2 de agosto de 2012

Atendimento escolar concretamente melhor



2ª Vara Judicial da Comarca de Espírito Santo do Pinhal
Autos nº 062/2011
Autor:                       Ministério Público do Estado de São Paulo
Réus:                        Município de Espírito Santo do Pinhal e
                                 Estado de São Paulo

S  E  N  T  E  N  Ç  A

Vistos.
1. Relatório:
O Ministério Público do Estado de São Paulo propôs ação civil pública com o fim de assegurar transporte público escolar ao adolescente xxx, portador de síndrome de down (fls. 2-24).
A tutela liminar foi concedida pelo Tribunal de Justiça em sede de agravo.
O Município de Espírito Santo do Pinhal apresentou contestação alegando que há escola com atendimento especial em local próximo à residência do adolescente (na zona urbana), tendo a alteração para zona rural decorrido de escolha de sua própria família, não havendo obrigação de que seja operacionalizado transporte da zona urbana para a zona rural (fls. 73-78).
O Estado de São Paulo apresentou defesa arguindo preliminares de ilegitimidade ativa, de falta de interesse de agir e de ilegitimidade passiva. Contrariou o mérito argumentando que existe escola mais próxima da residência do aluno e que conta com atendimento mais especializado em relação a alunos com necessidades especiais (fls. 124-133).
Houve réplica (fls. 150-153).
É o relatório. Decido.
2. Fundamentação:
O caso comporta pronto julgamento, eis que os elementos constantes dos autos são suficientes à formação da convicção jurisdicional.
De início observo ser desnecessária a emenda da inicial, pois caso venha a surgir novo obstáculo à educação do adolescente, nova demanda poderá ser aforada.
Rejeito as questões preliminares defensivas. O Ministério Público tem legitimidade ativa, porquanto o interesse subjacente transcende os meros interesses individuais, pois se está diante de situação em que se discute o direito a viabilizar a obtenção de ensino adequado por pessoa portadora de necessidades especiais. O interesse público está indiscutivelmente presente. Há interesse processual, na medida em que mesmo as solicitações administrativas realizadas pela família do adolescente e até mesmo pelo Ministério Público não foram atendidas. Ambos os réus são partes legítimas a figurar no pólo passivo, já que a educação e o transporte escolar, como desdobramento direto da proteção integral à criança e ao adolescente, consistem em obrigações solidárias de todas as pessoas jurídicas de direito público.    
No mérito, a pretensão inicial é manifestamente procedente.
Em regra, não incumbe à atividade jurisdicional analisar a conveniência e a oportunidade das políticas públicas. Porém, na área da infância e juventude a situação se afigura diversa, pois a própria Constituição da República Federativa do Brasil confere a dimensão da proteção, determinando a absoluta prioridade na adoção de políticas públicas voltadas a tal área, especialmente no que toca ao ensino (CRFB, arts. 227 e 211). Por isso, não se trata de indevida interferência jurisdicional na discricionariedade do administrador público, mas de correção da falta de atendimento aos comandos constitucionais, os quais já elegeram a prioridade absoluta.
A Constituição tem prevalência sobre qualquer outro ato, norma ou vontade política. Os direitos e garantias nela presentes devem ser concretamente assegurados pelo Poder Judiciário. Todas as lesões ou ameaças a direitos são passíveis de apreciação pelo Poder Judiciário. É o princípio constitucional da inafastabilidade, previsto no art. 5º, XXXV, da Constituição. A missão institucional do Poder Judiciário caracteriza suas funções típicas como a preservação da Constituição Federal e o exercício da jurisdição, que nada mais é do que a solução dos casos concretos, fazendo-se valer o ordenamento jurídico. E é por isso que a omissão no desempenho adequado e satisfatório de políticas públicas voltadas à educação pode e deve ser apreciada como forma de lesão a direito, cabendo ao exercício jurisdicional a aplicação de solução ao caso concreto. Possível, portanto, a atuação jurisdicional positiva. A esse respeito: TJSP, AI 1747830800, rel. Maria Olívia Alves, j. 5.10.2009.
E no presente caso é cristalino que o adolescente está sendo muito melhor atendido na Escola Estadual “Professora Joanna Di Felippe”.
O fato de ser escola que conta com menor número de alunos por classe já é por si só um elemento de grande importância, pois permite que o aluno receba maior atenção e dedicação do profissional da educação.
É mais do que óbvio que a família do aluno não o realocou para lá por mero deleite. Tanto assim o é que por muito tempo precisaram se desdobrar para conseguir conduzi-lo até a escola. Se a escola nova realmente não estivesse permitindo um melhor desempenho do adolescente, certamente que não pretenderiam lá mantê-lo.
Ou seja, muito embora formalmente escolas mais próximas tenham atendimento supostamente mais especializado, concretamente o que se apresenta é que a Escola “Professora Joanna Di Felippe” é a que está prestando o melhor atendimento ao aluno, devendo, pois assim persistir.
Como observou Ives Gandra da Silva Martins, "o ser humano é a única razão do Estado. O Estado está conformado para servi-lo, como instrumento por ele criado com tal finalidade. Nenhuma construção artificial, todavia, pode prevalecer sobre os seus inalienáveis direitos e liberdades, posto que o Estado é um meio de realização do ser humano e não um fim em si mesmo" (Caderno de Direito Natural - Lei Positiva e Lei Natural. n. 1, Centro de Estudos Jurídicos do Pará, 1985, p. 27).
Nesse contexto, a pretensão inicial está amplamente amparada pelos artigos 1º, inciso III; 3º, inciso IV; 5º, caput; 205; e 208, incisos III e VII, da Constituição. E também pelos artigos 1º; 53, parágrafo único; 54, inciso VII e § 2º; e 208, incisos II e V, do Estatuto da Criança e do Adolescente.  
Há, por fim, que se observar que “situações de urgência legitimam medidas urgentes, sem os entraves dos arts. 167, incisos I, II, III e seu par. 1º, e 37, inciso XXL da Constituição Federal, arts. 41 e 42 da Lei 4.320/64, arts. 15 e 17 da Lei Complementar n° 101/00, arts. 3° e 21 e seguintes da Lei 8.666/93, art. 2º da Lei 10.028/00, art. 10, inciso XI, da Lei 8.429/92 e art. 5º, inciso II, da Constituição Federal” (TJSP, AI 7119015000, rel. Teresa Ramos Marques, excerto do corpo do acórdão, j. 28.1.2008).
Destarte, a solução pela procedência se impõe.
3. Dispositivo:
Diante do exposto, extinguindo o feito com resolução de mérito e ao tempo em que confirmo a liminar, julgo procedente a pretensão inicial para o efeito de impor solidariamente aos réus a obrigação de fornecer de forma regular e gratuita o transporte escolar ao aluno xxx de sua casa para a Escola Estadual “Professora Joanna Di Felippe”, e vice-versa, pelo tempo que durar os estudos dele neste estabelecimento de ensino.
Intimem-se os réus para que deem imediato cumprimento à liminar.
Eventual recurso será recebido apenas no efeito devolutivo.
Sem custas, diante da condição dos réus.
Sem fixação de honorários sucumbenciais, à vista da condição do autor.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Espírito Santo do Pinhal, autodata.

AYRTON VIDOLIN MARQUES JÚNIOR
Juiz Substituto

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