9 de julho de 2011

Ainda Drummond...

Copiei o Bruno e usei a citação dele...                                    ...e também a do Hélio Tornaghi...   rsrsrsrs





2ª Vara Judicial da Comarca de Registro
Autos nº 270/2009
Autor:                      Ministério Público do Estado de São Paulo
Denunciado:            E

S  E  N  T  E  N  Ç  A

Vistos, etc.
1. Relatório:
O Ministério Público do Estado de São Paulo denunciou E por crime de furto qualificado pela escalada e pelo rompimento de obstáculo ocorrido em 28 de abril de 2009 (fls. 1D-2D).
A denúncia foi recebida em 18 de fevereiro de 2010 (fl. 65).
Depois de apresentada a defesa (fls. 73-74) e não sendo caso de absolvição sumária (fl. 75), em instrução foram inquiridas duas testemunhas comuns (fls. 85 e 86) e uma de defesa (fl. 87), realizando-se, ao final, o interrogatório (fl. 88).
Em alegações finais a acusação deduziu pedido condenatório (fls. 93-99). A defesa requereu a absolvição por insuficiência de provas (fls. 102-103).
É o relatório. Decido.
2. Fundamentação:
Efetivamente existiu um crime de furto qualificado pela escalada e pelo rompimento de obstáculo, conforme se infere do auto de avaliação indireta (fls. 26-28), do laudo de local de crime (fls. 51-53) e das informações da vítima (fl. 85).
Todavia, quanto à autoria está presente dúvida razoável em patamar suficiente a tornar necessária a solução absolutória.
O acusado sempre negou a prática delitiva, tanto na fase policial (fl. 7) quanto em juízo (fl. 88). Apesar de já contar com 33 anos de idade, não ostenta histórico de envolvimento em crimes patrimoniais; seu único apontamento criminal (por porte de droga para consumo próprio) remonta há mais de 10 anos e, ainda, restou absolvido naquela oportunidade (fl. 91). Nenhum dos bens subtraídos foi encontrado em poder dele. A testemunha de defesa (fl. 87) assegurou que o réu não tinha muda de roupa na obra em que trabalhava e corroborou que ele trabalhava no período da tarde a partir do meio-dia (enquanto que o horário do crime teria sido por volta das 13h50min, conforme relatou P – fl. 86).
O único elemento de convicção em detrimento do acusado consiste no reconhecimento que P fez com relação ao perfil e à bermuda que seria trajada pelo furtador. Porém, não foi reconhecimento firme e seguro a ponto de tornar certa a autoria. A testemunha narrou que ficou com medo de olhar no rosto do furtador e não disse que o reconhecimento era certo, mas, sim, por semelhança, pois relatou que “o perfil era muito parecido” (fl. 86). Aliás, a própria testemunha reconheceu que está existente dúvida, na medida em que afirmou que “pode estar enganada, mas era bem parecido”. Não bastasse, o perfil do acusado é comum a grande parcela do povo brasileiro, bastando observar a fotografia de fl. 11 para se perceber a inexistência características excepcionais.
Hélio Tornaghi lecionou que há situações nas quais o reconhecimento deve ser examinado com cautela, seja pelo “sentimento do já visto”, pela “influência da sugestão”, havendo hipóteses em que “erros decorrem de fatores externos, ou internos da convergência de uns e outros. Entre os externos figuram as más condições ambientais para uma observação segura: o escuro, a distância, a velocidade etc. Entre os segundos: a desatenção, o estado emocional, a paixão etc. Entre os últimos o mais importante é o tempo transcorrido entre a observação do fato e o reconhecimento. A principal causa de erro, a mais frequente, é a semelhança entre pessoas” (Curso de Processo Penal. v. 1, 3 ed., Saraiva, p. 437). Transportando o ensinamento para o presente caso, não se pode olvidar que as características físicas do réu são comuns e que a testemunha, segundo ela própria narrou, estava sob a influência do medo quando avistou o furtador, tendo efetuado o reconhecimento por semelhança e não por certeza.
Enfim, o que se tem nos autos é o alcance de um pedaço da verdade: uma bermuda e um perfil. Mas não se sabe o restante da verdade, ou seja, se a bermuda e o perfil do furtador eram efetivamente os mesmos do acusado. Nas palavras do poeta:    
VERDADE


A porta da verdade estava aberta,
mas só deixava passar
meia pessoa de cada vez.


Assim não era possível atingir toda a verdade,
porque a meia pessoa que entrava
só trazia o perfil de meia verdade.
E sua segunda metade
voltava igualmente com meio perfil.
E os meios perfis não coincidiam.
Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta.
Chegaram ao lugar luminoso
onde a verdade esplendia seus fogos.
Era dividida em metades
diferentes uma da outra.
Chegou-se a discutir qual a metade mais bela.
Nenhuma das duas era totalmente bela.
E carecia optar. Cada um optou conforme
seu capricho, sua ilusão, sua miopia.
Carlos Drummond de Andrade
(Poesia Completa. Nova Aguilar, p. 1240)
Destarte, reputo haver dúvida razoável no que tange à autoria. Logo, não reconstituída quantum satis a verdade material, a solução absolutória é medida de rigor.  
3. Dispositivo:
Diante do exposto, e com fundamento no art. 386, inciso VII, do Código de Processo Penal, julgo improcedente a pretensão punitiva consubstanciada na denúncia para o fim de ABSOLVER o acusado E.
Sem custas, em razão da absolvição.
Em observância ao item 22, “d”, do Capítulo V das Normas de Serviço da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de São Paulo, e com a qualificação completa do sentenciado, comunique-se o desfecho da ação penal ao serviço distribuidor e ao Instituto de Identificação Ricardo Gumbleton Daunt.
Oportunamente expeça-se certidão de honorários em prol da ilustre advogada que atuou no feito em função do convênio da assistência judiciária.
Após tudo cumprido, arquive-se o feito.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Cumpra-se.
Registro, data.

AYRTON VIDOLIN MARQUES JÚNIOR
Juiz Substituto

5 comentários:

  1. Tuas postagens estão sendo salvas no meu caderninho.

    Adoro aqui.

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  2. Obrigado! Que bom que alguém além de mim lê o blog... rsrsrsrs

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  3. hahaha..’bobo’

    Certamente muitos lêem.

    E não seja pretensioso demais. Você mal começou. (risos) Dê tempo ao tempo. Precisam conhecer aqui. Logo estará sendo cobrado para postar...

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  4. PS: É que eu falo demais mesmo...
    Raramente os leitores deixam comentários.

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