2ª Vara Judicial da
Comarca de Espírito Santo do Pinhal
Autos nº 710/2010
Autor:
Ministério Público
do Estado de São Paulo
Réus: Fundação Pinhalense de
Ensino
D1
D2
D3
C1
C2
C3
C4
C5
C6
C7
C8
C9
C10
C11
C12
C13
C14 e
C15
S E
N T E
N Ç A
Vistos.
1. Relatório:
O Ministério
Público do Estado de São Paulo propôs ação civil pública em relação à Fundação
Pinhalense de Ensino, pretendendo o afastamento das funções e a condenação dos
membros do Conselho Diretor (D1, D2 e
D3) e do Conselho de Curadores (C1, C2, C3, C4, C5, C6, C7, C8, C9, C10, C11, C12, C13, C14 e C15) ao
pagamento solidário de reparação civil material e moral pela gestão irregular,
ilícita e fraudulenta da instituição de ensino (fls. 2-185).
A
inicial veio instruída por Inquérito Civil (autuado em apartado).
A
liminar de afastamento das funções foi concedida (fls. 187-189).
Os
membros do Conselho de Curadores renunciaram aos cargos (fls. 211-212).
Os
réus apresentaram contestações (fls. 541-587, 803-844, 891-902, 1082-1110,
1156-1184, 1217-1238, 1420-1475, 2077-2151, 2204-2270, 2361-2434, 2454-2515,
2532-2567, 2601-2626, 2651-2794, 2841-2984, 2996-3139). Alegaram: (a)
cerceamento de defesa por os autos estarem fora do cartório em parte do prazo
de defesa; (b) inépcia da inicial por ausência de descrição da conduta omissa; (c)
imprestabilidade do inquérito civil; (d) falta de interesse de agir; (e)
cerceamento de defesa no inquérito civil; (f) ilicitude de provas; (g) falta de
possibilidade jurídica do pedido; (h) prescrição; (i) ilegitimidade ativa
quanto ao pedido de reparação civil; (j) ilegitimidade passiva; (k)
impossibilidade de aplicação da desconsideração da personalidade jurídica; (l) ingresso
de boa-fé nos conselhos; (m) limitações da atuação do Conselho de Curadores; (n)
denunciação da lide à fazenda estadual
(por o Ministério Público haver sido omisso); (o) denunciação da lide a M e a W; (p) inexistência de vedação à cumulação
de cargos remunerados com não remunerados; (q) legalidade dos contratos de
mútuo; (r) ausência de sonegação fiscal e de apropriação indébita; e (s) licitude
dos recebimentos e condutas.
Lançou-se
a réplica (fls. 3719-3826).
Houve
substituição do interventor por comissão interventiva (fl. 4500 e 4501).
É o
relatório. Decido.
2. Fundamentação:
O
caso comporta pronto julgamento, pois os elementos constantes dos autos (com
destaque para a prova documental) são suficientes à formação da
convicção jurisdicional.
Rejeito
as denunciações da lide. Nenhuma das previsões do artigo 70 do CPC se amolda à
situação. O Estado de São Paulo não tem qualquer obrigação a indenizar
em ação regressiva os réus e, mais, o Ministério Público agiu quando da descoberta das irregularidades, tanto que manejou
instaurou inquérito civil e aforou a demanda. M e W também não estão obrigados a indenizar os réus em ação
regressiva; a rigor, as alegações lançadas pelos litisdenunciantes encerram hipótese
de solidariedade na reparação do dano
e a solidariedade, por sua própria
natureza, implica em litisconsórcio facultativo.
Não
está presente prescrição. O fundo de direito não prescreveu porque as condutas
irregulares foram sendo praticadas ao longo do tempo e com permanência de seus
efeitos. A prescrição somente incidiu sobre a reparação de valores pretéritos
ao seu prazo. Todavia, o pólo ativo corretamente excluiu do pedido condenatório
os valores que já estavam prescritos, tal como se constata com clareza dos
tópicos de pedidos lançados na petição inicial.
Não
houve cerceamento de defesa por os autos terem ficado fora do cartório em parte
do prazo de defesa. Essa matéria está atingida pela preclusão, eis que já foi
repelida até mesmo em sede de agravo pela superior instância. Além do mais, conforme
foi consignado pelo juízo àquele tempo, havia disponibilidade às partes para
consulta aos autos (e respectiva extração de cópias). Ficando clara a ausência
de cerceamento de defesa, os réus apresentaram efetivas contestações, restando bem atendidos o contraditório e a ampla
defesa.
A
inicial não padece de inépcia. A conduta omissa foi descrita e consiste na
omissão em realizar o efetivo controle interno da instituição e dos atos do
Conselho Diretor. Aliás, as defesas bem demonstraram que conseguiram
compreender a omissão imputada, pois apresentaram em suas contestações
contrariedade a esse respeito.
O
inquérito civil não é imprestável e não há nulidade em nele não ter sido
aplicado contraditório. Na seara cível o inquérito civil tem por escopo a
reunião de informações e documentos que aparelhem a petição inicial ou a
promoção de arquivamento e esse desiderato foi atendido. Não havia qualquer
necessidade de que os réus figurassem como investigados ou fossem indiciados,
pois não era um inquérito civil de índole criminal (e mesmo que o fosse, essas
providências eram dispensáveis na seara administrativa, pois não seriam
essenciais ao processo criminal). De mais a mais, a prova documental que foi
realizada durante o inquérito civil merece ser acolhida como prova,
especialmente porque os documentos não tiveram a veracidade impugnada em qualquer momento pelos réus (mesmo na fase judicial,
fase essa em que tiveram a oportunidade de exercer o contraditório), eis que
não há uma linha sequer nos autos que aponte a produção de prova documental material
ou ideologicamente falsa. Aqui se justifica mais uma vez o julgamento
antecipado, na medida em que os documentos estão em ordem e refletem a
realidade.
O interesse processual está presente. A
anterior aprovação de contas, por óbvio, não significa uma chancela para que
nunca mais possam as condutas ser objeto de revisão. Essa possibilidade sempre
há, pois ao Poder Judiciário é dado apreciar toda lesão ou ameaça a direitos. Ainda,
as contas até 2008 foram aprovadas principalmente porque as informações
repassadas pela direção da instituição não condiziam com a realidade, tendo a
autoridade estatal sido induzida a erro.
A
existência de informação decorrente de notícia anônima não invalida todo o
restante da documentação regularmente obtida pelo Ministério Público no
inquérito civil. E mesmo a informação anônima não é ilícita porque não se tornou o único alicerce de prova. Pelo
contrário, houve corroboração e descoberta de fatos irregulares por inúmeras
outras provas coligidas ao inquérito civil (tendo tornado a missiva anônima até
mesmo irrelevante para o desfecho do caso).
Os
pedidos deduzidos na inicial são juridicamente
possíveis. A destituição de dirigentes e conselheiros por atitudes irregulares
é medida viável para a preservação da instituição de ensino e tanto é viável
que já foi adotado até mesmo o afastamento liminar. A reparação de danos sempre
foi inerente aos mecanismos da justiça, nada de impossível havendo em tal
matéria.
O
Ministério Público tem legitimidade ativa
para todos os pedidos. A fundação
ligada ao ensino (objeto esse de intrínseco
interesse público e que por isso já
tornaria legítima a atuação ministerial) traduz inegável patrimônio social, tanto por lidar com a formação de profissionais
e cidadãos, quanto por consistir em importantíssimo ramo para o desenvolvimento
da comunidade Pinhalense. E ocorre que é função
institucional do Ministério Público proteger
o patrimônio social (artigo 129,
inciso III, da Constituição).
Todos
os réus são partes legítimas para
figurar no pólo passivo. É que foram imputadas aos membros do Conselho Diretor ações irregulares, enquanto que aos
membros do Conselho de Curadores foi imputada omissão. Ou seja, a todos os réus houve imputação de condutas que teriam propiciado a lesão
ao patrimônio social.
Não
se está diante de discussão acerca da desconsideração da personalidade
jurídica. O que se discute no caso é a adoção de meios para reparar os danos
causados por condutas indevidas.
Assim,
afastada toda a matéria prejudicial e
preliminar, prossigo ao mérito.
A pretensão
inicial é parcialmente procedente.
Inicio
examinando a situação do Conselho de Curadores (composto por xxx).
Está
bem claro que o Conselho de Curadores se omitia.
Mesmo estando próximos ao quotidiano da instituição de ensino, fechavam os
olhos para os abusos cometidos pelo Conselho Diretor. Havia manifesta incúria
dos conselheiros em desempenhar adequadamente as funções que lhes competiam,
especialmente o controle interno da instituição e dos atos do Conselho Diretor.
Nesse contexto, não podiam mesmo (como não podem) persistir em seus cargos, o
que torna necessária a convalidação da tutela liminar, consolidando-se o
afastamento dos conselheiros para que novo Conselho de Curadores possa ser
composto e possa desempenhar efetivamente as funções cometidas a esse órgão institucional.
Porém,
nenhum dos membros do Conselho de Curadores deve ser condenado à devolução dos
salários recebidos da instituição.
Pelas
funções de conselheiros, em si, não consta dos autos que qualquer deles tenha
recebido remuneração. Os que recebiam remuneração (xxx) o eram pelas outras funções desempenhadas na instituição de
ensino e não havia incompatibilidade em acumular uma função remunerada com outra
não remunerada, desde que não houvesse indício de que se estivesse a maquiar
uma remuneração pela função de conselheiro. Tanto assim o é que o próprio estatuto
social da instituição prevê que parte do Conselho de Curadores deve ser formada
por funcionários da instituição, de modo que não haveria lógica em que uma vez passando
a compor o Conselho de Curadores o funcionário precisasse ficar totalmente sem
remuneração, mesmo quanto aos demais trabalhos desempenhados. O que não pode,
repita-se, é remunerar a função de conselheiro direta ou indiretamente. E não
há nos autos indício a esse respeito no que toca aos conselheiros, pois os que
recebiam salários por suas outras funções não recebiam de forma desproporcional
ao quanto era pago para outros profissionais empregados e com semelhante
qualificação.
Também
tenho que nenhum dos conselheiros é responsável pela reparação civil pelos atos do Conselho Diretor.
Eram
omissos, é verdade.
Não
se duvida que em grande parte os conselheiros fossem ludibriados pelo Conselho
Diretor, assim como os diretores conseguiram por muito tempo enganar o
Ministério Público por ocasião das prestações de contas.
Na
realidade, salta aos olhos que o Conselho de Curadores era um mero órgão de
enfeite, existente apenas para dar uma aparência de legitimidade aos diretores,
pois os diretores faziam o que bem queriam (inclusive se perpetuando por
décadas no poder), manobrando a todos a seu bel prazer. Os conselheiros não
passavam de títeres que muito embora tivessem poderes formalmente previstos, na prática
não tinham quaisquer poderes efetivos. Nesse aspecto, sendo eles meros instrumentos, sequer há conduta por parte deles. E não havendo conduta, falece um dos elementos
necessários ao dever de indenizar.
De
todo modo, a omissão dos conselheiros não era preponderante para a lesão ao patrimônio social, pois esta continuaria
sendo levada a cabo pelos diretores, quaisquer que fossem os conselheiros. É
válido assinalar que nem mesmo durante o inquérito civil e diante de expressas
recomendações do Ministério Público os diretores deixaram de praticar as
irregularidades. E se os diretores passavam por cima até mesmo do Ministério
Público, o que se dirá dos conselheiros, que eram formados em parte por pessoas
que dependiam da instituição para sobreviver e em parte de pessoas que tinham
sido indicadas para compor apenas para ter o conselho formado (algumas até
mesmo acreditando que era um voluntariado em prol do bem da instituição de
ensino, o que aparentemente ocorreu com xxx) eis que não tinham qualquer conhecimento
técnico para desempenhar as funções que deveriam ser desempenhadas.
Ainda,
é de todo oportuno rememorar que a corroborar com a aparente ausência de má-fé
por parte dos membros do Conselho de Curadores, após a concessão da tutela
liminar todos eles renunciaram aos cargos, ato esse simplificador da atividade
interventiva (fls. 211-212).
Já em
relação ao Conselho Diretor (integrado por D1, D2 e D3) a situação é muito diversa.
O Conselho
Diretor praticou abuso de poder,
desvios de finalidade da
instituição e confundia o
patrimônio social da instituição com os seus patrimônios particulares.
Os
documentos contidos nos autos demonstram que os diretores agiam mais do que
explicitamente, escancaradamente, no desvio de patrimônio social em
favor particular.
É manifesta
a necessidade de responsabilização dos diretores.
Os
diretores efetivamente eram remunerados por serem
diretores (e não especificamente em razão das outras funções desempenhadas
junto à instituição), o que é vedado pelo artigo 7º do Estatuto Social (fls.
6403-6408 do IC). Está muito bem comprovado que eles se beneficiavam direta e
indiretamente das funções de diretores, atribuindo altíssimos salários para si
e para seus familiares. O fato de as remunerações serem formalmente pagas a
título de outros serviços não desnatura a realidade de que elas se davam em
decorrência dos cargos de direção.
Eles
se nomeavam para funções para as quais não tinham a qualificação exigível, recebendo
salários muito mais elevados do que outros funcionários mais qualificados (fls.
5182, 5187, 5215, 5223, 5230, 5260, 5269, 5276, 5316, 5352, 5403, 5707, 10001, 10092,
10093 do IC).
Empregavam
parentes e funcionários fantasmas com salários também elevados em comparação
com outros funcionários tão ou mais qualificados (fls. 1799, 1803, 1810, 1816, 1820,
1821, 1829, 1835, 1855, 1856, 1860, 1864, 1866, 1869, 1870, 1923, 1934, 1939, 1949,
1957, 1958, 1974, 1984, 2026, 2029, 2031, 2039, 2045, 2047, 2053, 2054, 2106, 2114,
2126, 2127, 2132, 2142, 2151, 2165, 2174, 2214, 2218, 2219, 2232, 2234, 2235, 2241,
2242, 2243, 2293, 2294, 2302, 2311, 2316, 2327, 2335, 2336, 2350, 2358, 2396, 2399,
2401, 2408, 2413, 2416, 2420, 2421, 2434, 4422, 4444, 5170, 5286, 5322, 5412,
9865, 10179-10192 do IC).
Os
diretores e seus parentes eram beneficiados pelos diretores nos pagamentos de
salários (algumas vezes até mesmo com adiantamento de salário) em detrimento de
todos os outros funcionários, notadamente aqueles funcionários que tinham
salários mais baixos (fls. 5084-5094, 5095-5108 e 5111 do IC).
A
parte mais expressiva da folha de pagamentos era consumida pelos diretores e alguns
seus apadrinhados. Para que se tenha ideia da dimensão do desvirtuamento, apenas
16 pessoas (diretores e seus apaniguados) representavam 33,65% de todo o gasto
da folha de salários, enquanto que os outros 333 funcionários dividiam apenas
os 66,35% restantes (fls. 5076-5083 do IC).
A má-fé
dos diretores é tão surpreendentemente explícita que até mesmo depois da
recomendação do Ministério Público para que os diretores não recebessem
salários, o Presidente do Conselho Diretor enviou ofício falsamente informando
que nunca havia ocorrido o recebimento de salários (fls. 6595-6597).
O
abuso de poder no desvirtuamento da folha de pagamentos, a cooptação de
dirigentes sindicais e a cooptação de autoridades (fls. 10179-10191 do IC) resultou
também na abusiva lesão aos interesses dos professores e funcionários que recebiam
remuneração mais modesta, pois acabaram por ter direitos trabalhistas reduzidos
(fls. 1801, 1829, 1868, 1916, 1973, 2052, 2109, 2110, 2034, 2222, 2240,
3361-3370, 3372-3374, 3375-3379 e 6425-6426) em função da aparente crise
financeira que estava instalada (sem que soubessem tais funcionários, porém, que
os diretores e apadrinhados eram os responsáveis pela maior parte da despesa
vultosa da folha de pagamentos e que estes continuavam a receber os polpudos salários).
Houve
inequívoco desvio de finalidade e os
diretores confundiam o patrimônio social
com seus patrimônios particulares,
empregando indevidamente o patrimônio da instituição em benefício próprio e
familiar.
A finalidade social de uma instituição de ensino, por óbvio, é o
desenvolvimento do ensino. Totalmente
alheios ao objeto social da
instituição, os diretores passaram a (pasme-se!) utilizar a instituição de
ensino como se fosse um estabelecimento financeiro.
E não um estabelecimento financeiro comum
(que cobra correção monetária e juros de mercado), mas um estabelecimento
financeiro “caridoso” para com o patrimônio dos diretores e familiares.
Foram
feitos empréstimos (mútuos) sem a devolução do dinheiro emprestado nas datas
ajustadas e sem cobrança por parte da instituição.
Houve
empréstimos a diretores (fls. 6506, 6507, 6508 e 6509 do IC) e a empresas de
familiares (fls. 3610-3612, 3613-3615, 3616-3618, 5122, 5126, 5127, 5128 e
6360-6362, 6363-6365 do IC) resgatados após expressivo tempo, sem a incidência
de juros e sem a incidência sequer de correção monetária.
E o
mais absurdo é que enquanto os diretores utilizavam o dinheiro da instituição
de ensino para fazer essa “caridade” para com seus próprios patrimônios
familiares, a instituição de ensino estava financeiramente devastada (fls.
3688-3696 e 4957 do IC) e buscava empréstimos para si junto ao mercado
financeiro, pagando, por conseguinte, os consectários de mercado, dentre os
quais juros expressivos em favor das instituições financeiras (fls.
10109-10116).
Ocorreu
desvio de recursos com pagamento pela instituição de ensino até mesmo de
despesas da fazenda do diretor D1 (fls. 3619-3620,
3619-3620, 8969 e 10179 do IC).
Foram
feitas inúmeras simulações de
demissões sem justa causa do próprio filho do diretor presidente, o que
possibilitou que houvesse o recebimento ardiloso de verbas indenizatórias e
saldo do FGTS com multa. Nas simulações a demissão ocorria em um dia e pouquíssimo
tempo depois o filho voltava a trabalhar na instituição. Foi demitido em
31.7.1990 (fls. 9375-9377 do IC) e no dia seguinte (1.8.1990) foi readmitido, e
no mesmo cargo (fl. 9373 do IC). Foi demitido em 20.9.1995 (fls. 9373-9374 do
IC) e logo voltou (fl. 9369 do IC). Foi demitido em 13.12.2001 (fls. 9370-9371
do IC) e voltou em 2.1.2002 (fl. 9370 do IC). Foi demitido em 14.7.2004 (fls. 9365-9366
do IC) e voltou em 2.8.2004 (fls. 9360 do IC). Foi demitido em 6.6.2006 (fls.
9361-9362 do IC) e voltou em 1.10.2006 (fl. 9355 do IC). E foi mais uma vez
demitido em 9.9.2009 (fls. 9356-9358 do IC).
E o
intuito de benefício próprio e familiar está tão manifesto que o diretor
presidente omitiu as admissões e demissões de seu filho quando foi instado a
informar a esse respeito (fls. 9354-9401 do IC).
O
filho do presidente do Conselho Diretor foi beneficiado pela instituição de
ensino com o pagamento de seu convênio médico e de seu empréstimo consignado,
mesmo no período em que não era funcionário da instituição (fls. 9326-9337,
9534-9535, 9580, 9627, 9671-9672, 9717 e 9761 do IC).
É de
clareza solar que houve gestão fraudulenta por parte dos membros do Conselho
Diretor.
Houve
descumprimento da obrigação de informar os mútuos em proveito de particulares nas
prestações de contas ao Ministério Público (fls. 3688-3695 do IC). Mesmo
durante o inquérito civil e havendo requisição específica, os diretores atuaram
com descaso e omissão de informações (fls. 8924-8928, 9049-9828, 10050-10068 do
IC).
Não
houve repasse ao INSS da contribuição previdenciária descontada de empregados e
prestadores de serviços (fls. 8149-8151 e 8603-8604 do IC).
Não
houve recolhimento aos cofres públicos do imposto de renda retido na fonte a
partir de novembro de 2008 (fl. 9258 do IC).
O
Conselho Diretor realizou prestações de contas ao Ministério Público com
informações falsas (fls. 2349, 2386, 2412, 3684, 3688, 3693 e 5170 do IC).
O
patrimônio foi comprometido com débitos fiscais, ficando todos os imóveis da
instituição de ensino onerados (fls. 3660-3669, 3670-3678, 3679-3687,
3688-3696, 4956, 4957, 5889-5900, 5955 e 9256 do IC).
As
contas do exercício financeiro 2009 foram rejeitadas
pelo Ministério Público (fls. 10073-10076 e 10096-10100 do IC).
E,
além de tudo isso, houve explícita deturpação da finalidade da instituição.
Instituir uma fundação é destinar um patrimônio para que sirva a uma finalidade
nobre. Uma fundação voltada ao ensino
deve ter por escopo o ensino. Aliás,
deve ter por escopo mais do que o ensino
e sim a constante busca pela excelência no
ensino. Mas essa finalidade foi
completamente deturpada pelo Conselho Diretor. A documentação encartada aos
autos (com destaque para as falas registradas em atas de reunião dos conselhos)
demonstra de modo inequívoco que o mote deixou de ser o ensino e passou a ser a captação
de alunos (fls. 4616-4617, 4620, 4628, 4641, 4645, 4663, 4618-4624,
4624-4639, 4642, 4639-4644 e 4644-4648 do IC).
Houve,
por conseguinte, pluralidade de atos
ilícitos civis por parte dos membros do Conselho Diretor, cujas condutas
geraram danos severos à instituição de ensino. Devem, pois, ser condenados solidariamente (solidariedade essa que
decorre da circunstância de que um havia aderido à conduta do outro, todos concorrendo para o resultado ilícito e se acobertando reciprocamente) a reparar todos
os danos apurados no caso.
Os
danos materiais em valores certos (todos relativos ao período não prescrito) consistem
em: (a) R$ 3.520.000,00 pela remuneração recebida pelos dirigentes; (b) R$
450.000,00 referentes a remunerações pagas aos funcionários fantasmas; (c) R$
11.739.000,00 em relação à devolução da remuneração e encargos recebidos pelos
familiares e apadrinhados; (d) R$ 80,00 em relação à devolução das despesas
pagas na fazenda do presidente do Conselho Diretor; (e) R$ 655.977,21
decorrentes das verbas recebidas indevidamente pelo filho do presidente do
Conselho Diretor; (f) R$ 2.212,00 referente a devolução do benefício indevido
do convênio médico do filho do presidente; e (g) R$ 10.367,00 de devolução do
benefício indevido do pagamento dos créditos consignados do filho do presidente.
Isso totaliza a quantia de R$ 15.972.636,21.
Há
também os danos materiais em quantias ainda não definidas em valor certo e que
correspondem a: (a) devolução do dinheiro emprestado a título dos contratos de
mútuo (com abatimento das quantias já devolvidas, pois do contrário haveria enriquecimento injusto); (b) devolução
de todos os encargos pagos às instituições financeiras nos empréstimos
bancários (juros moratórios, remuneratórios, correção monetária e outros
encargos financeiros), com exclusão do valor do principal recebido quando do empréstimo
(pois esses valores foram recebidos pela instituição); e (c) obrigação de
suportar o pagamento de todas as multas decorrentes de sonegação fiscal,
ressarcindo a instituição naqueles casos em que houver pagamento pela
instituição.
Não
incide a reparação pelo déficit decorrente da gestão dos réus, porquanto a
existência de déficit (na cifra de R$ 19.218.605,00) não significa que esse
valor tenha sido objeto de locupletamento ilícito pelos réus, sendo que o risco
de déficit é inerente a toda gestão administrativa.
Também
não incide indenização pelo valor equivalente ao patrimônio imobiliário que foi
comprometido com débitos fiscais (R$ 25.000.000,00), eis que o patrimônio
imobiliário ainda cabe à instituição (embora gravado) e os ônus que sobre eles
recaem decorrem de débitos fiscais que ocorreram e cujo pagamento é devido. Ademais,
como a parte relativa a débitos fiscais decorrentes de multas e sanções por
atos indevidos do Conselho Diretor já foi objeto de consideração nos itens
passíveis de indenização, a inclusão dos débitos novamente aqui neste ponto acarretaria
bis in idem.
Por
fim, resta apurar a existência de danos morais.
E
eles estão presentes.
Os
atos ilícitos praticados pelos membros do Conselho Diretor ao serem descobertos
repercutiram negativamente na imagem da instituição de ensino. O povo
Pinhalense e os estudantes (que já estavam cursando a instituição e os
potenciais estudantes que pensavam em nela ingressar) tiveram certeza do quadro
nefasto que se divisava e isso retirou a confiança que a instituição devia ter
em si depositada.
Também
chega a ser notório na Comarca de Espírito Santo do Pinhal que houve uma
diáspora de alunos, o que dificulta o reerguimento financeiro da instituição e
que também acabou por prejudicar diretamente os munícipes em razão de que
muitos comércios e hospedarias giravam em torno dos alunos que frequentavam a
instituição.
Todos
esses elementos traduzem abalo moral.
Desse modo, considerando que a fixação do valor
da reparação moral deve ser suficiente a recompensar os lesados (sem ser
irrisória e, ao mesmo tempo, sem se constituir em causa de enriquecimento
indevido), bem como sopesando no caso as condições econômicas dos réus, a
intensidade das ofensas (que foram múltiplas) e a suficiência para coibir a
reiteração de condutas semelhantes, reputo coerente a mensuração do valor para
reparação dos danos morais na quantia de R$ 20.000.000,00 (vinte milhões
de reais), que embora se apresente baixa se considerada a extensão dos danos, emana
como proporcional para conferir um mínimo de reparação ao caso.
3. Dispositivo:
Diante
do exposto, ao tempo em que confirmo a tutela liminar e extinguindo o processo
com resolução de mérito, julgo
parcialmente procedentes as pretensões iniciais para os efeitos de:
(a) Consolidar a destituição dos réus D1, D2 e D3 dos cargos junto ao
Conselho Diretor.
(b) Consolidar a destituição dos réus
C1, C2, C3, C4, C5, C6, C7, C8, C9, C10, C11, C12, C13, C14 e C15 dos cargos junto ao Conselho de Curadores.
(c) Condenar solidariamente os
réus D1, D2 e D3 ao
pagamento de reparação civil por danos materiais no valor certo de R$
15.972.636,21 (quinze milhões novecentos e setenta e dois mil seiscentos e
trinta e seis reais e vinte um centavos), a ser acrescido de correção monetária
pela Tabela Prática do Tribunal de Justiça e juros moratórios de 1% ao mês,
ambos contados a partir de cada ato ilícito.
(d) Condenar solidariamente os réus D1, D2 e D3 ao pagamento de
reparação civil por danos materiais em valor a ser liquidado, consistente na devolução
do dinheiro emprestado a título dos contratos de mútuo (com abatimento das
quantias já devolvidas), acrescido de correção monetária pela Tabela Prática do
Tribunal de Justiça e juros moratórios de 1% ao mês, ambos contados a partir de
cada ato ilícito.
(e) Condenar solidariamente os réus D1, D2 e D3 ao pagamento de
reparação civil por danos materiais em valor a ser liquidado, consistente na
devolução de todos os encargos pagos às instituições financeiras nos
empréstimos bancários (juros moratórios, remuneratórios, correção monetária e
outros encargos financeiros), com exclusão do valor do principal recebido
quando do empréstimo, acrescido de correção monetária pela Tabela Prática do Tribunal
de Justiça e juros moratórios de 1% ao mês, ambos contados a partir de cada ato
ilícito.
(f) Impor solidariamente aos réus D1, D2 e D3 a obrigação de
suportar o pagamento de todas as sanções decorrentes de autuações fiscais no
período em que estiveram à frente do Conselho Diretor, convertendo-se a
obrigação no ressarcimento à instituição naqueles casos em que houver pagamento
pela instituição (hipótese em que os juros de mora de 1% ao mês e a correção
monetária devem ser computados desde o desembolso pela instituição de ensino). E
(g) Condenar solidariamente os
réus D1, D2 e D3 ao
pagamento de reparação civil por danos morais no montante de R$ 20.000.000,00
(vinte milhões de reais), com correção monetária pela Tabela Prática do
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e juros moratórios de 1% (um por
cento) ao mês, ambos contados a partir da presente data (pois foi o momento em
que foi atribuída liquidez ao valor, já se considerando o tempo pelo qual
perdura a situação para a mensuração do montante).
Em
razão da sucumbência recíproca condeno os réus
C1, C2, C3, C4, C5, C6, C7, C8, C9, C10, C11, C12, C13, C14 e C15 ao
pagamento de um sexto das custas processuais, com a ressalva do artigo 12 da
Lei n. 1.060/50, pois a eles concedo os benefícios da justiça gratuita.
Também
em virtude da sucumbência recíproca, condeno os réus D1, D2 e D3 ao pagamento de dois sextos das
custas processuais. Indefiro a justiça gratuita a tais réus, pois ao longo de
décadas à frente da instituição de ensino tiveram a oportunidade de amealhar
patrimônio que lhes permita confortável situação financeira, pois recebiam
elevados salários e ainda beneficiavam financeiramente seus próprios familiares.
O
Ministério Público é isento de custas processuais.
Não
incidem honorários de sucumbência por se tratar de ação civil pública.
Considerando
que todos os cargos do Conselho de Curadores já se encontram definitivamente vagos,
independentemente do trânsito em julgado (pois houve renúncia aos cargos – fls.
211-212), amplio os efeitos da tutela liminar para o fim de autorizar a comissão interventiva a
providenciar a formação do Conselho de Curadores com novos membros.
Em
razão do poder geral de cautela,
tendo em vista que o direito vindicado pelo pólo ativo foi reconhecido em grande
extensão (tornando presente até mesmo mais do que verossimilhança, pois já
houve provimento em primeira instância) e que a ciência dos termos da presente
decisão naturalmente motivará os réus a tentar blindar o patrimônio que
porventura ainda tenham como forma de evitar excussão (se é que já não o
fizeram), com o intuito de assegurar ao menos parte do ressarcimento devido determino
o arresto dos bens (móveis, imóveis
e ativos financeiros) de D1, de D2 e de D3, até o limite de trinta e seis milhões de reais (pois
essa é aproximadamente a quantia em valores certos já verificada, além de que
na fase de execução hão de incidir as parcelas que ainda precisam de liquidação).
Assim, providencie-se o bloqueio de transferência de veículos em nome de
tais réus junto ao sistema RENAJUD. Providencie-se minuta de bloqueio de
ativos financeiros via BACENJUD. Providencie-se ofício ao Registro de
Imóveis para que seja registrado o arresto junto à matrícula de imóveis
porventura existentes em nome dos réus (devendo o senhor oficial registrador remeter
ao juízo cópia das respectivas matrículas com os arrestos registrados). Providencie-se
a inclusão de indisponibilidade de bens
junto ao sistema recentemente disponibilizado pela Corregedoria-Geral da
Justiça.
Expeçam-se ofícios dirigidos
aos processos mencionados nas listagens de fls. 4557 e 4561-4562 encaminhando
cópia da presente sentença, a fim de que os credores possam tomar ciência da
situação e requerer eventuais inclusões dos ex-diretores no pólo passivo de
execuções.
Por
fim, tendo em vista que no apenso de prestação de contas não há impugnação
substancial à gestão da comissão interventiva, estando o gerenciamento da
instituição de ensino em franco processo de recuperação de equilíbrio e sem
risco de descontinuidade, julgo boas as contas prestadas até o momento.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Espírito
Santo do Pinhal, autodata.
AYRTON VIDOLIN MARQUES JÚNIOR
Juiz Substituto
DOUTOR virei sua fã, adorei essa sentença, guardei até a página do jornal com a sentença..kkkk
ResponderExcluirHoje nós estávamos falando sobre isso na aula, gostaríamos de saber se tem jeito de bloquear os bens dos réus, para que eles não passem para laranjas, se sim a partir de qual momento isso pode ser feito???
Olá.
ResponderExcluirOs bens já foram bloqueados a partir da sentença, com o arresto (antepenúltimo parágrafo).
Mas eis um juiz positivamente muito a frente do seu tempo e que entrou para a história, marcando de forma indelével seus passos pelo fórum local, por ter sido o prolator da decisão mais corajosa e moralista de que a Mantiqueira Pinhalense teve notícia e certamente jamais olvidará.
ResponderExcluirSente-se honrado esse humilde subscritor por ter atuado como advogado de seu constituinte, ora APELANTE, no feito que resultou na mais emblemática e valorosa sentença já proferida na história judicial da pacata e interiorana Comarca da cidade de Espírito Santo do Pinhal;
Se o pleito contido na inicial da AÇÃO CIVIL PÚBLICA proposta pelo “Parquet” bandeirante já impressionava pela envergadura da condenação almejada, qual seja, a quantia total de R$ 267.213.000,00 (duzentos e sessenta e sete milhões e duzentos e treze mil reais), referido valor se mostrava até mesmo de somenos importância diante dos escopos morais perseguidos;
Com efeito, a revelação das ilegalidades e fraudes que se passavam sob o embuste do objeto educacional da FUNDAÇÃO PINHALENSE DE ENSINO, a beneficiar um “grupelho” de aproveitadores que sangraram a instituição de ensino por várias décadas, provocou o resgate da moralidade e a credulidade na justiça;
PILANTROPIA!
Assistir pessoas que cultivaram a arrogância e a prepotência, ainda que sob as sombras falaciosas dos embustes, ameaças e ardis, julgando-se acima das leis e da Justiça que as aplica, “não tem preço”;
Por isso, “renovada venia”, fez história o jovem juiz substituto prolator da sentença ao demonstrar que a toga que lhe vestiu o Estado tem costuras de capacidade e coragem, resplandecendo a imagem límpida do Poder Judiciário.
Entrementes, de se consignar – malgrado o apelo que se deduzirá na sequência – que em nada se deixou melindrar o jovem magistrado, seja pelas milhares de laudas e documentos ou por possíveis pressões externas, proferindo sentença absolutamente técnica, escorada na mais categórica e segura prova dos autos, com uma clareza franciscana, como se estivesse a julgar a mais simples e corriqueira das lides do cotidiano forense de Caio contra Tício;