15 de julho de 2011

Função social do contrato

Na maioria dos casos desse pedido de rescisão contratual cumulado com reintegração de posse e perda das parcelas pagas a solução é de procedência. Mas sempre existem as exceções à regra, e esse caso é uma dessas exceções.


1ª Vara Judicial da Comarca de Jacupiranga
Autos nº 793/2008
Autora:                    Companhia A
Ré:                           M

S  E  N  T  E  N  Ç  A
Vistos, etc.
1. Relatório:
A Companhia A ajuizou pedido de rescisão contratual cumulado com reintegração de posse e perda das parcelas pagas contra M. Para tanto, narrou que na condição de integrante do Sistema Financeiro da Habitação construiu conjunto de unidades habitacionais, sendo que uma delas foi objeto do contrato mantido com a ré. Entretanto, teria ela descumprido suas obrigações contratuais, deixando de adimplir o contrato (fls. 2-5). A inicial veio instruída com os documentos de fls. 6 usque 37.
Citada (fl. 61), a ré compareceu aos autos para contestar as pretensões, ao argumento de que é portadora de necessidades especiais e que com o agravamento de seu estado de saúde teve que adquirir remédios, o que não permitiu o pagamento em dia das parcelas; aduziu, ainda, inépcia da inicial em razão da ausência de indicação do valor do débito em aberto (fls. 49-50).
Oportunizada manifestação da autora no feito, quedou-se inerte (fls. 59 e 64).
A audiência prevista no art. 331 do CPC teve por infrutífera a proposta conciliatória diante da ausência da autora (fl. 79).
Às fls. 83-84 compareceu a autora aos autos para afirmar seu interesse na demanda e pugnar pelo julgamento antecipado da lide (fls. 83-84).
É o relatório. Decido.
2. Fundamentação:
O feito comporta julgamento antecipado, pois os elementos já carreados aos autos são suficientes à formação da convicção jurisdicional, não havendo necessidade de produção de prova em audiência (CPC, art. 330, inciso I), máxime diante da ausência de interesse da autora na realização de provas (fls. 83-84).
Rejeito a preliminar de inépcia da inicial, pois é possível inferir dos autos o valor do débito em aberto (fl. 21).
Quanto ao mérito, os pedidos são improcedentes.
O atual Código Civil limita a liberdade de contratar em razão da função social do contrato (CC, art. 421), condicionando-a ao atendimento do bem comum e dos fins sociais. Cuida-se da consagração do princípio da socialidade. A teoria acolhida pelo Código Civil se assenta ainda nos princípios constitucionais da ordem econômica (art. 170), dentre estes o da função social da propriedade (inciso III), que deve ser alcançado no âmbito social, para que se assegure existência digna para todos, conforme os ditames da justiça social.
Ensina Miguel Reale que “um dos motivos determinantes desse mandamento resulta da Constituição de 1988, a qual, nos incisos XXII e XXIII do art. 5º, salvaguarda o direito de propriedade que ‘atenderá sua função social’. Ora, a realização da função social da propriedade somente se dará se igual princípio for estendido aos contratos, cuja conclusão e exercício não interessa somente às partes contratantes, mas a toda a coletividade”.
No presente caso, por ocasião da audiência prevista no art. 331 do CPC já havia sido possível verificar que a ré “reside há vários anos no imóvel e só parou de pagar as parcelas após o agravamento de seu estado de saúde” (fl. 79). Tal agravamento de estado de saúde, aliado às necessidades especiais portadas pela ré, são aptos a relativizar a obrigatoriedade das cláusulas contratuais, não podendo a impontualidade servir como argumento para a rescisão contratual. É que entendimento diverso significaria retirar a ré do local que conhece como lar, justamente quando mais precisa de amparo (gerando novo problema social), violando sua dignidade (CRFB, art. 1º, inciso III), em decorrência de dificuldade momentânea de fazer frente ao pagamento das parcelas.
Aliás, com muito mais razão tem lugar a aplicação da função social, pois a própria autora se denomina como ente de desenvolvimento habitacional, devendo, portanto, suportar os ônus decorrentes da área de interesse social em que atua.  
Isso não bastasse, há de se acrescentar que: (a) não se está diante de efetivo inadimplemento, mas de impontualidade, eis que o atraso no pagamento das parcelas decorre de caso fortuito, consistente no agravamento do estado de saúde da ré; (b) a ré compareceu à audiência prevista no art. 331, dando mostras da sua intenção em sanar a reconhecida mora (desde que compatibilizado o prazo de pagamento com as suas atuais necessidades), o que não pôde ser efetivado diante da postura belicosa da autora, a qual deixou de comparecer ao ato e expressamente manifestou desinteresse em qualquer acordo (fl. 83).  
3. Dispositivo:
Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTES as pretensões consubstanciadas na inicial (rescisão contratual, reintegração de posse e perda das parcelas pagas), razão pela qual o feito resta extinto com resolução de mérito (CPC, art. 269, inciso I), sem prejuízo de que a autora discuta em demanda própria a cobrança das parcelas em atraso.
Em razão da sucumbência, condeno a autora ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios em favor do patrono da ré, que fixo em R$ 500,00 (quinhentos reais), na forma do disposto no art. 20, § 4º, do CPC, observada a simplicidade da causa e a ausência de dilação probatória.
Oportunamente, expeça-se certidão de honorários em prol do ilustre advogado que atuou no feito em função do convênio entre a Defensoria Pública e a Seccional São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Cumpra-se.
Jacupiranga, data.
 AYRTON VIDOLIN MARQUES JÚNIOR
Juiz Substituto

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