6 de agosto de 2012

Universidade



2ª Vara Judicial da Comarca de Espírito Santo do Pinhal
Autos nº 710/2010
Autor:                       Ministério Público do Estado de São Paulo
Réus:                        Fundação Pinhalense de Ensino
                                 D1
                                 D2
                                 D3
                                 C1      
                                 C2
                                 C3
                                 C4
                                 C5
                                 C6
                                 C7
                                 C8
                                 C9
                                 C10
                                 C11
                                 C12
                                 C13
                                 C14 e
                                 C15

S  E  N  T  E  N  Ç  A

Vistos.
1. Relatório:
O Ministério Público do Estado de São Paulo propôs ação civil pública em relação à Fundação Pinhalense de Ensino, pretendendo o afastamento das funções e a condenação dos membros do Conselho Diretor (D1, D2 e D3) e do Conselho de Curadores (C1, C2, C3, C4, C5, C6, C7, C8, C9, C10, C11, C12, C13, C14 e C15) ao pagamento solidário de reparação civil material e moral pela gestão irregular, ilícita e fraudulenta da instituição de ensino (fls. 2-185).
A inicial veio instruída por Inquérito Civil (autuado em apartado).
A liminar de afastamento das funções foi concedida (fls. 187-189).
Os membros do Conselho de Curadores renunciaram aos cargos (fls. 211-212).
Os réus apresentaram contestações (fls. 541-587, 803-844, 891-902, 1082-1110, 1156-1184, 1217-1238, 1420-1475, 2077-2151, 2204-2270, 2361-2434, 2454-2515, 2532-2567, 2601-2626, 2651-2794, 2841-2984, 2996-3139). Alegaram: (a) cerceamento de defesa por os autos estarem fora do cartório em parte do prazo de defesa; (b) inépcia da inicial por ausência de descrição da conduta omissa; (c) imprestabilidade do inquérito civil; (d) falta de interesse de agir; (e) cerceamento de defesa no inquérito civil; (f) ilicitude de provas; (g) falta de possibilidade jurídica do pedido; (h) prescrição; (i) ilegitimidade ativa quanto ao pedido de reparação civil; (j) ilegitimidade passiva; (k) impossibilidade de aplicação da desconsideração da personalidade jurídica; (l) ingresso de boa-fé nos conselhos; (m) limitações da atuação do Conselho de Curadores; (n) denunciação da lide à fazenda estadual (por o Ministério Público haver sido omisso); (o) denunciação da lide a M e a W; (p) inexistência de vedação à cumulação de cargos remunerados com não remunerados; (q) legalidade dos contratos de mútuo; (r) ausência de sonegação fiscal e de apropriação indébita; e (s) licitude dos recebimentos e condutas.
Lançou-se a réplica (fls. 3719-3826).
Houve substituição do interventor por comissão interventiva (fl. 4500 e 4501).
É o relatório. Decido.

2. Fundamentação:
O caso comporta pronto julgamento, pois os elementos constantes dos autos (com destaque para a prova documental) são suficientes à formação da convicção jurisdicional.
Rejeito as denunciações da lide. Nenhuma das previsões do artigo 70 do CPC se amolda à situação. O Estado de São Paulo não tem qualquer obrigação a indenizar em ação regressiva os réus e, mais, o Ministério Público agiu quando da descoberta das irregularidades, tanto que manejou instaurou inquérito civil e aforou a demanda. M e W também não estão obrigados a indenizar os réus em ação regressiva; a rigor, as alegações lançadas pelos litisdenunciantes encerram hipótese de solidariedade na reparação do dano e a solidariedade, por sua própria natureza, implica em litisconsórcio facultativo.
Não está presente prescrição. O fundo de direito não prescreveu porque as condutas irregulares foram sendo praticadas ao longo do tempo e com permanência de seus efeitos. A prescrição somente incidiu sobre a reparação de valores pretéritos ao seu prazo. Todavia, o pólo ativo corretamente excluiu do pedido condenatório os valores que já estavam prescritos, tal como se constata com clareza dos tópicos de pedidos lançados na petição inicial.
Não houve cerceamento de defesa por os autos terem ficado fora do cartório em parte do prazo de defesa. Essa matéria está atingida pela preclusão, eis que já foi repelida até mesmo em sede de agravo pela superior instância. Além do mais, conforme foi consignado pelo juízo àquele tempo, havia disponibilidade às partes para consulta aos autos (e respectiva extração de cópias). Ficando clara a ausência de cerceamento de defesa, os réus apresentaram efetivas contestações, restando bem atendidos o contraditório e a ampla defesa.
A inicial não padece de inépcia. A conduta omissa foi descrita e consiste na omissão em realizar o efetivo controle interno da instituição e dos atos do Conselho Diretor. Aliás, as defesas bem demonstraram que conseguiram compreender a omissão imputada, pois apresentaram em suas contestações contrariedade a esse respeito.
O inquérito civil não é imprestável e não há nulidade em nele não ter sido aplicado contraditório. Na seara cível o inquérito civil tem por escopo a reunião de informações e documentos que aparelhem a petição inicial ou a promoção de arquivamento e esse desiderato foi atendido. Não havia qualquer necessidade de que os réus figurassem como investigados ou fossem indiciados, pois não era um inquérito civil de índole criminal (e mesmo que o fosse, essas providências eram dispensáveis na seara administrativa, pois não seriam essenciais ao processo criminal). De mais a mais, a prova documental que foi realizada durante o inquérito civil merece ser acolhida como prova, especialmente porque os documentos não tiveram a veracidade impugnada em qualquer momento pelos réus (mesmo na fase judicial, fase essa em que tiveram a oportunidade de exercer o contraditório), eis que não há uma linha sequer nos autos que aponte a produção de prova documental material ou ideologicamente falsa. Aqui se justifica mais uma vez o julgamento antecipado, na medida em que os documentos estão em ordem e refletem a realidade.
O interesse processual está presente. A anterior aprovação de contas, por óbvio, não significa uma chancela para que nunca mais possam as condutas ser objeto de revisão. Essa possibilidade sempre há, pois ao Poder Judiciário é dado apreciar toda lesão ou ameaça a direitos. Ainda, as contas até 2008 foram aprovadas principalmente porque as informações repassadas pela direção da instituição não condiziam com a realidade, tendo a autoridade estatal sido induzida a erro.
A existência de informação decorrente de notícia anônima não invalida todo o restante da documentação regularmente obtida pelo Ministério Público no inquérito civil. E mesmo a informação anônima não é ilícita porque não se tornou o único alicerce de prova. Pelo contrário, houve corroboração e descoberta de fatos irregulares por inúmeras outras provas coligidas ao inquérito civil (tendo tornado a missiva anônima até mesmo irrelevante para o desfecho do caso).
Os pedidos deduzidos na inicial são juridicamente possíveis. A destituição de dirigentes e conselheiros por atitudes irregulares é medida viável para a preservação da instituição de ensino e tanto é viável que já foi adotado até mesmo o afastamento liminar. A reparação de danos sempre foi inerente aos mecanismos da justiça, nada de impossível havendo em tal matéria.
O Ministério Público tem legitimidade ativa para todos os pedidos. A fundação ligada ao ensino (objeto esse de intrínseco interesse público e que por isso já tornaria legítima a atuação ministerial) traduz inegável patrimônio social, tanto por lidar com a formação de profissionais e cidadãos, quanto por consistir em importantíssimo ramo para o desenvolvimento da comunidade Pinhalense. E ocorre que é função institucional do Ministério Público proteger o patrimônio social (artigo 129, inciso III, da Constituição). 
Todos os réus são partes legítimas para figurar no pólo passivo. É que foram imputadas aos membros do Conselho Diretor ações irregulares, enquanto que aos membros do Conselho de Curadores foi imputada omissão. Ou seja, a todos os réus houve imputação de condutas que teriam propiciado a lesão ao patrimônio social.
Não se está diante de discussão acerca da desconsideração da personalidade jurídica. O que se discute no caso é a adoção de meios para reparar os danos causados por condutas indevidas.
Assim, afastada toda a matéria prejudicial e preliminar, prossigo ao mérito.
A pretensão inicial é parcialmente procedente.
Inicio examinando a situação do Conselho de Curadores (composto por xxx).
Está bem claro que o Conselho de Curadores se omitia. Mesmo estando próximos ao quotidiano da instituição de ensino, fechavam os olhos para os abusos cometidos pelo Conselho Diretor. Havia manifesta incúria dos conselheiros em desempenhar adequadamente as funções que lhes competiam, especialmente o controle interno da instituição e dos atos do Conselho Diretor. Nesse contexto, não podiam mesmo (como não podem) persistir em seus cargos, o que torna necessária a convalidação da tutela liminar, consolidando-se o afastamento dos conselheiros para que novo Conselho de Curadores possa ser composto e possa desempenhar efetivamente as funções cometidas a esse órgão institucional.
Porém, nenhum dos membros do Conselho de Curadores deve ser condenado à devolução dos salários recebidos da instituição.
Pelas funções de conselheiros, em si, não consta dos autos que qualquer deles tenha recebido remuneração. Os que recebiam remuneração (xxx) o eram pelas outras funções desempenhadas na instituição de ensino e não havia incompatibilidade em acumular uma função remunerada com outra não remunerada, desde que não houvesse indício de que se estivesse a maquiar uma remuneração pela função de conselheiro. Tanto assim o é que o próprio estatuto social da instituição prevê que parte do Conselho de Curadores deve ser formada por funcionários da instituição, de modo que não haveria lógica em que uma vez passando a compor o Conselho de Curadores o funcionário precisasse ficar totalmente sem remuneração, mesmo quanto aos demais trabalhos desempenhados. O que não pode, repita-se, é remunerar a função de conselheiro direta ou indiretamente. E não há nos autos indício a esse respeito no que toca aos conselheiros, pois os que recebiam salários por suas outras funções não recebiam de forma desproporcional ao quanto era pago para outros profissionais empregados e com semelhante qualificação.
Também tenho que nenhum dos conselheiros é responsável pela reparação civil pelos atos do Conselho Diretor.
Eram omissos, é verdade.
Não se duvida que em grande parte os conselheiros fossem ludibriados pelo Conselho Diretor, assim como os diretores conseguiram por muito tempo enganar o Ministério Público por ocasião das prestações de contas.
Na realidade, salta aos olhos que o Conselho de Curadores era um mero órgão de enfeite, existente apenas para dar uma aparência de legitimidade aos diretores, pois os diretores faziam o que bem queriam (inclusive se perpetuando por décadas no poder), manobrando a todos a seu bel prazer. Os conselheiros não passavam de títeres que muito embora tivessem poderes formalmente previstos, na prática não tinham quaisquer poderes efetivos. Nesse aspecto, sendo eles meros instrumentos, sequer há conduta por parte deles. E não havendo conduta, falece um dos elementos necessários ao dever de indenizar.
De todo modo, a omissão dos conselheiros não era preponderante para a lesão ao patrimônio social, pois esta continuaria sendo levada a cabo pelos diretores, quaisquer que fossem os conselheiros. É válido assinalar que nem mesmo durante o inquérito civil e diante de expressas recomendações do Ministério Público os diretores deixaram de praticar as irregularidades. E se os diretores passavam por cima até mesmo do Ministério Público, o que se dirá dos conselheiros, que eram formados em parte por pessoas que dependiam da instituição para sobreviver e em parte de pessoas que tinham sido indicadas para compor apenas para ter o conselho formado (algumas até mesmo acreditando que era um voluntariado em prol do bem da instituição de ensino, o que aparentemente ocorreu com xxx) eis que não tinham qualquer conhecimento técnico para desempenhar as funções que deveriam ser desempenhadas.
Ainda, é de todo oportuno rememorar que a corroborar com a aparente ausência de má-fé por parte dos membros do Conselho de Curadores, após a concessão da tutela liminar todos eles renunciaram aos cargos, ato esse simplificador da atividade interventiva (fls. 211-212).
Já em relação ao Conselho Diretor (integrado por D1, D2 e D3) a situação é muito diversa.
O Conselho Diretor praticou abuso de poder, desvios de finalidade da instituição e confundia o patrimônio social da instituição com os seus patrimônios particulares.
Os documentos contidos nos autos demonstram que os diretores agiam mais do que explicitamente, escancaradamente, no desvio de patrimônio social em favor particular.
É manifesta a necessidade de responsabilização dos diretores.
Os diretores efetivamente eram remunerados por serem diretores (e não especificamente em razão das outras funções desempenhadas junto à instituição), o que é vedado pelo artigo 7º do Estatuto Social (fls. 6403-6408 do IC). Está muito bem comprovado que eles se beneficiavam direta e indiretamente das funções de diretores, atribuindo altíssimos salários para si e para seus familiares. O fato de as remunerações serem formalmente pagas a título de outros serviços não desnatura a realidade de que elas se davam em decorrência dos cargos de direção.
Eles se nomeavam para funções para as quais não tinham a qualificação exigível, recebendo salários muito mais elevados do que outros funcionários mais qualificados (fls. 5182, 5187, 5215, 5223, 5230, 5260, 5269, 5276, 5316, 5352, 5403, 5707, 10001, 10092, 10093 do IC).
Empregavam parentes e funcionários fantasmas com salários também elevados em comparação com outros funcionários tão ou mais qualificados (fls. 1799, 1803, 1810, 1816, 1820, 1821, 1829, 1835, 1855, 1856, 1860, 1864, 1866, 1869, 1870, 1923, 1934, 1939, 1949, 1957, 1958, 1974, 1984, 2026, 2029, 2031, 2039, 2045, 2047, 2053, 2054, 2106, 2114, 2126, 2127, 2132, 2142, 2151, 2165, 2174, 2214, 2218, 2219, 2232, 2234, 2235, 2241, 2242, 2243, 2293, 2294, 2302, 2311, 2316, 2327, 2335, 2336, 2350, 2358, 2396, 2399, 2401, 2408, 2413, 2416, 2420, 2421, 2434, 4422, 4444, 5170, 5286, 5322, 5412, 9865, 10179-10192 do IC).
Os diretores e seus parentes eram beneficiados pelos diretores nos pagamentos de salários (algumas vezes até mesmo com adiantamento de salário) em detrimento de todos os outros funcionários, notadamente aqueles funcionários que tinham salários mais baixos (fls. 5084-5094, 5095-5108 e 5111 do IC).
A parte mais expressiva da folha de pagamentos era consumida pelos diretores e alguns seus apadrinhados. Para que se tenha ideia da dimensão do desvirtuamento, apenas 16 pessoas (diretores e seus apaniguados) representavam 33,65% de todo o gasto da folha de salários, enquanto que os outros 333 funcionários dividiam apenas os 66,35% restantes (fls. 5076-5083 do IC).
A má-fé dos diretores é tão surpreendentemente explícita que até mesmo depois da recomendação do Ministério Público para que os diretores não recebessem salários, o Presidente do Conselho Diretor enviou ofício falsamente informando que nunca havia ocorrido o recebimento de salários (fls. 6595-6597).
O abuso de poder no desvirtuamento da folha de pagamentos, a cooptação de dirigentes sindicais e a cooptação de autoridades (fls. 10179-10191 do IC) resultou também na abusiva lesão aos interesses dos professores e funcionários que recebiam remuneração mais modesta, pois acabaram por ter direitos trabalhistas reduzidos (fls. 1801, 1829, 1868, 1916, 1973, 2052, 2109, 2110, 2034, 2222, 2240, 3361-3370, 3372-3374, 3375-3379 e 6425-6426) em função da aparente crise financeira que estava instalada (sem que soubessem tais funcionários, porém, que os diretores e apadrinhados eram os responsáveis pela maior parte da despesa vultosa da folha de pagamentos e que estes continuavam a receber os polpudos salários).
Houve inequívoco desvio de finalidade e os diretores confundiam o patrimônio social com seus patrimônios particulares, empregando indevidamente o patrimônio da instituição em benefício próprio e familiar.
A finalidade social de uma instituição de ensino, por óbvio, é o desenvolvimento do ensino. Totalmente alheios ao objeto social da instituição, os diretores passaram a (pasme-se!) utilizar a instituição de ensino como se fosse um estabelecimento financeiro. E não um estabelecimento financeiro comum (que cobra correção monetária e juros de mercado), mas um estabelecimento financeiro “caridoso” para com o patrimônio dos diretores e familiares.
Foram feitos empréstimos (mútuos) sem a devolução do dinheiro emprestado nas datas ajustadas e sem cobrança por parte da instituição.
Houve empréstimos a diretores (fls. 6506, 6507, 6508 e 6509 do IC) e a empresas de familiares (fls. 3610-3612, 3613-3615, 3616-3618, 5122, 5126, 5127, 5128 e 6360-6362, 6363-6365 do IC) resgatados após expressivo tempo, sem a incidência de juros e sem a incidência sequer de correção monetária.
E o mais absurdo é que enquanto os diretores utilizavam o dinheiro da instituição de ensino para fazer essa “caridade” para com seus próprios patrimônios familiares, a instituição de ensino estava financeiramente devastada (fls. 3688-3696 e 4957 do IC) e buscava empréstimos para si junto ao mercado financeiro, pagando, por conseguinte, os consectários de mercado, dentre os quais juros expressivos em favor das instituições financeiras (fls. 10109-10116).
Ocorreu desvio de recursos com pagamento pela instituição de ensino até mesmo de despesas da fazenda do diretor D1 (fls. 3619-3620, 3619-3620, 8969 e 10179 do IC).
Foram feitas inúmeras simulações de demissões sem justa causa do próprio filho do diretor presidente, o que possibilitou que houvesse o recebimento ardiloso de verbas indenizatórias e saldo do FGTS com multa. Nas simulações a demissão ocorria em um dia e pouquíssimo tempo depois o filho voltava a trabalhar na instituição. Foi demitido em 31.7.1990 (fls. 9375-9377 do IC) e no dia seguinte (1.8.1990) foi readmitido, e no mesmo cargo (fl. 9373 do IC). Foi demitido em 20.9.1995 (fls. 9373-9374 do IC) e logo voltou (fl. 9369 do IC). Foi demitido em 13.12.2001 (fls. 9370-9371 do IC) e voltou em 2.1.2002 (fl. 9370 do IC). Foi demitido em 14.7.2004 (fls. 9365-9366 do IC) e voltou em 2.8.2004 (fls. 9360 do IC). Foi demitido em 6.6.2006 (fls. 9361-9362 do IC) e voltou em 1.10.2006 (fl. 9355 do IC). E foi mais uma vez demitido em 9.9.2009 (fls. 9356-9358 do IC).
E o intuito de benefício próprio e familiar está tão manifesto que o diretor presidente omitiu as admissões e demissões de seu filho quando foi instado a informar a esse respeito (fls. 9354-9401 do IC).
O filho do presidente do Conselho Diretor foi beneficiado pela instituição de ensino com o pagamento de seu convênio médico e de seu empréstimo consignado, mesmo no período em que não era funcionário da instituição (fls. 9326-9337, 9534-9535, 9580, 9627, 9671-9672, 9717 e 9761 do IC).
É de clareza solar que houve gestão fraudulenta por parte dos membros do Conselho Diretor.
Houve descumprimento da obrigação de informar os mútuos em proveito de particulares nas prestações de contas ao Ministério Público (fls. 3688-3695 do IC). Mesmo durante o inquérito civil e havendo requisição específica, os diretores atuaram com descaso e omissão de informações (fls. 8924-8928, 9049-9828, 10050-10068 do IC).
Não houve repasse ao INSS da contribuição previdenciária descontada de empregados e prestadores de serviços (fls. 8149-8151 e 8603-8604 do IC).
Não houve recolhimento aos cofres públicos do imposto de renda retido na fonte a partir de novembro de 2008 (fl. 9258 do IC).
O Conselho Diretor realizou prestações de contas ao Ministério Público com informações falsas (fls. 2349, 2386, 2412, 3684, 3688, 3693 e 5170 do IC).
O patrimônio foi comprometido com débitos fiscais, ficando todos os imóveis da instituição de ensino onerados (fls. 3660-3669, 3670-3678, 3679-3687, 3688-3696, 4956, 4957, 5889-5900, 5955 e 9256 do IC).
As contas do exercício financeiro 2009 foram rejeitadas pelo Ministério Público (fls. 10073-10076 e 10096-10100 do IC).
E, além de tudo isso, houve explícita deturpação da finalidade da instituição. Instituir uma fundação é destinar um patrimônio para que sirva a uma finalidade nobre. Uma fundação voltada ao ensino deve ter por escopo o ensino. Aliás, deve ter por escopo mais do que o ensino e sim a constante busca pela excelência no ensino. Mas essa finalidade foi completamente deturpada pelo Conselho Diretor. A documentação encartada aos autos (com destaque para as falas registradas em atas de reunião dos conselhos) demonstra de modo inequívoco que o mote deixou de ser o ensino e passou a ser a captação de alunos (fls. 4616-4617, 4620, 4628, 4641, 4645, 4663, 4618-4624, 4624-4639, 4642, 4639-4644 e 4644-4648 do IC).
Houve, por conseguinte, pluralidade de atos ilícitos civis por parte dos membros do Conselho Diretor, cujas condutas geraram danos severos à instituição de ensino. Devem, pois, ser condenados solidariamente (solidariedade essa que decorre da circunstância de que um havia aderido à conduta do outro, todos concorrendo para o resultado ilícito e se acobertando reciprocamente) a reparar todos os danos apurados no caso.
Os danos materiais em valores certos (todos relativos ao período não prescrito) consistem em: (a) R$ 3.520.000,00 pela remuneração recebida pelos dirigentes; (b) R$ 450.000,00 referentes a remunerações pagas aos funcionários fantasmas; (c) R$ 11.739.000,00 em relação à devolução da remuneração e encargos recebidos pelos familiares e apadrinhados; (d) R$ 80,00 em relação à devolução das despesas pagas na fazenda do presidente do Conselho Diretor; (e) R$ 655.977,21 decorrentes das verbas recebidas indevidamente pelo filho do presidente do Conselho Diretor; (f) R$ 2.212,00 referente a devolução do benefício indevido do convênio médico do filho do presidente; e (g) R$ 10.367,00 de devolução do benefício indevido do pagamento dos créditos consignados do filho do presidente. Isso totaliza a quantia de R$ 15.972.636,21.
Há também os danos materiais em quantias ainda não definidas em valor certo e que correspondem a: (a) devolução do dinheiro emprestado a título dos contratos de mútuo (com abatimento das quantias já devolvidas, pois do contrário haveria enriquecimento injusto); (b) devolução de todos os encargos pagos às instituições financeiras nos empréstimos bancários (juros moratórios, remuneratórios, correção monetária e outros encargos financeiros), com exclusão do valor do principal recebido quando do empréstimo (pois esses valores foram recebidos pela instituição); e (c) obrigação de suportar o pagamento de todas as multas decorrentes de sonegação fiscal, ressarcindo a instituição naqueles casos em que houver pagamento pela instituição.
Não incide a reparação pelo déficit decorrente da gestão dos réus, porquanto a existência de déficit (na cifra de R$ 19.218.605,00) não significa que esse valor tenha sido objeto de locupletamento ilícito pelos réus, sendo que o risco de déficit é inerente a toda gestão administrativa.
Também não incide indenização pelo valor equivalente ao patrimônio imobiliário que foi comprometido com débitos fiscais (R$ 25.000.000,00), eis que o patrimônio imobiliário ainda cabe à instituição (embora gravado) e os ônus que sobre eles recaem decorrem de débitos fiscais que ocorreram e cujo pagamento é devido. Ademais, como a parte relativa a débitos fiscais decorrentes de multas e sanções por atos indevidos do Conselho Diretor já foi objeto de consideração nos itens passíveis de indenização, a inclusão dos débitos novamente aqui neste ponto acarretaria bis in idem.
Por fim, resta apurar a existência de danos morais.
E eles estão presentes.
Os atos ilícitos praticados pelos membros do Conselho Diretor ao serem descobertos repercutiram negativamente na imagem da instituição de ensino. O povo Pinhalense e os estudantes (que já estavam cursando a instituição e os potenciais estudantes que pensavam em nela ingressar) tiveram certeza do quadro nefasto que se divisava e isso retirou a confiança que a instituição devia ter em si depositada.
Também chega a ser notório na Comarca de Espírito Santo do Pinhal que houve uma diáspora de alunos, o que dificulta o reerguimento financeiro da instituição e que também acabou por prejudicar diretamente os munícipes em razão de que muitos comércios e hospedarias giravam em torno dos alunos que frequentavam a instituição.
Todos esses elementos traduzem abalo moral.
Desse modo, considerando que a fixação do valor da reparação moral deve ser suficiente a recompensar os lesados (sem ser irrisória e, ao mesmo tempo, sem se constituir em causa de enriquecimento indevido), bem como sopesando no caso as condições econômicas dos réus, a intensidade das ofensas (que foram múltiplas) e a suficiência para coibir a reiteração de condutas semelhantes, reputo coerente a mensuração do valor para reparação dos danos morais na quantia de R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais), que embora se apresente baixa se considerada a extensão dos danos, emana como proporcional para conferir um mínimo de reparação ao caso.
3. Dispositivo:
Diante do exposto, ao tempo em que confirmo a tutela liminar e extinguindo o processo com resolução de mérito, julgo parcialmente procedentes as pretensões iniciais para os efeitos de:
(a) Consolidar a destituição dos réus D1, D2 e D3 dos cargos junto ao Conselho Diretor.
(b) Consolidar a destituição dos réus  C1, C2, C3, C4, C5, C6, C7, C8, C9, C10, C11, C12, C13, C14 e C15 dos cargos junto ao Conselho de Curadores.
(c) Condenar solidariamente os réus D1, D2 e D3 ao pagamento de reparação civil por danos materiais no valor certo de R$ 15.972.636,21 (quinze milhões novecentos e setenta e dois mil seiscentos e trinta e seis reais e vinte um centavos), a ser acrescido de correção monetária pela Tabela Prática do Tribunal de Justiça e juros moratórios de 1% ao mês, ambos contados a partir de cada ato ilícito.
(d) Condenar solidariamente os réus D1, D2 e D3 ao pagamento de reparação civil por danos materiais em valor a ser liquidado, consistente na devolução do dinheiro emprestado a título dos contratos de mútuo (com abatimento das quantias já devolvidas), acrescido de correção monetária pela Tabela Prática do Tribunal de Justiça e juros moratórios de 1% ao mês, ambos contados a partir de cada ato ilícito.
(e) Condenar solidariamente os réus D1, D2 e D3 ao pagamento de reparação civil por danos materiais em valor a ser liquidado, consistente na devolução de todos os encargos pagos às instituições financeiras nos empréstimos bancários (juros moratórios, remuneratórios, correção monetária e outros encargos financeiros), com exclusão do valor do principal recebido quando do empréstimo, acrescido de correção monetária pela Tabela Prática do Tribunal de Justiça e juros moratórios de 1% ao mês, ambos contados a partir de cada ato ilícito.
(f) Impor solidariamente aos réus D1, D2 e D3 a obrigação de suportar o pagamento de todas as sanções decorrentes de autuações fiscais no período em que estiveram à frente do Conselho Diretor, convertendo-se a obrigação no ressarcimento à instituição naqueles casos em que houver pagamento pela instituição (hipótese em que os juros de mora de 1% ao mês e a correção monetária devem ser computados desde o desembolso pela instituição de ensino). E
(g) Condenar solidariamente os réus D1, D2 e D3 ao pagamento de reparação civil por danos morais no montante de R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais), com correção monetária pela Tabela Prática do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e juros moratórios de 1% (um por cento) ao mês, ambos contados a partir da presente data (pois foi o momento em que foi atribuída liquidez ao valor, já se considerando o tempo pelo qual perdura a situação para a mensuração do montante).
Em razão da sucumbência recíproca condeno os réus  C1, C2, C3, C4, C5, C6, C7, C8, C9, C10, C11, C12, C13, C14 e C15  ao pagamento de um sexto das custas processuais, com a ressalva do artigo 12 da Lei n. 1.060/50, pois a eles concedo os benefícios da justiça gratuita.
Também em virtude da sucumbência recíproca, condeno os réus D1, D2 e D3 ao pagamento de dois sextos das custas processuais. Indefiro a justiça gratuita a tais réus, pois ao longo de décadas à frente da instituição de ensino tiveram a oportunidade de amealhar patrimônio que lhes permita confortável situação financeira, pois recebiam elevados salários e ainda beneficiavam financeiramente seus próprios familiares.
O Ministério Público é isento de custas processuais.
Não incidem honorários de sucumbência por se tratar de ação civil pública.
Considerando que todos os cargos do Conselho de Curadores já se encontram definitivamente vagos, independentemente do trânsito em julgado (pois houve renúncia aos cargos – fls. 211-212), amplio os efeitos da tutela liminar para o fim de autorizar a comissão interventiva a providenciar a formação do Conselho de Curadores com novos membros.  
Em razão do poder geral de cautela, tendo em vista que o direito vindicado pelo pólo ativo foi reconhecido em grande extensão (tornando presente até mesmo mais do que verossimilhança, pois já houve provimento em primeira instância) e que a ciência dos termos da presente decisão naturalmente motivará os réus a tentar blindar o patrimônio que porventura ainda tenham como forma de evitar excussão (se é que já não o fizeram), com o intuito de assegurar ao menos parte do ressarcimento devido determino o arresto dos bens (móveis, imóveis e ativos financeiros) de D1, de D2 e de D3, até o limite de trinta e seis milhões de reais (pois essa é aproximadamente a quantia em valores certos já verificada, além de que na fase de execução hão de incidir as parcelas que ainda precisam de liquidação). Assim, providencie-se o bloqueio de transferência de veículos em nome de tais réus junto ao sistema RENAJUD. Providencie-se minuta de bloqueio de ativos financeiros via BACENJUD. Providencie-se ofício ao Registro de Imóveis para que seja registrado o arresto junto à matrícula de imóveis porventura existentes em nome dos réus (devendo o senhor oficial registrador remeter ao juízo cópia das respectivas matrículas com os arrestos registrados). Providencie-se a inclusão de indisponibilidade de bens junto ao sistema recentemente disponibilizado pela Corregedoria-Geral da Justiça.
Expeçam-se ofícios dirigidos aos processos mencionados nas listagens de fls. 4557 e 4561-4562 encaminhando cópia da presente sentença, a fim de que os credores possam tomar ciência da situação e requerer eventuais inclusões dos ex-diretores no pólo passivo de execuções.
Por fim, tendo em vista que no apenso de prestação de contas não há impugnação substancial à gestão da comissão interventiva, estando o gerenciamento da instituição de ensino em franco processo de recuperação de equilíbrio e sem risco de descontinuidade, julgo boas as contas prestadas até o momento.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Espírito Santo do Pinhal, autodata.

AYRTON VIDOLIN MARQUES JÚNIOR
Juiz Substituto

3 comentários:

  1. DOUTOR virei sua fã, adorei essa sentença, guardei até a página do jornal com a sentença..kkkk

    Hoje nós estávamos falando sobre isso na aula, gostaríamos de saber se tem jeito de bloquear os bens dos réus, para que eles não passem para laranjas, se sim a partir de qual momento isso pode ser feito???

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  2. Olá.
    Os bens já foram bloqueados a partir da sentença, com o arresto (antepenúltimo parágrafo).

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  3. Mas eis um juiz positivamente muito a frente do seu tempo e que entrou para a história, marcando de forma indelével seus passos pelo fórum local, por ter sido o prolator da decisão mais corajosa e moralista de que a Mantiqueira Pinhalense teve notícia e certamente jamais olvidará.

    Sente-se honrado esse humilde subscritor por ter atuado como advogado de seu constituinte, ora APELANTE, no feito que resultou na mais emblemática e valorosa sentença já proferida na história judicial da pacata e interiorana Comarca da cidade de Espírito Santo do Pinhal;

    Se o pleito contido na inicial da AÇÃO CIVIL PÚBLICA proposta pelo “Parquet” bandeirante já impressionava pela envergadura da condenação almejada, qual seja, a quantia total de R$ 267.213.000,00 (duzentos e sessenta e sete milhões e duzentos e treze mil reais), referido valor se mostrava até mesmo de somenos importância diante dos escopos morais perseguidos;

    Com efeito, a revelação das ilegalidades e fraudes que se passavam sob o embuste do objeto educacional da FUNDAÇÃO PINHALENSE DE ENSINO, a beneficiar um “grupelho” de aproveitadores que sangraram a instituição de ensino por várias décadas, provocou o resgate da moralidade e a credulidade na justiça;

    PILANTROPIA!

    Assistir pessoas que cultivaram a arrogância e a prepotência, ainda que sob as sombras falaciosas dos embustes, ameaças e ardis, julgando-se acima das leis e da Justiça que as aplica, “não tem preço”;

    Por isso, “renovada venia”, fez história o jovem juiz substituto prolator da sentença ao demonstrar que a toga que lhe vestiu o Estado tem costuras de capacidade e coragem, resplandecendo a imagem límpida do Poder Judiciário.

    Entrementes, de se consignar – malgrado o apelo que se deduzirá na sequência – que em nada se deixou melindrar o jovem magistrado, seja pelas milhares de laudas e documentos ou por possíveis pressões externas, proferindo sentença absolutamente técnica, escorada na mais categórica e segura prova dos autos, com uma clareza franciscana, como se estivesse a julgar a mais simples e corriqueira das lides do cotidiano forense de Caio contra Tício;

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