19 de julho de 2011

Cidadania: transporte aéreo para tratamento de criança


Autor(es): R
Réu(s): FAZENDA PÚBLICA DO MUNICÍPIO DE X
Processo: 541.01.2011.00994-3/000000-000
Número de ordem: 01.01.2011/000140
Natureza: “AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER COM PEDIDO LIMINAR”



Vistos



Capítulo I – Do relatório.
R ingressou com a presente “AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER COM PEDIDO LIMINAR” em face de FAZENDA PÚBLICA DO MUNICÍPIO DE X, estando todas as partes qualificadas.
A parte autora pede fornecimento de passagens aéreas, trimestralmente, com destino à cidade Brasília, para tratamento no Hospital Sarah Kubitschek. Pugnou pela concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita. Juntou documentos.
A ré deixou transcorrer em branco o prazo pra contestar.

Capítulo II – Da motivação.
O julgamento antecipado está autorizado, nos termos do artigo 330, inciso I, do CPC, sendo inócuo e despiciendo produzir demais provas em audiência ou fora dela. Sabe-se que é permitido ao julgador apreciá-las livremente, seguindo impressões pessoais e utilizando-se de sua capacidade intelectual, tudo em conformidade com o princípio do livre convencimento motivado ou da persuasão racional, norteador do sistema processual brasileiro. Reconheço presentes os pressupostos processuais de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo.
Pois bem, passo ao mérito.
A Constituição Federal, em seu artigo 1º, inciso III, dispõe como um de seus fundamentos, a dignidade da pessoa humana, nos seguintes termos:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
(...) III - a dignidade da pessoa humana; (...)
A referida Constituição Federal dispõe, ainda, que:
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: (...)
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
Por fim, o artigo 196, da Constituição Federal prevê:

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Por outro lado, na concretização destas normas em face da realidade social e econômica que vivemos, conjugada com os princípios da universalidade, da integralidade e da gratuidade que informam o Sistema Único de Saúde, é preciso cuidar para que:
(...) - eventual provimento judicial concessivo de medicamento acabe, involuntariamente, prejudicando a saúde do cidadão cujo direito se quer proteger, em contrariedade completa com o princípio bioético da beneficência, cujo conteúdo informa o direito à saúde; - eventual concessão não cause danos e prejuízos relevantes para o funcionamento do serviço público de saúde, o que pode vir em detrimento do direito à saúde de outros cidadãos; - não haja prevalência desproporcional do direito à saúde de um indivíduo sobre os princípios constitucionais da competência orçamentária do legislador e das atribuições administrativas do Poder Executivo, em contrariedade ao princípio da concordância prática na concorrência de direitos fundamentais. (...) (TRF4, AG 2009.04.00.020028-4, Terceira Turma, Relator Roger Raupp Rios, D.E. 30/07/2009).
O presente caso não se amolda no do respeitável julgado citado. A Portaria/SAS/Nº 055 de 24 de fevereiro de 1999 dispõe sobre a rotina do Tratamento Fora do Domicílio (TFD) no Sistema Único de Saúde com inclusão dos procedimentos específicos na tabela do SIA/SUS, in verbis:
Art. 1º - Estabelecer que as despesas relativas ao deslocamento de usuários do Sistema Único de Saúde SUS para tratamento fora do município de residência possam ser cobradas por intermédio do Sistema de Informações Ambulatoriais SIA/SUS, observado o teto financeiro definido para cada município/estado.
§ 1º - O pagamento das despesas relativas ao deslocamento em TFD só será permitido quando esgotados todos os meios de tratamento no próprio município.
§ 2º - O TFD será concedido, exclusivamente, a pacientes atendidos na rede pública ou conveniada/contratada do SUS.
§ 3º - Fica vedada a autorização de TFD para acesso de pacientes a outro município para tratamentos que utilizem procedimentos assistenciais contidos no Piso da Atenção Básica PAB.
§ 4º- Fica vedado o pagamento de diárias a pacientes encaminhados por meio de TFD que permaneçam hospitalizados no município de referência.
§ 5º - Fica vedado o pagamento de TFD em deslocamentos menores do que 50 Km de distância e em regiões metropolitanas.
Art. 2º - O TFD só será autorizado quando houver garantia de atendimento no município de referência, com horário e data definido previamente.
Art. 3º - A referência de pacientes a serem atendidos pelo TFD deve ser explicitada na PPI de cada município.
Art. 4º - As despesas permitidas pelo TFD são aquelas relativas a transporte aéreo, terrestre e fluvial; diárias para alimentação e pernoite para paciente e acompanhante, devendo ser autorizadas de acordo com a disponibilidade orçamentária do município/estado.
§ 1º A autorização de transporte aéreo para pacientes/acompanhantes será precedida de rigorosa análise dos gestores do SUS.
Ora, não é preciso nenhum estudo mais complexo para se chegar à conclusão de que o singelo município de X não possui estrutura para tratar da discriminada doença (fls. 12), a respeito da qual, no próprio site do hospital, se esclarece o seguinte:

Uma criança com amioplasia lembra uma marionete de madeira. Os membros podem estar fixados em qualquer posição, mas as deformidades mais freqüentemente observadas são: ombros rodados internamente e aduzidos, cotovelos fixos em extensão, punhos e dedos fletidos e pés tortos (http://www.sarah.br/paginas/doencas/po/p_12_artrogripose.htm).
Leia-se, preenchidos os requisitos da Portaria/SAS/Nº 055 de 24 de fevereiro de 1999, a procedência é de rigor.

Capítulo III – Do dispositivo.
Posto isso e considerando o mais que dos autos consta, JULGO PROCEDENTES os pedidos que R moveu contra a FAZENDA PÚBLICA DO MUNICÍPIO DE X, de modo a CONDENAR a ré a fornecer à parte autora e sua genitora (ou alguém que lhe substitua) passagens aéreas de ida e volta que lhe proporcionem tratamento no discriminado Hospital Sarah Kubitschek ao longo de todo seu tratamento. Em consequência, JULGO EXTINTO o presente feito, com resolução de mérito e fundamento no artigo 269, inciso I, do Código de Processo Civil, dando por finalizada a fase de conhecimento.
Como ficou prejudicada a respeitável decisão de fls. 17/18, concedo em sentença nova antecipação dos efeitos da tutela pra que a supracitada obrigação esteja, desde já, imposta. A ré deverá providenciar as passagens mediante pedido de representante da autora junto à própria prefeitura, com antecedência razoável antes da data aprazada para cada sessão de tratamento. Oficie-se à ré. Em caso de comunicado descumprimento, será analisada, em sede de cumprimento provisório ou definitivo de sentença, a imposição de multa diária e determinação de instauração de inquérito policial por eventual crime.
A ré, em razão do disposto nas Leis Estaduais n° 4.592/85 e n° 11.608/03, está isenta do pagamento de custas. Entretanto, sucumbente arcará com o pagamento dos honorários advocatícios, arbitrados estes, por equidade, em R$ 500,00 (quinhentos reais), sobre os quais incidirão correção e juros legais. Tudo em vista do grau de zelo, do lugar de prestação do serviço, da natureza e importância da causa, do trabalho realizado pelo(s) procurador(es) da parte vencedora e do tempo exigido, ex vi do § 4º do art. 20 do CPC.
Fixo os honorários advocatícios no correspondente máximo do item respectivo da tabela do convênio OAB – Defensoria ao(s) procurador(es) nomeado(s). Expeçam-se certidão(ões) com o trânsito em julgado.
Como não é possível determinar se o valor da controvérsia recursal é inferior a sessenta salários mínimos (art. 475, § 2º do CPC), decorrido o prazo legal para a apresentação de eventuais recursos voluntários, remetam-se os autos à superior apreciação do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Seção de Direito Público), para o reexame necessário. Nesse sentido: STJ - EREsp 934642/PR, Rel. Min. Ari Pargendler, julgado em 30-06-2009.
P.R.I.C.
Santa Fé do Sul, 15 de julho de 2011.

RENATO SOARES DE MELO FILHO
       Juiz Substituto

4 comentários:

  1. Fico realmente maravilhada com as sentenças que vc publica aqui no blog...como sou estagiária do MP, vejo muitas questões sobre o abandono material e, principalemnte, moral de idosos...então, se algum dia vc tiver acesso à alguma "sentença criativa" (ou sentenciar) sobre, por favor publique no blog...

    Obrigada...

    Taís.

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  2. Taís
    Tenho algumas decisões que envolvem idosos direta ou indiretamente e vou coletar mais decisões com outros amigos.
    Em 21.7 sairá publicada sentença que geralmente uso em casos de interdição, dispensando o exame pericial e abreviando o procedimento.
    Em 23.7 terá uma decisão sobre vagas em creches.
    Os posts já estão programados até 28.7, mas a partir de 29.7 vou colocar uma pequena coletânea das decisões que envolvem idosos.
    Espero que vc goste e espero tb que lhe sejam úteis na sua área de atuação.
    Grande abraço,
    Ayrton

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  3. Parabéns pelo Blog.
    Ótimas as sentenças publicadas, podendo levar a conhecimento de todos, principalmente da sociedade de um mode geral!
    Já estou seguindo ;)

    Lucimara
    http://advogadalucimara.blogspot.com/

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  4. Obrigadinha pela atenção...vou acompanhar os posts...
    :)

    Abraço...

    Taís.

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