2ª Vara Judicial da
Comarca de Espírito Santo do Pinhal
Autos nº 062/2011
Autor:
Ministério Público
do Estado de São Paulo
Réus: Município de Espírito
Santo do Pinhal e
Estado de São
Paulo
S E
N T E
N Ç A
Vistos.
1. Relatório:
O Ministério
Público do Estado de São Paulo propôs ação civil pública com o fim de assegurar
transporte público escolar ao adolescente xxx, portador de síndrome de down (fls. 2-24).
A
tutela liminar foi concedida pelo Tribunal de Justiça em sede de agravo.
O
Município de Espírito Santo do Pinhal apresentou contestação alegando que há
escola com atendimento especial em local próximo à residência do adolescente
(na zona urbana), tendo a alteração para zona rural decorrido de escolha de sua
própria família, não havendo obrigação de que seja operacionalizado transporte
da zona urbana para a zona rural (fls. 73-78).
O
Estado de São Paulo apresentou defesa arguindo preliminares de ilegitimidade
ativa, de falta de interesse de agir e de ilegitimidade passiva. Contrariou o
mérito argumentando que existe escola mais próxima da residência do aluno e que
conta com atendimento mais especializado em relação a alunos com necessidades
especiais (fls. 124-133).
Houve
réplica (fls. 150-153).
2. Fundamentação:
O
caso comporta pronto julgamento, eis que os elementos constantes dos autos são
suficientes à formação da convicção jurisdicional.
De
início observo ser desnecessária a emenda
da inicial, pois caso venha a surgir novo obstáculo à educação do adolescente,
nova demanda poderá ser aforada.
Rejeito
as questões preliminares defensivas. O Ministério Público tem legitimidade
ativa, porquanto o interesse subjacente transcende os meros interesses
individuais, pois se está diante de situação em que se discute o direito a viabilizar
a obtenção de ensino adequado por pessoa portadora de necessidades especiais. O
interesse público está indiscutivelmente presente. Há interesse processual, na medida em que mesmo as solicitações
administrativas realizadas pela família do adolescente e até mesmo pelo
Ministério Público não foram atendidas. Ambos os réus são partes legítimas a figurar no pólo passivo, já
que a educação e o transporte escolar, como desdobramento direto da proteção integral à criança e ao adolescente,
consistem em obrigações solidárias de todas as pessoas jurídicas de direito
público.
No
mérito, a pretensão inicial é manifestamente procedente.
Em
regra, não incumbe à atividade jurisdicional analisar a conveniência e a
oportunidade das políticas públicas. Porém, na área da infância e juventude a
situação se afigura diversa, pois a própria Constituição da República
Federativa do Brasil confere a dimensão da proteção, determinando a absoluta prioridade na adoção de
políticas públicas voltadas a tal área, especialmente no que toca ao ensino
(CRFB, arts. 227 e 211). Por isso, não se trata de indevida interferência
jurisdicional na discricionariedade do administrador público, mas de correção
da falta de atendimento aos comandos constitucionais, os quais já elegeram a
prioridade absoluta.
A Constituição tem prevalência sobre
qualquer outro ato, norma ou vontade política. Os direitos e garantias nela
presentes devem ser concretamente assegurados pelo Poder Judiciário. Todas as
lesões ou ameaças a direitos são passíveis de apreciação pelo Poder Judiciário.
É o princípio constitucional da
inafastabilidade, previsto no art. 5º, XXXV, da Constituição. A missão
institucional do Poder Judiciário caracteriza suas funções típicas como a
preservação da Constituição Federal e o exercício da jurisdição, que nada mais
é do que a solução dos casos concretos, fazendo-se valer o ordenamento
jurídico. E é por isso que a omissão no desempenho adequado e satisfatório de
políticas públicas voltadas à educação pode e deve ser apreciada como forma de
lesão a direito, cabendo ao exercício jurisdicional a aplicação de solução ao
caso concreto. Possível,
portanto, a atuação jurisdicional positiva. A esse respeito: TJSP, AI
1747830800, rel. Maria Olívia Alves, j. 5.10.2009.
E no
presente caso é cristalino que o adolescente está sendo muito melhor
atendido na Escola Estadual “Professora Joanna Di Felippe”.
O
fato de ser escola que conta com menor número de alunos por classe já é por si
só um elemento de grande importância, pois permite que o aluno receba maior
atenção e dedicação do profissional da educação.
É
mais do que óbvio que a família do aluno não o realocou para lá por mero
deleite. Tanto assim o é que por muito tempo precisaram se desdobrar para
conseguir conduzi-lo até a escola. Se a escola nova realmente não estivesse permitindo
um melhor desempenho do adolescente, certamente que não pretenderiam lá mantê-lo.
Ou
seja, muito embora formalmente
escolas mais próximas tenham atendimento supostamente mais especializado, concretamente o que se apresenta é que a
Escola “Professora Joanna Di Felippe” é a que está prestando o melhor
atendimento ao aluno, devendo, pois assim persistir.
Como observou Ives Gandra da Silva Martins, "o ser humano é a única razão do Estado. O Estado está conformado
para servi-lo, como instrumento por ele criado com tal finalidade. Nenhuma
construção artificial, todavia, pode prevalecer sobre os seus inalienáveis
direitos e liberdades, posto que o Estado é um meio de realização do ser humano
e não um fim em si mesmo" (Caderno de Direito Natural - Lei Positiva e
Lei Natural. n. 1, Centro de Estudos
Jurídicos do Pará, 1985, p. 27).
Nesse contexto, a pretensão inicial está
amplamente amparada pelos artigos 1º, inciso III; 3º, inciso IV; 5º, caput; 205; e 208, incisos III e VII, da
Constituição. E também pelos artigos 1º; 53, parágrafo único; 54, inciso VII e
§ 2º; e 208, incisos II e V, do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Há, por fim, que se observar que “situações de urgência legitimam medidas urgentes, sem os entraves dos arts.
167, incisos I, II, III e seu par. 1º, e 37, inciso XXL da Constituição
Federal, arts. 41 e 42 da Lei 4.320/64, arts. 15 e 17 da Lei Complementar n°
101/00, arts. 3° e 21 e seguintes da Lei 8.666/93, art. 2º da Lei 10.028/00,
art. 10, inciso XI, da Lei 8.429/92 e art. 5º, inciso II, da Constituição
Federal”
(TJSP, AI 7119015000, rel. Teresa Ramos Marques, excerto do corpo do acórdão,
j. 28.1.2008).
Destarte, a solução pela procedência se
impõe.
3. Dispositivo:
Diante
do exposto, extinguindo o feito com resolução de mérito e ao tempo em que
confirmo a liminar, julgo procedente a
pretensão inicial para o efeito de impor
solidariamente aos réus a obrigação de fornecer de forma regular e gratuita o
transporte escolar ao aluno xxx de sua casa para a Escola
Estadual “Professora Joanna Di Felippe”, e vice-versa, pelo tempo que durar os
estudos dele neste estabelecimento de ensino.
Intimem-se
os réus para que deem imediato cumprimento à liminar.
Eventual
recurso será recebido apenas no efeito devolutivo.
Sem
custas, diante da condição dos réus.
Sem
fixação de honorários sucumbenciais, à vista da condição do autor.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Espírito
Santo do Pinhal, autodata.
AYRTON VIDOLIN MARQUES JÚNIOR
Juiz Substituto
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