Decido.
2. A questão preliminar defensiva relacionada à antecipação de tutela não prospera, pois tanto os requisitos da tutela antecipada se faziam presentes que, como se verá adiante, a questão de fundo ventilada pelo autor será merecedora de acolhimento pelo juízo.

Rejeito a questão preliminar de ausência de interesse de agir, pois o interesse processual está presente, na medida em que o autor pretende bens da vida (correção do modo do desconto e reparação moral) cuja pretensão foi resistida pelo réu, o provimento jurisdicional será útil à supressão da violação ao ordenamento jurídico e o meio eleito é adequado ao desiderato pretendido.
Quanto ao mérito, é incontroverso que o réu durante o período de transição em que o Banco ZZZZ foi incorporado pelo XXXX deixou de efetuar os descontos relativos ao empréstimo formulado pelo autor e, depois, os efetuou de uma só vez.
Efetivamente foi de todo irregular a conduta do réu, porquanto seja intrínseco ao próprio contrato de empréstimo que as parcelas sejam debitadas uma a uma, de acordo com a periodicidade do contrato (no caso, mensal), salvo se houver impontualidade imputável ao devedor, quando então a instituição financeira pode se valer da retenção superior a uma parcela quando da existência de saldo. No caso essa regra intrínseca à própria natureza do contrato foi desrespeitada, pois a ausência de desconto durante alguns meses decorreu não da conduta do autor, mas da própria instituição financeira (que falhou em seus serviços). Por ser falha imputável à instituição financeira, claro é que não pode ela repassar o ônus de sua própria falha para outra pessoa. Deve arcar com as consequências de seu equívoco.
E não é dado ao réu exigir que o autor reservasse quantia suficiente a arcar com as parcelas. Primeiro, porque quem procura serviços de índole financeira junto a uma instituição assim o faz em razão justamente de procurar que o banco faça a gestão de suas finanças. Segundo, porque sendo a falha imputável ao réu, como já salientado, não pode querer permanecer apenas com os bônus, repassando o ônus para outrem.
Espancando qualquer dúvida quanto à ilicitude, o desconto das parcelas de uma só vez em conta utilizada para a percepção dos vencimentos suplantou a 30% (trinta por cento) deles (chegando a atingir cem por cento, consoante se observa à fl. 22), o que contraria a razoabilidade e a aplicação por analogia ao artigo 1º, § 2º, inciso I, e artigo 6º, ambos da Lei n. 10.820/2003 (na redação dada pela Lei n. 10.953/2004). Em sentido análogo: TJSP, Apelação n. 990100009613, rel. Paulo Hatanaka, j. 10.8.2010.
Portanto, deve ser o réu obrigado a não efetuar o desconto das parcelas de fevereiro, março e abril de uma só vez, ficando limitado ao desconto paulatino em proporção que no total (somada à parcela referente ao mês do desconto) não atinja quantia superior a 30% dos rendimentos líquidos do autor. Mais: tratando-se de falha imputável ao réu, o desconto tardio deve ser realizado sem ônus para o consumidor, razão pela qual sobre eles somente poderá incidir correção monetária (por ser relativa à corrosão da moeda), sem a incidência de juros e multa.
O pedido de reparação por danos materiais não comporta procedência. A uma, porque não ocorreram danos emergentes ou lucros cessantes do episódio que tenham sido comprovados nos autos. O que houve foi retenção de quantia em patamar superior ao possível, o que já foi sanado até mesmo pela antecipação dos efeitos da tutela. Não tem lugar a repetição em dobro prevista no artigo 42, parágrafo único, do CDC porque apesar de ser irregular a conduta do credor (ao efetuar o desconto de uma só vez das parcelas), a quantia era (como ainda é) devida, pois se refere a parcelas do empréstimo; e a repetição em dobro somente tem lugar quando se está diante de cobrança de quantia indevida (o que não é o caso). Há uma diferença entre a quantia ser indevida e entre a quantia ser devida (porém descontada de modo irregular).
Mas o desconto irregular no caso teve o condão de gerar danos morais. Tal modalidade decorre naturalmente da situação, porquanto o autor tenha tido tolhida por algum tempo a disponibilidade integral dos seus vencimentos creditados no mês de maio de 2011 (fl. 22). Não há dúvidas de que ter a conta zerada e ficar sem dinheiro por falha do banco é situação suficiente a gerar intenso sofrimento e humilhação, trazendo risco à própria manutenção do autor e de sua família, além do intrínseco desespero e angústia pela busca de meios de conseguir prover a sobrevivência familiar. Inequívoco, portanto, que houve conduta com culpa (pois foi imprudente a atitude do réu a efetuar o desconto de uma só vez) e danos morais que decorreram diretamente da conduta (nexo de causalidade), o que preenche os requisitos à responsabilização civil (artigos 186, 187 e 927 do Código Civil).   
Resta mensurar o montante do dano.
Considerando que a fixação deve ser suficiente a recompensar o lesado (sem ser irrisória e, ao mesmo tempo, sem se constituir em causa de enriquecimento indevido), bem como sopesando no caso as condições econômicas do réu (instituição financeira de grande porte com atuação em várias cidades e Estados da Federação) e do autor (servidor público estadual), a intensidade da ofensa (que tolheu o autor de todo o dinheiro que possuía) e a suficiência para coibir a reiteração de condutas semelhantes (merecendo realce na espécie que outros casos semelhantes ao presente ocorreram durante o período de transição na incorporação, de modo que a conduta imprudente do réu além de ser desrespeitosa para com os consumidores dos serviços financeiros foi também hábil a gerar proliferação de demandas no Poder Judiciário), reputo coerente e proporcional a mensuração do valor para reparação dos danos morais na quantia de R$ 10.000,00 (dez mil reais). Anoto que como a quantia é inferior à pretendida na inicial, a procedência da demanda nesse aspecto é parcial.  
3. Diante do exposto, ao tempo em que confirmo a tutela de urgência antes deferida e resultando o feito extinto com resolução de mérito:
(a) JULGO PROCEDENTE O PEDIDO DA OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER, consistente em que o réu se abstenha de efetuar o desconto das parcelas de fevereiro, março e abril de 2011 de uma só vez, ficando limitado ao desconto paulatino em proporção que no total (somada à parcela referente ao mês do desconto) não atinja quantia superior a 30% dos rendimentos líquidos do autor, sendo que o desconto tardio deverá ser realizado sem ônus para o consumidor, somente podendo incidir correção monetária, sem a incidência de juros e multa. Para o caso de descumprimento à obrigação de não fazer, fixo multa diária no valor de quinhentos reais, até o limite de cinquenta mil reais.
(b) JULGO IMPROCEDENTE O PEDIDO DE REPARAÇÃO CIVIL POR DANOS MATERIAIS, incluindo danos emergentes, lucros cessantes e repetição em dobro.
(c) JULGO PROCEDENTE EM PARTE o pedido de reparação civil por danos morais para o efeito de CONDENAR o réu a pagar ao autor reparação civil por danos morais no montante de R$ 10.000,00 (dez mil reais), com correção monetária pela Tabela Prática do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e juros moratórios de 1% (um por cento) ao mês, ambos contados a partir da presente data (momento em que o valor foi arbitrado – Súmula n. 362 do STJ).
Sem condenação em custas ou honorários nesta instância (arts. 54 e 55 da Lei nº 9.099/95).
Sentença publicada em audiência.
Dou todas as partes por pessoalmente intimadas.
Registre-se”.
Nada mais. Lido e achado conforme, vai devidamente assinado. Termo digitado e lavrado pelo próprio magistrado.


MM. JUIZ:


AUTOR:


ADVOGADO


PREPOSTO DO RÉU:


ADVOGADO:

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