22 de julho de 2011

Caridade só é caridade se feita com o que é próprio!


Excerto de sentença do juiz Bruno Machado Miano (autos n. 1827/2003 da 2a Vara de Dracena) em que aborda a impossibilidade de se fazer caridade com o dinheiro de outrem.



              ...não pode o Magistrado agir ao arrepio da lei, por compaixão.
            Milan Kundera, em seu ‘A insustentável leveza do ser’, bem define esse sentimento, tão distante da imparcialidade:
“Todas as línguas derivadas do latim formam a palavra ‘compaixão’ com o prefixo com – e a raiz passio, que originariamente significa ‘sofrimento’. Em outras línguas, por exemplo em tcheco, em polonês, em alemão, em sueco, essa palavra se traduz por um substantivo formado com um prefixo equivalente seguido da palavra ‘sentimento’ (em tcheco: soucit; em polonês: wspol-czucie; em alemão: Mitgefühl; em sueco: med-känsla).
Nas línguas derivadas do latim, a palavra compaixão significa que não se pode olhar o sofrimento do próximo com o coração frio, em outras palavras: sentimos simpatia por quem sofre. (...)” (ob. cit., Record/Altaya, p. 25)
E em que pese a simpatia nutrida por aqueles vitimados por tão terrível acidente, decorrente de natural compaixão – posto que todos somos humanos – não é lícito ao Juiz agir imbuído apenas desse sentimento.
Do Poder Judiciário não se espera outra coisa senão Justiça. Sempre presentes as palavras de Goffredo Telles Júnior, que em sua alta sabedoria, vaticina:
“Ah, a caridade! A caridade é, sem dúvida, virtude mais alta do que a da justiça.
Acontece, porém, que a justiça é mais urgente do que a caridade.
Primeiro, a justiça: dê-se aos outros o que lhes pertence. Isto é fundamental. Depois, se se quiser e se houver com quê, faça-se a caridade.
Pode haver justiça sem caridade, mas não há caridade contra a justiça. E é ato de injustiça dar a alguém o que é devido a outro. Tal ato, em verdade, não pode ser tido como ato de caridade, porque, evidentemente, uma pessoa só pode fazer caridade com o que é seu. Não pratica ato de caridade quem dá a alguém o que pertence a terceiro.
O juiz que quiser praticar a caridade poderá fazê-lo, sim, mas só poderá fazê-lo com o que é seu, com o que é de sua propriedade pessoal. Pode fazê-lo, mas fora dos autos.
Que esdrúxula caridade é essa praticada pelo juiz do Direito Alternativo! Que caridade é essa, feita pelo juiz com o que não pertence ao juiz? Não se pode fazer caridade com o que é dos outros. Que caridade é essa, com dano de terceiros?” (‘Estudos’, ed. Juarez de Oliveira, p. 192)
                  Dessa forma, conquanto se compreenda a dor sentida pelos autores, fruto da ausência abrupta de uma pessoa querida, não é possível dar-lhes mais do que aquilo que, livre e conscientemente, já aceitaram dos réus, em razão do acidente...

Nenhum comentário:

Postar um comentário