20 de julho de 2011

Identidade na semelhança



Juizado Especial Criminal da Comarca de Dracena
Processo n° 500/09

SENTENÇA:
Dispensado o relatório, nos termos da Lei nº 9.099/95.
Fundamento e decido.
A absolvição do acusado se impõe.
A vítima diz ter reconhecido a pessoa que a espiava “pelos olhos”.
Aí já reside a fragilidade da prova acusatória: não sendo pessoas íntimas, como dito pela própria vítima, torna-se incrível tenha ela reconhecido seu vizinho apenas por tais órgãos.
Demais disso, trata-se de pessoa que padece de miopia, incapaz sequer de visualizar este Magistrado – grande, gordo e alto – com perfeição. Disse que me vê de forma embaçada, sem os óculos. E isso a uma distância de menos de dois metros.
Assim, no chuveiro, com vapor e sem os óculos, torna-se mais incrível ainda tenha ela visto de modo tão expressivo os olhos – a ponto de reconhecer seu dono.
Não se quer, com isso, dizer que a vítima mente. Todavia, pode ter se confundido, a ponto de ver identidade na semelhança.
Como o reconhecimento pessoal baseia-se na mais precária de todas as fontes, qual seja, a lembrança humana, com todas as suas nuances, precariedades e imperfeições, deve ser tomado com muito cuidado ao ser a única prova a embasar uma condenação penal.
A esse respeito, ensina Fernando da Costa Tourinho Filho, in verbis:
“O reconhecimento é, de todas as provas, a mais falha, a mais precária. A ação do tempo, o disfarce, más condições de observação, erros por semelhança, a vontade de se reconhecer, tudo, absolutamente tudo, torna o reconhecimento uma prova altamente precária. Não se deve olvidar que Penélope, a esposa de Ulisses, não o reconheceu após alguns anos de ausência. Foi preciso revelasse ele um fato bem íntimo: a confecção da cama do casal...” (in “Processo Penal”, vol. 3, ed. Saraiva, 7a. ed., p. 292).
E arremata o mestre Hélio Tornaghi:
“O estudo psicológico do mecanismo de reconhecimento revelou que, antes mesmo de ser um ato intelectual de identificação, é ele um fenômeno afetivo, consistente na impressão de familiaridade com o objeto (pessoa ou coisa) reconhecido. Afirmar: reconheço no sujeito que me é mostrado o Sr. Fulano de tal, significa dizer: ele me é familiar, não me é estranho, já o vi. Daí o perigo de o reconhecimento ser apenas uma paramnésia, um distúrbio da memória, que toma o imaginário pelo real (esse defeito é conhecido como sentimento do já visto). (...)
  Acrescente-se a influência da sugestão, originadora de muitos equívocos, neste campo.
  Seja como for, muitas são as causas dos falsos reconhecimentos e é necessário lançar mão das cautelas necessárias para eliminá-las, tanto quanto possível. Tais erros decorrem de fatores externos, ou internos da convergência de uns e outros. Entre os externos figuram as más condições ambientais para uma observação segura: o escuro, a distância, a velocidade etc. Entre os segundos: a desatenção, o estado emocional, a paixão etc. Entre os últimos o mais importante é o tempo transcorrido entre a observação do fato e o reconhecimento.
  A principal causa de erro, a mais freqüente, é a semelhança entre pessoas.(...)” (in “Curso de Processo Penal”, vol. 1, 3a. ed., ed. Saraiva, pág. 437. Destaquei.).
E não há outras provas: um muro, um objeto que nem escada é, o silêncio do acusado no momento em que foi acusado. Tudo isso é deveras circunstancial. Nada definitivo.
Nesses termos, um édito condenatório seria de suma irresponsabilidade.
Pelo exposto, JULGO IMPROCEDENTE a pretensão aduzida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, razão pela qual ABSOLVO R da acusação de infração ao art. 65 da Lei das Contravenções Penais, com fundamento no art. 386, VII, do CPP.
Não há custas.
Comunique-se a Delegacia de origem e o IIRGD.
Dracena, 25 de fevereiro de 2010
Bruno Machado Miano
Juiz de Direito

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