8 de julho de 2011

Drummond...


Comarca de Dracena
2ª Vara Judicial – Ofício Criminal
Processo n° 002/05

 

VISTOS.

VERDADE

A porta da verdade estava aberta,
mas só deixava passar
meia pessoa de cada vez.
 
Assim não era possível atingir toda a verdade,
porque a meia pessoa que entrava
só trazia o perfil de meia verdade.
E sua segunda metade
voltava igualmente com meio perfil.
E os meios perfis não coincidiam.

Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta.
Chegaram ao lugar luminoso
onde a verdade esplendia seus fogos.
Era dividida em metades
diferentes uma da outra.

Chegou-se a discutir qual a metade mais bela.
Nenhuma das duas era totalmente bela.
E carecia optar. Cada um optou conforme
seu capricho, sua ilusão, sua miopia.”

Carlos Drummond de Andrade
(in ‘Poesia Completa’, Nova Aguilar, p. 1240)

                                   D foi denunciado como incurso nos artigos 12, caput, 18, III, e 14 da Lei nº 6.368/76, bem como nos artigos 304 e 297, ambos do Código Penal.
T foi denunciada como incursa nos artigos 12, caput, 18, III, e 14 da Lei n° 6.368/76.
S foi denunciada como incursa nos artigos 12, § 2°, inciso II e 14, ambos da Lei n° 6.368/76.
No dia 31 de dezembro de 2.004, por volta das 12:30 horas, na estrada XXXX, em Dracena, S e T, previamente ajustados, agindo em unidade de desígnios e comunhão de propósitos, estariam trazendo consigo e transportando, para a finalidade de entrega a terceiros, 357,2 g de Cannabis sativa L (vulgarmente conhecida como maconha), numa motocicleta Honda CG-150/Titan, placas XXXX, pertencente a D. A droga estava dividida em três porções, com peso líquido de 195,5 g, 63,7 g e 98 g cada uma, todas envoltas em sacolas plásticas, sem que os denunciados possuíssem autorização, estando em desacordo com determinação legal e regulamentar.
Segundo a denúncia, uma viatura da Polícia Militar trafegava pela vicinal, em operação de rotina, quando se deparou, nas proximidades da ‘Pousada XXXX’, com os denunciados, que trafegavam com sobredita motocicleta Honda, conduzida por D e tendo à garupa T.
Ao verem a viatura, sem qualquer razão para tanto, D e T adentraram uma via de terra, despertando a atenção dos policiais, que passaram a persegui-los, instante em que a ré, do interior de sua bolsa, retirou uma sacola plástica e a arremessou nas margens da via que estavam.
Uma vez alcançados, a sacola plástica foi a seguir recolhida, quando se apurou que envolvia outros três embrulhos plásticos, cada um contendo certa quantidade do entorpecente Cannabis sativa L (maconha), com peso líquido de 195,5g, 63,7g e 98g, sendo que nas condições não dispunham de autorização, estando em desacordo com determinação legal e regulamentar.
Ainda segundo a denúncia, em decorrência da autuação de D por estar servindo à guarda e ao transporte de considerável quantidade de substância entorpecente, indicando a traficância, foram-lhe solicitados documentos pessoais, habilitação para conduzir veículos automotores e aqueles relacionados ao veículo conduzido, oportunidade em que o réu exibiu falsa Carteira Nacional de Habilitação, consistente numa cópia de outro documento, com nítidos traços de montagem.
Também consta da denúncia que S, nos meses de novembro e dezembro de 2.004, consentiu para que D, T e a inimputável E utilizassem sua residência, localizada na rua XXXX, para guarda, depósito e posterior entrega de Cannabis sativa L a terceiros.
Alega o Ministério Público que em junho de 2.004 S locou esse imóvel, para onde se mudou com sua filha, exercendo posse direta sobre o mesmo. Na qualidade de locatária, permitiu que D, T e E, nos meses de novembro e dezembro, dele se utilizassem conforme acima descrito.
Para o DD. Promotor de Justiça, corrobora sua acusação o fato de D e T, ao serem surpreendidos no dia 31 de dezembro de 2.004 com 357 gramas de maconha, terem indicado como endereço sobredita residência e, quando a polícia para lá se dirigiu, a inimputável E ter atirado sobre o telhado de uma residência vizinha duas porções do mesmo entorpecente (Cannabis sativa L), com massas de 106,7g e 42,5g que guardava e mantinha em depósito na casa em questão, além de duas outras porções que estavam em seus pertences, nas quantidades de 0,7g e 0,5g, tudo sem possuir autorização, fazendo-o em desacordo com determinação legal e regulamentar.
Finalmente, segundo o Ministério Público, S alugou o imóvel em junho de 2.004 para visitar seu companheiro, preso na penitenciária de Junqueirópolis. Entretanto, em novembro e dezembro do mesmo ano, associou-se a D, T e à inimputável E para a realização das condutas descritas no artigo 12 da Lei n° 6.368/76, pois valeram-se da casa para guardar e ter em depósito maconha, destinada à entrega para consumo de terceiros, sem que tivessem autorização, estando em desacordo com determinação legal e regulamentar.
Eis uma suma da denúncia (fls. 2/7).
Com a inicial acusatória vieram os autos do inquérito policial, dos quais destaco as seguintes peças: autos de prisão em flagrante (fls. 9/17) e de exibição e apreensão (fls. 31, 33/34 e 71) e dois laudos de constatação provisória (fls. 27/30).
Recebimento da denúncia a fls. 138.
Foi acostado a este caderno processual o exame químico-toxicológico (fls.  155/157).
Citados, ocorreram os interrogatórios de D (fls. 158), S (fls. 171/174) e T (fls. 175/178).
Vieram aos autos as defesas prévias de D (fls. 181/190), T (fls. 194) e S (fls. 197/206).
Em decisão encartada a fls. 210/212, foram afastadas as preliminares argüidas, mantendo-se o rito da Lei n° 6.368/76 e determinando-se a instalação de exame de dependência toxicológica da co-ré T.
Após ser submetida aos exames, foi elaborado o laudo de dependência toxicológica de T, acostado a fls. 21/24 do quinto apenso a este caderno.
Em audiência de instrução, debates e julgamento, foram ouvidas três testemunhas arroladas pela acusação (fls. 237/245, 246/253 e 254/259), uma testemunha em comum (fls. 260/266), e quatro testemunhas arroladas pela defesa (fls. 267/271, 272/275, 276/279, 280/285, 286/289).
Por precatória, foi ouvida uma testemunha da co-ré T (fls. 314).
Vieram aos autos os memoriais das partes.
Pelo Ministério Público foi requerida a procedência parcial de sua pretensão, com a condenação de D e T pelos delitos tipificados nos artigos 12, caput, e 18, ambos da Lei n° 6.368/76. No mais, postulou pela absolvição de D da imputação de uso de documento falso, bem como pela associação capitaneada no artigo 14 da Lei de Tóxicos, eis que o vínculo associativo entre os três réus não restou demonstrado. Pela mesma razão, requereu a absolvição de T dessa forma de associação criminosa. Finalmente, postulou pela improcedência de todas as imputações feitas à co-ré S (fls. 330/341).
Pela Defesa de D e S foi alegada a inexistência de prova robusta, certa e firme, exigida pela doutrina e pela jurisprudência para uma condenação, pois restou demonstrado que D não tinha conhecimento da existência do entorpecente que estava sendo transportado, fato esse afirmado por S, por T e pelos policiais. As pequenas contradições existentes partem dos policiais, os quais têm sempre interesse na causa; ademais, são ínfimas e favorecem o denunciado. Formulou ainda robustas considerações acerca da inocência do acusado das imputações dos crimes tipificados nos artigos 14 da Lei n° 6.368/76 e 304 do Código Penal. Quanto à S, em síntese, alega seu desconhecimento da presença de entorpecentes no interior de sua residência, bem como fragilidade do material probatório (fls. 348/407). Foram juntados novos documentos (fls. 408/416).
Pela Defesa de T foi alegado: a) a ré é primária; b) desde os treze anos de idade é usuária de substância entorpecente, sendo de rigor a aplicação de tratamento ambulatorial; c) o móvel de sua ação foi a ânsia do consumo da droga; d) a ré não deve ser considerada criminosa, mas sim portadora de transtorno psíquico; e) a acusação de tráfico escora-se apenas na quantidade de droga encontrada e, havendo dúvida quanto à destinação da droga, o crime deve ser aquele tipificado no artigo 16 da Lei n° 6.368/76; e f) a ré merece pena mínima, com a desconsideração da majorante prevista no artigo 18, III, da Lei n° 6.368/76 (fls. 420/426).
Foi o julgamento convertido em diligência, consistente na vista ao Ministério Público dos documentos acrescidos pela Defesa dos co-réus D e S. No mesmo passo, foi relaxado o flagrante de S, com a expedição de alvará de soltura (fls. 427 e 431).
O Ministério Público reiterou seus memoriais (fls. 432).
É o relatório.
DECIDO.
A pretensão punitiva estatal é parcialmente procedente.
Quanto ao delito tipificado no artigo 12, caput, da Lei n° 6.368/76, a materialidade é certa, exsurgindo dos laudos de constatação provisória acostados a fls. 27/30, bem como do exame químico-toxicológico encartado a fls. 155/157, todos positivos para Cannabis sativa L, substância entorpecente causadora de dependência física e psíquica.
Por outra, a autoria de T restou incontroversa uma vez encerrada a instrução processual.
Mantendo-se silente na fase inquisitiva, em Juízo T afirmou:
“Estava precisando de dinheiro e como é usuária de maconha conseguiu ser contratada para transportar as porções de maconha de Dracena até Junqueirópolis. (...) Receberia por isso R$200,00. (...) Nos pertences da interroganda havia um estojo de perfume, sendo que nesse estojo havia duas trouxinhas de maconha destinada ao uso da interroganda. Quer acrescentar que fez esse ato porque precisava de dinheiro para sustentar seu vício e também para permanecer na cidade. (...) Quando os policiais os abordaram, D reduziu a velocidade normalmente e embora tenha sido algemado agiu com normalidade, porque a interroganda imediatamente assumiu a propriedade do entorpecente e disse que D era motoboy.” (fls. 176/178, sic)
Vale dizer: T confessou estar transportando os 357,2 gramas de maconha com a finalidade de entrega a consumo de terceiros, tendo praticado esse ato sem a participação de D ou de S.
Por óbvio, referida confissão, proferida em Juízo, na presença de seus três defensores (um deles atuando como curador), incólume de quaisquer máculas ou imperfeições, tem valor probante incontrastável.
Nesse sentido, são aplicáveis à espécie os seguintes julgados, verbis:
“A confissão judicial livre, espontânea e não posta em dúvida por qualquer elemento dos autos autoriza a condenação do acusado, mormente se amparada no conjunto probatório.” (TACRIM-SP – AP – Rel. Penteado Navarro – RJD 15/47)
“A confissão judicial constitui elemento seguríssimo de convicção. Apenas especialíssima e incomum circunstância que lhe evidencia a insinceridade justifica sua recusa.” (TACRIM-SP – AP – Rel. Walter Tintori – RJD 12/112)
Não bastasse referida confissão, a procedência da acusação no tocante a T esteia-se, também, nos demais elementos de prova coligidos durante a instrução processual.
O policial militar V afirmou ter visto quando T, na garupa da moto dirigida por D, jogou a sacola dentro da qual estavam guardados os entorpecentes, divididos em duas porções. E já no momento da abordagem a co-ré “Falou que estava levando em um orelhão em Junqueirópolis para alguém” (fls. 239, sic).
No mesmo sentido foi o testemunho prestado pelo policial militar R, segundo quem “A moça falou que ia levar para Junqueirópolis” (fls. 248, sic, referindo-se à maconha).
Aos policiais basta asseverar o que viram e fizeram, devidamente compromissados em Juízo, cientes do dever de dizer a verdade e de todas as implicações decorrentes da quebra desse compromisso, para que o juiz possa reputar válidos seus depoimentos, mormente inexistindo, como no caso em voga, qualquer elemento concreto de suspeição dos agentes da lei, pois a própria ré afirmou desconhecê-los antes dos fatos.
Acerca da validade dos depoimentos de policiais, ensina nossa jurisprudência, verbis:
“O valor do depoimento testemunhal de servidores policiais – especialmente quando prestado em juízo, sob a garantia do contraditório – reveste-se de inquestionável eficácia probatória, não se podendo desqualificá-lo pelo só fato de emanar de agentes estatais incumbidos, por dever de ofício, da repressão penal. O depoimento testemunhal do agente policial somente não terá valor quando se evidenciar que esse servidor do Estado, por revelar interesse particular na investigação policial, age facciosamente, ou quando se demonstrar – tal como ocorre com as demais testemunhas – que as suas declarações não encontram suporte e nem se harmonizam com outros elementos probatórios idôneos.” (HC n° 74.608-0, SP, rel. Min. Celso de Mello, j. 18.2.97, apud JTJ 263/518)
“Os funcionários da Polícia merecem, em seus testemunhos, a normal credibilidade dos testemunhos em geral, a não ser quando se apresente razão concreta de suspeição. Enquanto isso não ocorra e desde que não defendem interesse próprio, mas agem na defesa da coletividade, sua palavra serve a informar o convencimento do julgador.” (TJSP – Rec. – Rel. Jarbas Mazzoni – RT 668/275).
Desse modo, a prova, segura e harmônica, permite afirmar que T transportava 357,2g de Cannabis sativa L, destinada ao consumo de terceira(s) pessoa(s).
Não tem cabida, aqui, a desclassificação para o delito tipificado no artigo 16 da Lei n° 6.368/76, pois a própria ré admitiu que a droga por ela transportada não se destinava ao seu próprio uso, mas sim à entrega em determinado local de Junqueirópolis.
A droga destinada ao uso era a maconha acondicionada na forma de duas trouxinhas, guardada num estojo de perfume no meio de seus pertences, conforme confissão judicial consignada a fls. 177, 15ª linha. Mas essa conduta sequer foi denunciada, levando em consideração o DD. Promotor de Justiça, provavelmente, a absorção do uso pelo tráfico, muito mais grave, conforme ensinam nossos Tribunais (a esse respeito: JTJ 215/307, RJTJSP 101/421, JUTACRIM 64/38, RJTJRS 128/105 e RT 555/380).
Também não socorre à ré a falta de comprovação de algum ato de mercancia, eis que sua conduta não se subsumiu ao tipo descrito no artigo 12 da Lei n° 6.368/76 em razão dos verbos ‘vender, expor à venda ou oferecer’, mas sim por ‘trazer consigo e transportar’.
Nesse sentido, verbis:
                                    “Traficante não é apenas aquele que comercia entorpecente, mas todo aquele que, de algum modo, participa da produção e na circulação de drogas, como, por exemplo, aquele que as tem em depósito.” (TJRS – AC 69.100.048-3 – Rel. Nilo Wolff – RJTJRS 151/216 e RF 320/237. Destaquei.)
Tampouco sua conduta permite sujeitá-la a tratamento ambulatorial, pois ao tempo da ação ela era “totalmente capaz de entender o caráter criminoso do fato e de se determinar frente ao seu entendimento”, conforme asseveraram os peritos médicos a fls. 23 do quinto apenso deste caderno processual.
Dessa forma, mantidos íntegros seus elementos intelectivo e volitivo, a ré é imputável e, via de conseqüência, está sujeita à aplicação de uma pena.
Por essa mesma razão, deve ser tratada como criminosa, pois o que praticou outro nome não tem senão este: crime. Eventual transtorno psicológico não lhe retira a capacidade de entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se conforme esse entendimento.
No mais, é preciso considerar que o vício não é motivo hábil a justificar uma ação criminosa; ao revés, permite a majoração da pena pois revela um desvalor moral, social e jurídico, servindo como critério para aferir, inclusive, a maior periculosidade da ré, cujos freios morais encontram-se puídos, rotos e lassos ante a necessidade de sustentar um hábito pernicioso e sem limites.
Nesse sentido, ensina Roberto Lyra, a saber:
“A índole do motivo resume e exprime a significação do delito, do ponto de vista do dano e do perigo social, explicando-o e contribuindo para desvendar a personalidade e, portanto, estabelecer a temibilidade.
(...)
A penalidade é a matéria-prima; os motivos constituem a mão-de-obra, precisando o quilate moral e jurídico de todo ato humano. São o selo da periculosidade.” (in ‘Comentários ao Código Penal’, vol. II, 2ª ed., Forense, p. 226/227)
As imputações feitas a T de infração aos tipos previstos nos artigos 14 e 18, III, da Lei n° 6.368/76 serão adiante analisadas, após a apreciação das condutas de S e D.
S foi inicialmente acusada pelo Ministério Público de ter consentido que D, T e a inimputável E utilizassem sua residência para guarda, depósito e posterior entrega de Cannabis sativa L (maconha); é a conduta descrita pelo tipo do artigo 12, § 2°, II, da Lei n° 6.368/76.
Obviamente, trata-se de um crime doloso, exigindo-se não apenas a aquiescência do possuidor do local, como também sua ciência de que se trata de guarda e depósito de entorpecente.
Entretanto, ao cabo da instrução criminal, não restou certo o conhecimento de S da existência dos entorpecentes no interior de sua residência que, infere-se dos autos, pertenciam a E (aqueles que foram arremessados no imóvel vizinho) e a T (duas trouxinhas de maconha guardadas num estojo de perfume), as quais, embora não morassem no imóvel, ali pernoitavam de vez em quando.
Não é possível asseverar, portanto, com absoluta certeza, que S tinha conhecimento de que T e E traziam consigo, naquela oportunidade, maconha.
Como bem ressaltou o ínclito Defensor, inicialmente os próprios policiais desceram as escadas da casa e disseram à co-ré que ela poderia continuar a cuidar de seus afazeres. E mais: foi a própria denunciada quem franqueou a entrada dos agentes da lei no interior de sua residência.
A situação apenas se inverteu em razão da atitude de E, consistente em jogar uma sacola sobre o telhado vizinho.
Insta observar, de mais a mais, que a conduta de E fez recair sobre si a presunção de propriedade daquelas drogas, havendo extremada precipitação no estabelecimento de liames subjetivos entre ambas, com a prisão em flagrante de S.
Dessa forma, no presente contexto, é temerário o decreto condenatório, sob pena de se cometer injustiça, mormente por tratar-se de crime extremamente grave, de apenamento severo.
Assim, prudente é o requerimento ministerial formulado em memoriais, pugnando pela absolvição de S.
Quanto ao co-réu D, a absolvição também se impõe.
Desde o início, quando de sua abordagem, o réu apresentou a mesma versão, sempre coerente, coesa e harmônica.
Segundo o policial V, D “Falou que estava fazendo somente um corrida” (fls. 240, sic), informando, ainda, trabalhar como moto-taxista.
Da mesma forma, o policial militar R asseverou ter o réu dito, no momento da abordagem, que era moto-taxista (fls. 248, 8ª resposta) bem como “No momento falou que estava fazendo uma corrida?” (fls. 249, 6ª resposta, sic).
Ora, se o testemunho policial serve muitas vezes para infirmar as versões apresentadas em Juízo pelos réus, deve, obrigatoriamente, servir também para corroborar a versão do acusado quando com ela for coincidente.
É o que ocorre no caso sub judice.
Com efeito, ao ser interrogado em Juízo D afirmou que havia feito uma corrida e dirigia-se para a casa de sua irmã S, onde almoçaria, quando T o chamou, num bar situado na rua XXXX. Disse ainda o réu:
“(...) Ela perguntou se eu era irmão de S e se levava ela até Junqueirópolis. Não queria levá-la porque era horário de almoço. Ela insistiu que eu a levasse e disse que me pagaria chegando lá. Nas proximidades do semáforo perto do Cartório ela pediu que eu fosse pela estrada de terra. Por eu não ser habilitado fui pela estrada de terra. Na estrada vicinal que vai a Junqueirópolis ela pediu que entrasse em outra estrada de terra. Achei estranho, mas entrei nessa estrada. Quando estava subindo na estrada vi a polícia pelo retrovisor, reduzi a velocidade já que os policiais mandaram parar. Tirei o capacete e coloquei a mão na cabeça. A T explicou que eu era moto-taxista. Não vi T jogando nada. Não era possível ver isso porque estava de capacete.” (fls. 158, verso, sic).
Ouvida, T afirmou em seu interrogatório judicial, verbis:
“(...) De posse do entorpecente, avistou D que passava de moto e acenou para ele. Já conhecia D de vista porque ele trabalhou um tempo como mototaxista. D não queria levar a interroganda sob a alegação de que estava indo almoçar com sua irmã mas a interroganda insisitiu e disse que era urgente, se dispondo a pagar até R$10,00, valor superior aos R$8,00 pedidos por D. Foram em direção a Junqueirópolis e no trajeto a interroganda viu uma viatura que ia adiante deles e ficou com medo, pedindo a D que entrasse numa estrada de terra. Já no início dessa estrada, dispensou o entorpecente, mas a viatura já os estava seguindo e quando D perceber a viatura reduziu a velocidade e foram abordados.” (fls. 176, sic).
Como lembra o í. Defensor do acusado a fls. 405, sexto parágrafo, não é possível ao Ministério Público utilizar dois pesos e duas medidas, aceitando o depoimento de T para inocentar S (fls. 339, primeiro parágrafo) e negando-lhe qualquer valor quando se trata do co-réu D.
A versão de T concatena-se com a de D e ambas são corroboradas, in totum, pelos depoimentos dos agentes da lei.
Pequenas contradições, eventuais lapsos de memória e algum desacerto sobre circunstâncias acidentais são absolutamente naturais e ínsitos da prova testemunhal, que tem como fonte a mais precária das faculdades humanas: a memória. De mais a mais, indicam a inexistência de mancomunação, sempre indesejável.
Por outra, o fato de T não ter apresentado sua versão já no inquérito policial, preferindo o silêncio, não pode ser usado em seu prejuízo, muito menos em prejuízo de terceira pessoa, vale dizer, de D.
É um direito constitucional, insculpido no artigo 5º, inciso LXIII, de nossa Constituição Federal. Não admite diminuições, restrições ou senões.
Da mesma forma, não vinga a tese de que T pretende livrar D para diminuir sua própria pena, não fazendo incidir a especial causa de aumento prevista no artigo 18, inciso III, da Lei n° 6.368/76.
Como visto, já na abordagem policial D proclamou sua inocência, tendo T, segundo os próprios policiais, dito que se dirigia a Junqueirópolis para deixar a maconha em determinado local (um orelhão). Naquele momento ela também não incriminou o co-réu.
Ademais, trata-se de uma ilação sem qualquer suporte fático, bem como não leva em consideração a reconhecida primariedade de T (fls. 340, primeiro parágrafo), que faz presumir sua ignorância de tais pormenores das searas jurídicas.
Também não está provado que D, T e S residiam juntos, o que, segundo o Parquet, permite concluir a ciência de D do entorpecente transportado pela ré confessa.
Foram colhidos testemunhos dando conta que T e E, em algumas oportunidades, pernoitaram na casa de S. Mas inexiste prova segura de ter T dormido em sobredita residência na noite do dia 30 para o dia 31 de dezembro de 2.004, tanto assim que apenas deixou alguns de seus pertences no dia de sua prisão, conforme dito por S, pessoa por todos tida por inocente (fls. 172, 21ª linha).
Por essas razões, não é possível afirmar o conhecimento de D acerca do entorpecente transportado por T.
Tampouco serve para demonstrar esse conhecimento o fato dele ter conduzido seu veículo por uma via secundária.
Primeiro, porque D disse ter sido T quem lhe pediu que tomasse esse caminho e, ao que se sabe, não cabe ao taxista discutir as determinações de quem lhe paga a corrida.
Segundo, porque T confirmou ter determinado a D que seguisse pelo caminho percorrido por ambos naquele dia.
Terceiro, porque conquanto estranhável, ao réu era conveniente, eis que não possuía habilitação e aquela via lhe era mais propícia, máxime tendo ele sido autuado em duas outras ocasiões – uma delas em curto espaço de tempo, conforme comprovado documentalmente pela combativa Defesa a fls. 414/415.
Se  deparar-se com a Polícia Militar era uma constante na vida do réu (e isso não passa de ilação, pois nos autos há apenas duas autuações), não era algo de todo desejável.
Isso, portanto, não induz ao conhecimento do transporte de entorpecente e tampouco autoriza um édito condenatório em crime tão gravoso.
Contra D não há mais que indícios e presunções, portanto. E é sabido que a força probante desses decorre do nexo lógico com o fato posto em apreciação, sendo imperioso um Juízo crítico do quanto foi apurado.
E quanto a D, em que pese o peculiar brilhantismo do DD. Promotor de Justiça, os fatos apurados constroem-se favoravelmente ao réu.
No tocante às imputações de infração aos tipos descritos nos artigos 297 e 304 do Código Penal, a materialidade sequer restou demonstrada, sendo indispensável para sua prova o exame de corpo de delito, conforme preceitua o artigo 158 do Código de Processo Penal.
Sem prova da existência do fato, a absolvição, nesses casos, também se impõe.
Finalmente, com a absolvição de D e S, não há que se falar em associação, quer episódica (art. 18, III, da Lei n° 6.368/76), quer eventual ou permanente (art. 14 da Lei de Tóxicos).
Por tais e tantos motivos ficou comprovada, durante a instrução criminal, a subsunção apenas da conduta de T ao crime previsto no artigo 12, caput, da Lei nº 6.368/76.
Assim, uma vez comprovadas a materialidade e a autoria delitivas, passo à fixação da pena.
Ao crime de tráfico ilícito de entorpecentes, a lei comina, cumulativamente, penas de reclusão e multa.
Atento às circunstâncias judiciais previstas no artigo 59, CP, percebo que a ré é primária. Entretanto, como dito acima, o móvel de sua conduta foi a necessidade de sustentar um vício anti-social, demonstrando a lassidão de seus freios morais, dessumindo daí a temibilidade de seu comportamento, sem limites e dispostos até mesmo a atingir a saúde pública.
Também restou clara sua índole egoística, pois para atingir seu intento não titubeou a acusada em envolver pessoas inocentes (S e D), expondo a perigo, também, a menor B, filha da co-ré ora inocentada.
Por outra, se serve a incriminação do tráfico para o resguardo da saúde pública, merece agravamento na pena quem transporta consigo TREZENTOS E CINQÜENTA E SETE GRAMAS de maconha para entrega a terceiro(s), sendo a nocividade de sua conduta diretamente proporcional à quantidade da droga de que dispõe, com o que as conseqüências do crime são, inequivocamente, mais funestas e perniciosas para o objeto jurídico penalmente tutelado.
Nesse sentido, aliás, já decidiram nossos Tribunais, a saber:
“Tráfico de entorpecentes (art. 12 da Lei n° 6.368/76) – Alegação de vício na dosagem da pena porquanto exacerbada e não fundamentada – Improcedência – ‘1. A culpabilidade se determina pela imputabilidade, inexigibilidade de conduta diversa e possibilidade de conhecimento do injusto. A quantidade de substância entorpecente apreendida demonstra o imenso potencial ofensivo à sociedade, não havendo como desprezar-se que esta atitude visava tão-somente a obtenção de lucro fácil, mediante procedimento delituoso. Isto, por si só, já justifica a exacerbação da reprimenda. 2. O art. 59 do CP determina que a fixação da pena deverá atender a culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime. Ao fixar a pena, não se adstringe o juízo aos critérios de primariedade e bons antecedentes do réu, mas às condições estabelecidas no dispositivo penal. 3. Habeas corpus indeferido.” (STF – HC 73097-3 – Rel. Maurício Corrêa – DJU 19/04/1996, p. 12.215)
“A grande quantidade de drogas apreendida pode e deve ser utilizada na dosimetria.” (STJ – HC 10.165 – Rel. Félix Fischer – j. 09/11/1999 – DJU 14/02/2000, p. 53)
“Pena – Fixação – Tráfico de tóxico – Aumento operado na pena-base – Natureza e quantidade da droga apreendida – Sentença confirmada. (TJSP – AC 116.929-3 – Rel. Dante Busana – RJTJSP 135/459. Destaquei.)
Dessa forma, observados o motivo da ação criminosa, as implicações da conduta na vida de terceiros inocentes, a índole egoística da ré e a grande quantidade da droga apreendida, elevo a pena na metade da mínima abstratamente considerada.
Com isso, fixo a pena-base em quatro anos e seis meses de reclusão e pagamento de setenta e cinco dias-multa.
Há duas circunstâncias atenuantes: à época do cometimento da infração a ré era menor de vinte e um anos de idade (art. 65, I, CP) e confessou em Juízo a autoria do crime (art. 65, III, d, CP).
Considerando ser a menoridade mero fator biológio, insuscetível de revelar maior valor ou desvalor da ação criminosa ou de seu agente, a redução deve ser mínima, na ordem de 1/12. A confissão, ao revés, indica ainda existir senso de responsabilidade, merecendo uma redução de 1/6. Somadas, as reduções devem ser de ¼ da pena até aqui estabelecida, com o que passa a ser de três anos, quatro meses e quinze dias de reclusão e pagamento de cinqüenta e seis dias-multa.
Inexistentes circunstâncias agravantes ou causas de aumento ou de diminuição de pena, torno definitiva a pena no quantum acima fixado: três anos, quatro meses e quinze dias de reclusão e pagamento de cinqüenta e seis dias-multa.
A pena pela prática de tráfico ilícito de entorpecentes será cumprida integralmente em regime fechado, nos termos do artigo 2°, § 1°, da lei 8.072/90.
Quanto à pena de multa, à míngua de melhores esclarecimentos acerca das condições econômicas da acusada, que, ao que consta, não goza de padrão de vida elevado, estabeleço o valor unitário do dia-multa no mínimo legal, observados os critérios especiais para cálculo previstos pela Lei de Tóxicos. A esse respeito, vale ressaltar que “O art. 38 da Lei Antitóxicos não foi derrogado pela reforma penal de 1984.” (TJSP, Acrim 147.227, Rel. Des. Dante Busana, JTJ 150/288).
Assim, à vista de todo o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a pretensão punitiva ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO e, em conseqüência, CONDENO, como incursa no artigo 12, caput, da Lei n° 6.368/76, T, filha de XXXX, identificada a fls. 48, às penas de três anos, quatro meses e quinze dias de reclusão em regime integral fechado e pagamento de cinqüenta e seis dias-multa, todos no valor unitário mínimo, ABSOLVENDO-A, contudo, das imputações de infração aos artigos 14 e 18, III, ambos da Lei n° 6.368/76, com fundamento no artigo 386, incisos I e VI, respectivamente, do Código de Processo Penal. No mesmo passo, ABSOLVO S, filha de XXXX, identificada a fls. 44, da acusação por infração aos tipos descritos nos artigos 12, §2°, II, e 14, ambos da Lei n° 6.368/76, com fundamento no artigo 386, incisos IV e I, respectivamente, do Código de Processo Penal, e ABSOLVO D, filho de XXXX, identificado a fls. 52, das acusações de infração aos tipos descritos nos artigos 297 e 304 do Código Penal, com fundamento no artigo 386, II, do Código de Processo Penal, bem como das imputações de infração aos tipos descritos nos artigos 12, caput, 18, III, e 14 todos da Lei n° 6.368/76, com fundamento no artigo 386, VI, CPP para as duas primeiras acusações, e 386, I, do Código de Processo Penal, para a última imputação.
T perpetrou crime gravíssimo, tráfico ilícito de entorpecentes, permanecendo presa durante todo o curso do processo, razões pelas quais não poderá recorrer desta decisão em liberdade (RT 500/318, RT 531/295, RTJ 88/69 e RTJ 127/947).
Ademais, adoto, a respeito do recurso em liberdade de réu condenado por crime hediondo ou a ele equiparado, o entendimento de Damásio E. de Jesus, que transcrevo, in verbis:
“(...) O acusado, por ocasião da sentença final, pode ser encontrado em duas situações: preso ou em liberdade. Achando-se preso provisoriamente em decorrência de flagrante, prisão temporária ou preventiva, entendemos inaplicável o § 2°: não se admite a apelação em liberdade. Caso contrário, haveria contradição com o art. 2°, II, que não admite a liberdade provisória nesses casos: antes da sentença o réu permaneceria preso; condenado, poderia apelar em liberdade. (...)” (in ‘Código de Processo Penal Anotado’, 19ª ed., ed. Saraiva, pág. 708)
Expeça-se mandado de prisão por força desta sentença em desfavor da condenada T, bem como ofícios recomendando-a na prisão em que se encontra. Após o trânsito em julgado desta sentença, lance-se seu nome no rol dos culpados.
Incontinente, expeça-se alvará de soltura clausulado em favor de D.
D e S foram absolvidos, razão pela qual não se lhes aplica o preceito contido no artigo 594 do Código de Processo Penal, acaso desejem recorrer.
Como há menção, nos autos, do nome de pessoa inimputável em razão da menoridade, decreto segredo de justiça destes autos (artigos 143 e 144 da Lei nº 8.069/90 -  Estatuto da Criança e do Adolescente). Tome a Serventia as providências necessárias.
Sucumbente, condeno a ré T ao pagamento da taxa judiciária, consoante preceitua o artigo 4°, § 9°, a, da Lei Estadual n° 11.608, de 29 de dezembro de 2003.
P.R.I.C.
Dracena, 03 de junho de 2.005
Bruno Machado Miano
Juiz de Direito

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