Comarca de Dracena
2ª Vara – Ofício Cível
Autos nº 168.01.2007.003311-9
439/07
Autos nº 168.01.2008.000190-8
017/08
SENTENÇA:
V ajuizou esta causa em face de A pretendendo, em síntese, sua reintegração na posse do imóvel residencial urbano, situado no lado ímpar da rua XXXX, nesta cidade de Dracena (matriculado sob o nº XXXX, do CRI local).
Afirma para tanto que aludido imóvel pertencia a J, seu pai. Depois de seu falecimento, tomou conhecimento dos débitos vinculados à coisa, totalizando aproximadamente R$ 4.800,00 (quatro mil e oitocentos reais).
A ré, avó da autora e mãe de J, reside sozinha no imóvel e dele não deseja sair. Trata-se de pessoa idosa, que necessita de cuidados, sendo inclusive assistida por uma de suas filhas (XXXX), que é vizinha de muro.
Não havendo forma de composição amigável, e sendo a venda do imóvel a forma de pagar as dívidas deixadas, foi a ré notificada a deixá-lo; não o fez, caracterizando o esbulho.
Foi indeferida a liminar (fls. 18 e verso).
Pessoalmente citada (fls. 24/verso), a ré ofereceu contestação afirmando que: i) possui 85 anos de idade, é mãe de dois filhos, dos quais um é falecido; ii) a autora foi por ela criada; iii) não possui outro imóvel para morar e os débitos indicados surgiram na época em que o de cujus era vivo, tendo ele se obrigado a pagá-los; iv) após a morte de J, a autora também renegociou a dívida, mas deixou de ter interesse no cumprimento do acordo quando não conseguiu expulsá-la do lar. Possui, realmente, uma filha que é sua vizinha, mas que mora com cinco pessoas numa casa com apenas dois quartos. Invoca normas do Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/03, arts. 3º, par. único, V; 10; 10, § 3º; 37; 97) e do Código Civil (obrigação de prestar alimentos) – fls. 26/31. Juntou documentos (fls. 32/37).
Réplica a fls. 41/44.
O Ministério Público infirmou seu interesse em participar do feito (fls. 52).
Tentada a conciliação entre as partes, a mesma restou infrutífera. O feito foi, então, saneado (fls. 56).
Em audiência de instrução, debates e julgamento, foram ouvidas três testemunhas da ré (fls. 63/71).
Encerrada a instrução processual, vieram aos autos os memoriais das partes: da autora, a fls. 74/77; e da ré, a fls. 79/80.
Em autos apensados a estes, encontra-se AÇÃO ANULATÓRIA proposta por A em desfavor do espólio de J, representado por sua filha V.
Informa a autora, por meio dessa ação, que adquiriu o imóvel matriculado sob nº XXXX do CRI de Dracena, através de uma ORDEM DE ESCRITURA (de nº XXXX), passada pela “Empresa Imobiliária XXXX”
Ocorre que esse imóvel foi registrado em nome de seu filho, J, mesmo não tendo a autora manifestado qualquer interesse na venda de aludido bem. Aliás, desconhecia o teor do Termo de Transferência apresentado no verso da ORDEM DE ESCRITURA, porque é analfabeta. Diz, ainda, que haveria a necessidade de procuração pública para qualquer ato.
Assim, teria havido vício de consentimento insanável, porque a realidade sobre o termo de transferência lhe foi omitida por seu filho. Por isso, requer a anulação do termo de transferência e, conseqüentemente, do respectivo registro na matrícula do imóvel (fls. 2/7). Juntou documentos (fls. 8/25).
Citado na pessoa da inventariante (fls. 34), o ESPÓLIO DE J ofereceu contestação, defendendo a legalidade da cessão procedida pela autora a seu filho J (fls. 39/42).
Réplica a fls. 45/48.
A INSTRUÇÃO FOI CONJUNTA COM A AÇÃO POSSESSÓRIA, dada a prejudicialidade da causa anulatória sobre a reintegratória (a reconhecer, portanto, a conexão lógica das ações).
É o relatório.
Fundamento e decido:
Não deixa de ser curioso e assaz interessante que a sra. A se diga incapaz de entender o termo de transferência, dado seu analfabetismo, mas seja capaz de entender as causas ora ajuizadas – nada obstante não tenha passado qualquer procuração por instrumento público (fls. 33 dos autos 439/07 e fls. 09 dos autos 017/08).
Disso se infere, indene de dúvidas, que o simples analfabetismo não faz da pessoa um ser absolutamente incapaz, a tornar nulo tudo o que assina.
Em palavras mais simples: analfabeto não é incapaz; consegue vivenciar, perceber e antever o que lhe ocorre. Não por acaso, muitos vão longe na vida pública...
Se a sra. D, ao testemunhar, soube precisar da ocorrência da transferência/cessão do direito de propriedade da sra. A para seu filho J, resta certo que esse fato não passou despercebido da própria sra. A.
Em se tratando de fato anulável (quiçá por dolo), o prazo decadencial já se esvaiu há tempos, consoante a regra prevista pelo art. 178 do Código Civil.
Desse modo, a transferência aposta a fls. 10 (no verso da ORDEM DE ESCRITURA), não é mais anulável. Aperfeiçoou-se e é eficaz, inclusive em nome da segurança jurídica.
Isso, contudo, não redunda na automática reintegração de posse da sra. V.
Primeiro, porque como neta ela possui obrigações de cunho alimentar para com sua avó – e que incluem não só os alimentos propriamente ditos, como também vestuário, medicamentos e moradia.
Segundo, porque a Constituição da República, em seu art. 6º, fez consagrar o direito à moradia como direito social fundamental, complementado, no caso da pessoa idosa, pela Lei nº 10.741/03 (Estatuto do Idoso, arts. 3º e 37).
Terceiro, porque é preciso verificar, consoante afirmaram as testemunhas, quem cuidava da casa e onde morava, de fato, o de cujus, a fim de perquirir-se da aquisição do imóvel, pela sra. A, pela usucapião extraordinária constitucional (art. 183, CF).
Esse último fato, aliás, infirma a ocorrência de esbulho possessório, para a qual, ademais, a mera notificação de fls. 13/14 (dos autos nº 439/07) é insuficiente – afinal, desejar que em 15 dias uma pessoa desocupe o imóvel em que residiu a vida toda não pode fundamentar uma pretensão de reintegração, máxime quando essas pessoas possuem vínculo familiar e afetivo.
Dessa forma, ante todo o exposto, resolvo as causas postas da seguinte maneira:
1) Quanto à causa processada nos autos nº 017/2008, PRONUNCIO A DECADÊNCIA do direito de anular o termo de transferência e o respectivo registro do imóvel matriculado sob o nº XXXX do CRI local, julgando extinta a demanda ajuizada por A (que também assina A) em face do ESPÓLIO DE J (representado por V), com base no art. 269, IV, do Código de Processo Civil. Condeno a autora ao pagamento das custas, das despesas processuais e da verba honorária da parte contrária, ora fixada, por equidade, em 510 reais.
2) Quanto à causa processada nos autos nº 439/07, JULGO IMPROCEDENTE a pretensão de reintegração de posse ajuizada por V em face de A (que também assina A), com base no art. 269, I, do Código de Processo Civil. Condeno a autora ao pagamento das custas, das despesas processuais e da verba honorária da parte contrária, ora fixada, por equidade, em 510 reais.
Imprimo e assino em duas vias, uma para cada feito.
PUBLIQUEM-SE.
REGISTREM-SE.
INTIMEM-SE.
Dracena, 14 de julho de 2010
Bruno Machado Miano
Juiz de Direito
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